03/08/2018 - 21:04

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A Ordem (é) dos Advogados do Brasil: Diretas Já para o Conselho Federal!

03/08/2018 - 21:04

A Ordem (é) dos Advogados do Brasil: Diretas Já para o Conselho Federal!

RODRIGO BRANDÃO*
 
O artigo 67 da Lei nº 8.906/94 prevê que os conselheiros federais elegerão, por voto secreto, a diretoria do Conselho Federal da OAB. Diante da clara contradição com a participação decisiva da OAB nas “Diretas Já”, foi submetida ao Conselho Federal proposta de plebiscito sobre a eleição direta, a qual foi rejeitada em 24 de dezembro de 2011. Em reação, o deputado Hugo Leal apresentou projeto de lei destinado a instituir a eleição direta.

Há, com efeito, razões históricas a suportar o Projeto de Lei nº 2.916/2011: sendo notório o papel da OAB na redemocratização do país, é claro que a eleição indireta configura um “incômodo paradoxo”, como notou Wadih Damous. Todavia, o artigo se destina a analisar fator menos debatido: a legitimidade constitucional da previsão legal da eleição direta.

Uma preliminar necessária consiste no exame da natureza jurídica da OAB. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.026, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que a OAB consiste em “serviço público independente”, eis que, embora exerça a fiscalização da advocacia, não possui personalidade jurídica de direito público e nem mesmo integra a Administração Pública, antes se qualificando como entidade civil que exerce munus público.

Tal assertiva gerou perplexidades, a ponto de se cogitar de postura planglossiana do STF em relação à OAB: refere-se a Pangloss, personagem da obra-prima Candide, na qual Voltaire, em crítica ao efusivo otimismo de Leibniz, satirizou a possibilidade de se obter “o melhor de dois mundos”. Assim, para que não se concedesse à Ordem as prerrogativas de direito público sem sujeitá-la às respectivas restrições, deveria ser reconhecida a sua natureza autárquica.

 Embora tentadora, esta conclusão apresenta um grave equívoco: considerar a OAB uma pessoa jurídica de direito público, a qual se vincularia à Administração Pública através da chamada “supervisão ministerial”. Ocorre que a OAB não é – e nem deve ser – um “braço do Estado”, mas entidade da sociedade civil, cuja independência em face do Poder Público, além de essencial para o desempenho adequado das suas funções institucionais, foi fruto de histórica resistência dos advogados brasileiros, e resta constitucionalmente protegida pela liberdade de associação.

Porém, são inegáveis as prerrogativas públicas da OAB, de modo que a sua completa sujeição ao direito privado seria infactível e ilegítima. Na verdade, a OAB se submete a regime jurídico híbrido, o qual, aliás, não lhe é peculiar, pois também se aplica aos partidos políticos e a outras associações que desempenham atividades de relevância pública, que, segundo o STF, devem observar os direitos fundamentais.

Mesmo nos EUA, onde a doutrina da state action preconiza a aplicação da Constituição apenas às entidades públicas, a Suprema Corte, a partir da chamada public function theory, estendeu tal regime a particulares encarregados de funções públicas. Amy Gutmann destaca que também são fatores para a maior sujeição de associações a normas de direito público: abrangência, adesão compulsória e destinação profissional e/ou econômica. Cuidando-se a OAB de associação de enorme abrangência, de adesão compulsória e fiscalizadora da advocacia, é evidente a sua sujeição a normas de direito público.

Na construção desse regime jurídico híbrido, compete ao legislador realizar uma ponderação proporcional entre a liberdade de associação e princípios constitucionais aplicáveis a funções públicas, com destaque à democracia. Ao estabelecer a eleição indireta, assim não se portou o legislador. A uma, pois, se decorre da liberdade de associação o poder de os associados escolherem as normas da associação, recente pesquisa do Ibope revelou que 84% dos advogados são favoráveis à eleição direta. A duas, pois o princípio democrático pressupõe o direito à igual participação dos constituents, afastando indivíduos de primeira e segunda classe. Pois é exatamente a isso que leva a eleição indireta, ao fazer prevalecer a vontade de 81 conselheiros federais – obtida por voto secreto! – sobre a vontade dos mais de 700 mil advogados brasileiros.

Assim, tanto a liberdade de associação quanto a democracia conduzem à eleição direta. Eventual aumento dos custos financeiros da campanha pode ser facilmente corrigido pela regulamentação do processo eleitoral, e, por certo, não consiste em razão suficiente para calar os advogados brasileiros. Se a Ordem pertence aos advogados do Brasil, e se a legitimidade da sua atuação se vincula à “responsividade” das decisões dos seus corpos dirigentes (accountability), urge a aprovação da eleição direta para a diretoria do seu Conselho Federal.  

* Professor-adjunto de Direito Constitucional da Uerj, doutor e mestre em Direito Público pela mesma universidade, professor do Curso Ceap e procurador do Município do Rio de Janeiro
 

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