15/09/2014 - 15:23

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Sem estrutura e sem alvará

15/09/2014 - 15:23

Sem estrutura e sem alvará

A falta de licença do Corpo de Bombeiros na maioria dos prédios do Judiciário fluminense reforça a preocupação com a precária estrutura da primeira instância do Tribunal de Justiça, tema desta edição na campanha por Mais Justiça
 
RENATA LOBACK
Em meio à preocupação com a transferência de 44 varas cíveis do Fórum Central, a notícia: mais da metade dos 105 fóruns do estado, incluindo o prédio na Avenida Presidente Vargas para onde foram essas serventias, não possuem aval do Corpo de Bombeiros. A falta de estrutura da primeira instância do Tribunal de Justiça (TJ) não é novidade para advogados e partes. Mesmo assim, admite o presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, é surpreendente descobrir que o Judiciário está fora da lei.

Segundo levantamento preliminar de servidores e profissionais da área do Direito, repassado ao presidente da Ordem, na lista de serventias irregulares está ainda o principal conglomerado do TJ, no Centro do Rio, por onde transitam mais de 30 mil pessoas a cada dia.

Pelas informações, divulgadas no blog Justiça e Cidadania, do jornal O Dia, apesar de não contar com a aprovação do Corpo de Bombeiros, há brigada de incêndio 24 horas no local. Questionado sobre a falta do documento no Fórum Central, o TJ explicou que, por se tratar de uma construção anterior ao Código de Segurança contra Incêndio e Pânico, instituído em 1975, não houve a necessidade de licença quando o prédio foi inaugurado. A assessoria de imprensa do TJ não comentou, no entanto, a falta do alvará nas demais construções, incluindo o edifício destinado a abrigar temporariamente as varas cíveis da capital. Mas, segundo a assessoria, todas as medidas estão sendo tomadas para corrigir as irregularidades.
 
Após a notícia, publicada no dia 19 de agosto, a OAB/RJ expediu ofícios à presidente do TJ, desembargadora Leila Mariano; ao governador, Luiz Fernando Pezão; ao prefeito, Eduardo Paes; e ao Corpo de Bombeiros, órgão competente para certificar que o local está dentro das condições exigidas por lei. No documento, Felipe solicitou que fossem tomadas providências com a finalidade de sanar eventuais falhas de segurança.
 
“A falta de estrutura do Tribunal de Justiça preocupa muito a OAB/RJ. Chamam a atenção as serventias superlotadas, a insuficiência de servidores e juízes, e a má condição dos prédios da primeira instância, mas é ainda mais assustador pensar que faltam também elementos básicos para a segurança de quem circula nesses prédios, incluindo juízes e serventuários, que estão a mercê de riscos tanto quanto advogados e partes. A Ordem ficou perplexa com esta informação”, afirma Felipe.

Para o presidente da Seccional, além da preocupação com a segurança, há ainda um enorme transtorno com as condições de atendimento e segurança no prédio que agora abriga as 44 varas. “A Seccional faz sua parte na tentativa de minimizar essa desordem. Criamos um novo trajeto de transporte gratuito da OAB/RJ (ver na página 13 ) para atender ao prédio da Presidente Vargas e instalamos uma sala para os advogados no local.
 
Friso, ainda, que não somos contra a reforma das varas – foram anos de investimento exclusivo nos gabinetes dos desembargadores – queríamos apenas que ela fosse feita por corredor, evitando paralisações bruscas e riscos desnecessários”, diz.

As obras no Fórum da capital geram queixas, também, nos advogados do interior do estado. “O que leva uma administração pública a iniciar uma reforma de grande porte sem haver concluído outras em estágio avançado?”, questiona o presidente da OAB/Angra dos Reis, Cid Magalhães, referindo-se às obras paralisadas dos fóruns do município e também de Iguaba Grande e Arraial do Cabo.

Em outubro de 2012, a empresa que venceu a licitação para a construção do Fórum de Angra dos Reis interrompeu o trabalho, abandonado desde então. Segundo o presidente, o tribunal gasta por mês R$ 34 mil pela locação do imóvel que abriga a 1ª e a 2ª varas cíveis, e a prefeitura, R$ 20,3 mil no aluguel do prédio do Juizado Especial Cível. “São mais de R$ 648 mil, ao ano, de dinheiro público desperdiçado. Recursos que possibilitariam melhorar as condições de vida de milhares de pessoas”, aponta Magalhães.

Enquanto aguardam a conclusão da obra, advogados e partes convivem com “condições desumanas” ao recorrer ao Judiciário local, analisa o presidente. No imóvel de três andares, que abriga as varas cíveis, o acesso é feito somente por escadas. Não há ventilação, e advogados e partes são obrigados a aguardar as audiências nos degraus, por causa da falta de espaço nos corredores. Pessoas com deficiência física e dificuldades de locomoção não contam com mecanismos de acessibilidade às salas de audiências. 

Situação semelhante é a dos fóruns de Arraial do Cabo e Iguaba Grande [este último já tem até nome: Fórum Carlos Alfredo Flores da Cunha]. Desde que o TJ rescindiu o contrato com a empresa responsável pela construção das unidades, há mais de dois anos, os canteiros de obras encontram-se abandonados. Devido à ação do tempo, os prédios, que estavam em fase final de construção, apresentam problemas na estrutura.
 
De acordo com o assessor da presidência da Seccional e coordenador da campanha Mais Justiça, William Muniz, é um absurdo construir todo um aparato de prédios e deixar que se deteriorem com o tempo. “Se temos mais processos circulando na primeira instância, deveria estar nela a maior parte dos investimentos. Situações como sucateamento de prédios e problemas na estrutura não deveriam fazer parte da rotina de quem busca a Justiça”, observa.

Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, “as obras de Arraial do Cabo e Iguaba Grande recomeçaram no dia 25 de agosto”. Em Arraial, o prazo para conclusão é de 120 dias, e em Iguaba a obra será finalizada dentro de 240 dias, afirma o TJ. O Fórum de Angra dos Reis só terá a construção retomada no início do segundo trimestre de 2015.

O abandono em que se encontram os prédios do Judiciário foi, aliás, um dos itens mais criticados pelos presidentes de subseção, no relatório feito pela diretoria da Ordem para a campanha Mais Justiça.

Em Resende, a estrutura física do prédio que abriga o Juizado Especial Cível põe em risco quem frequenta o local. O tribunal utiliza um ventilador para resfriar o quadro de força e evitar quedas de energia, diminuindo os riscos de incêndio. “A má qualidade da energia do prédio atrapalha, inclusive, o funcionamento na sala dos advogados, onde só é possível ligar um computador por vez”, relata o presidente da subseção, Samuel Carreiro.

Falta de acessibilidade e problemas de encanamento são as reclamações de quem precisa ir ao Juizado Especial Cível de Barra do Piraí.  No edifício de três andares, que possui apenas escadas, a sala de audiências fica no último patamar e é necessário que o juiz atenda no térreo quando há alguém com dificuldades de locomoção participando de audiência.

No Fórum de Porciúncula, vigas de madeira sustentavam a marquise da entrada do prédio, por conta do risco de desabamento. A construção também enfrentava problemas com infiltrações.
 
Na opinião do presidente da OAB/Seropédica, Fábio Ferreira, está na região um dos piores, se não o pior, fórum do estado. O prédio comercial em que estão as serventias do município “não tem a menor estrutura”, assinala. No entanto, a falta de comodidade, destacada pela ausência de climatização e pelo fato de as audiências terem que ser aguardadas em sacadas, expostas a calor, chuvas e vento, não é o que mais preocupa o presidente. Segundo Fábio, a segurança do prédio é a questão principal.

De acordo com o presidente da 59ª Subseção, a localização da carceragem, distante apenas dois metros do portão de entrada do prédio, está longe de ser a ideal. “Todos  que ingressam no fórum são obrigados a passar pela carceragem, isso inclui os proprietários e clientes das demais lojas do edifício. Há ainda uma exposição desnecessária dos presos e seus familiares. Sem falar na facilidade caso haja algum plano de fuga. Frequentamos o fórum com uma sensação de muita insegurança”, pondera.

A falta de climatização nos corredores do Judiciário, caso das comarcas de Volta Redonda, Queimados, São João de Meriti, Paraíba do Sul e Regional da Pavuna, por exemplo, e a precária manutenção das máquinas de autoatendimento são outros pontos muito criticados pelos presidentes e advogados.
 
Espalhados pelos corredores, os terminais de autoatendimento são fontes de consulta do andamento dos processos. Com a migração para o processo eletrônico, cuja consulta pode ser realizada pelo computador, “as máquinas estão sendo esquecidas pelo TJ”, diz o presidente de Paraíba do Sul, Eduardo Langoni, que relatou a realidade da cidade. Dos cinco terminais do fórum, apenas um funciona e mesmo assim com problemas constantes na reposição de papel para a emissão dos boletos, salienta. 

Para Felipe Santa Cruz, todas essas situações desrespeitam a população, que precisa de Justiça, e afetam diretamente a qualidade de trabalho dos advogados.

Situações recorrentes

Apesar dos problemas e da demora nas soluções, o tribunal já começou a atender alguns dos pedidos da Seccional. No JEC de Barra do Piraí, pequenas melhorias foram feitas, como a pintura e a manutenção do encanamento. No entanto, as questões mais graves, como acessibilidade e climatização, ainda não foram resolvidas.

 “Não foi passado nenhum cronograma neste sentido”, afirma a presidente da subseção, Denise de Paula. “Acredito que a adequação para que o prédio se torne acessível a pessoas com dificuldade de locomoção é urgente. Caso não seja possível agora, ao menos que seja feita a transferência imediata da sala de audiências e do gabinete do magistrado do terceiro andar para o térreo”, defende.

No Fórum Regional da Pavuna, o TJ iniciou a reforma para instalação do ar condicionado central no início do segundo semestre de 2013. No entanto, a empresa vencedora da licitação faliu em outubro e desde então as obras estão paralisadas. Segundo o presidente da subseção, Antônio Carlos Faria, há a informação de que outra licitação chegou a ser realizada neste período, mas não houve candidatos. “Advogados e partes passam muitas dificuldades com as altas temperaturas no verão”, explica Faria.
 
Em Resende, em resposta a ofício da OAB local, o Tribunal de Justiça informou que o prédio do juizado entrou no plano de reformas da equipe de engenharia. Contudo, ainda não foi repassado nenhum prazo para o início das obras, revela Carreiro.
 
“Na reunião com a desembargadora Leila Mariano [no dia 24 de julho, na sede da OAB/RJ] solicitei a ampliação do fórum da cidade, que já está pequeno para a demanda, pois seria uma solução para a transferência do juizado. Na ocasião me dispus, inclusive, a buscar junto à prefeitura uma área para a construção de um novo prédio”, conta o presidente da Subseção de Resende. Segundo ele, ainda não houve resposta a esta iniciativa.

Já a marquise de Porciúncula, escorada por estacas, está sendo reformada. Há dois meses trabalhando no prédio, o TJ retirou o telhado antigo, colocou outra manta e refez o contrapiso, para acabar, também, com as infiltrações constantes no local.

A maioria dos pedidos relativos à estrutura apresentados a presidência do tribunal refere-se a situações recorrentes, que já haviam sido expostas por mais de uma vez, comenta o presidente da OAB/RJ. “Queremos mudar a mentalidade de investir apenas na segunda instância, já que está na primeira a concentração maior de problemas e processos. No entanto, queremos reformas feitas com planejamento, para que não sejam interrompidas no meio do caminho, e segurança. Estamos atentos e continuaremos cobrando”, conclui Felipe.

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