15/09/2014 - 16:00

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STF decide limites da terceirização

15/09/2014 - 16:00

STF decide limites da terceirização

AMANDA LOPES
Está prestes a acontecer no Supremo Tribunal Federal (STF) o debate sobre a ausência de regulamentação para a terceirização do trabalho no Brasil. Questões como a definição do que são exatamente as atividades fim e meio de uma empresa estarão em pauta na corte, que vai julgar o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 713211, apresentado pela empresa Celulose Nipo Brasileira (Cenibra) em maio deste ano, após ser condenada na Justiça do Trabalho a se abster de contratar terceirizados para a extração de madeira, considerada como sua atuação principal.

Sem uma lei específica, o mercado de trabalho se disciplina desde 1993 pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que aprova a terceirização apenas nas chamadas atividades meio, tais como serviços de limpeza, segurança etc. Segundo o presidente da Comissão da Justiça do Trabalho da OAB/RJ, Marcus Vinícius Cordeiro, há, de fato, certa dificuldade em se distinguirem as modalidades. “É bastante controversa a questão, mesmo no âmbito do Judiciário”, afirma ele.

Relator no Supremo, o ministro Luiz Fux, em sua manifestação inicial, observou que “o tema em discussão é matéria de índole constitucional, sob a ótica da liberdade de contratar”. Para Cordeiro, a questão é ambígua. “Uma das teses é justamente a de que o impedimento à plena terceirização afronta o artigo 170 da Constituição Federal, obstando a livre iniciativa. Por outro lado, temos a valorização da pessoa humana, os direitos dos trabalhadores e outras garantias insertas nos artigos 5º, 7º e 8º da Carta Magna, que devem ser sopesados em qualquer decisão que venha a ser adotada no caso”, comenta. 

Antes de a discussão chegar ao STF, dois projetos de lei – o PLS 87/2010, do ex-senador e atual deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB/MG), e o PL 4.330/2004, de autoria do deputado federal Sandro Mabel (PMDB/GO), que aguarda votação na Câmara – já versavam sobre a ampliação das possibilidades de terceirização. 

Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), o juíz Paulo Luiz Schmidt é absolutamente contra o que é defendido nos textos. “A terceirização das atividades fim é inaceitável, sob pena de extinguir a profissionalização e a proteção aos direitos sociais. Já nas atividades meio deve ser vista com cautela, assegurando-se ampla proteção ao trabalhador. Afinal, essa é a índole do Estado constitucional brasileiro, fundado em valores que não podem ser relegados diante de argumentos como aqueles que pretendem fazer prevalecer os pressupostos da livre iniciativa. Note-se que os projetos em tramitação não são iniciativas dos trabalhadores, mas dos empresários. Estes, sim, inconformados. No STF, do mesmo modo”, argumenta. 

Igualmente crítico em relação ao tema, o presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, alerta para a precariedade da situação dos terceirizados no país. Na opinião dele, o cenário pode piorar caso este modo de contratação ganhe espaço. “A diferença de contrato, salário, condições de trabalho e benefícios dos terceirizados em relação aos outros trabalhadores é um abismo. O empresariado brasileiro não quer contratar mão de obra via terceirização para melhorar a qualidade do serviço prestado. Quer diminuir o valor que gasta com o trabalhador, reduzir o número de direitos e aumentar o de horas trabalhadas”, diz.

Favorável à terceirização, o presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP, José Pastore, defende uma reforma trabalhista ampla, que resulte em legislação capaz de assegurar mais liberdade ao mercado de trabalho. “Uma reforma que promova a capacidade de negociação de empregados e empregadores e que reduza o número de conflitos entre as partes. O importante na terceirização não é saber se atividade é meio ou fim. É garantir que todos os direitos dos trabalhadores sejam respeitados. É isso que tem de constar da nova lei e da prática negocial. Hoje, a súmula do TST é impotente para transformar um trabalho precário em trabalho decente. A nova lei terá de dar essa força à sociedade em geral e à fiscalização, em particular”, pondera. 

A reforma é necessária, na visão dele, na medida em que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) não seria mais capaz de atender à dinâmica do mercado. “Na CLT, a lista de regras rígidas e inflexíveis é imensa e não dá para continuar assim em uma economia marcada pela competição e eficiência. Apesar de a legislação ter passado por ajustes, o cerne não mudou, ou seja, a ideia de que todos os trabalhadores são hipossuficientes. É rigidez excessiva que não cabe no Brasil de hoje”, opina.

Os empregos gerados por meio da terceirização também engrossam o discurso de Pastore e de outros defensores da prática. Observando a situação por este aspecto, Cordeiro ressalta que se trata de um detalhe importante, mas que é preciso cuidado. “No Brasil, a geração de empregos, notadamente na última década, contou com a criação de milhares de empresas prestadoras de serviços. Ainda que do ponto de vista econômico a terceirização ampla possa ser benéfica, a preocupação deve ser voltada para o respeito aos direitos dos trabalhadores. Não pode servir ao aviltamento da mão de obra, à redução de custos às expensas de salários e direitos”, salienta. 

Para Schmidt, no entanto, levando-se em conta o modelo adotado no país, as consequências de ampliar a terceirização não poderiam ser positivas. “A medida geraria sub-empregos ou, em resumo, degradaria o mercado de trabalho. A prática que bem conhecemos é a predatória, que fragiliza os direitos sociais e a própria concorrência, pois o que move esse tipo de contratação é uma razão exclusivamente econômica, de redução de custos”, afirma. 

Perguntado sobre as expectativas em relação ao julgamento no Supremo, Cordeiro lembra a necessidade de regulamentação para a terceirização. “O problema acabou sendo levado para que o STF conceda os parâmetros que a vida não deu. A Súmula 331 já vem cumprindo o seu papel, mormente para garantir ao trabalhador terceirizado o cumprimento das obrigações inobservadas pelo empregador. Todavia, como realmente não se tem claros os limites do legal e do ilegal, a matéria revestiu-se de uma repercussão geral que justifica a intervenção da corte. E a decisão que advier refletirá, obviamente, nos vários campos em que se insere o fenômeno, mais fortemente no econômico”, avalia.

Vagner Freitas discorda e considera a discussão no Judiciário um erro. “A regulamentação da terceirização deveria ser tratada no Parlamento. Isso [o julgamento no STF] é um exemplo claro da judicialização da política. Deveríamos fazer um debate nacional tripartite, entre empresários, trabalhadores e governo, no qual se falasse com seriedade sobre o tema. Seria o ideal para avaliarmos o que é melhor para os trabalhadores e para o Brasil”, acredita o dirigente da CUT. 

A matéria ainda não tem previsão de votação no STF. Até o fechamento desta edição, 12 entidades haviam enviados pedidos de ingresso como amicus curie na ação. 
 

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