26/06/2014 - 11:53

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Gestão de direitos autorais – Lei 12.853

26/06/2014 - 11:53

Gestão de direitos autorais – Lei 12.853

Intervenção estatal e violação de regras constitucionais

PEDRO PAULO SALLES CRISTOFARO*

 
Não é fácil arrecadar e distribuir direitos autorais pela execução pública de música. A multiplicidade de usuários (emissoras de TV, estações de rádio, bares, boates e outros estabelecimentos) e de titulares (compositores, intérpretes, músicos, produtores fonográficos e editores), espalhados pelo país, exige a adoção de um sistema de gestão coletiva que, ao mesmo tempo, assegure aos usuários segurança jurídica quanto à obtenção da licença para a difusão de cada obra executada e permita aos titulares fiscalizar a utilização de suas obras, conceder as licenças e cobrar os valores a que fazem jus.

No Brasil, a base do sistema de gestão coletiva é formada por associações de titulares de direitos autorais que agem como mandatárias de seus associados e se reúnem em uma “associação das associações”, o Ecad, responsável por centralizar arrecadação e distribuição.

Nesse sistema, os titulares de direitos autorais são os únicos senhores de seus direitos. São eles que escolhem a associação de que farão parte e, reunidos em assembleia, votam estatutos, elegem representantes, aprovam contas, definem as formas de licenciamento e cobrança.

Mas a eficiência desse sistema, que em 2013 distribuiu mais de R$ 800 milhões a 122 mil titulares de direitos, pode estar com os dias contados. Ao argumento de que as associações de titulares de direitos autorais exerceriam atividade de interesse público, a Lei 12.853/2013 promove forte intervenção estatal na gestão coletiva desses direitos, retirando dos titulares a autonomia e a liberdade que a Constituição lhes assegura. A nova lei confere um papel central ao Ministério da Cultura, ao qual caberá habilitar ou desabilitar (sem necessidade de ir a juízo) associações, aprovar estatutos, fiscalizar decisões, arbitrar conflitos, manter cadastro de obras e autores, com nome, endereço e CPF. Alguns titulares de direitos autorais (herdeiros, editores) terão cassado o direito de voto nas associações; a representação das associações no Ecad será desproporcional; informações privadas dos artistas se tornarão públicas. Um corpo de funcionários públicos e uma comissão de notáveis, escolhidos a dedo pela ministra da Cultura, se sobreporão à vontade de milhares de artistas representados por suas associações.

Inconformadas com essa lei, as associações de titulares de direitos autorais ajuizaram ações diretas de inconstitucionalidade, distribuídas ao ministro Luís Fux, em que apontam violação às regras constitucionais que garantem a liberdade de associação, o aproveitamento econômico dos direitos autorais por seus titulares, a propriedade privada e a privacidade – e estabelecem limites à intervenção do Estado no exercício de direitos de natureza privada. Caberá ao STF restabelecer a ordem constitucional e devolver aos artistas a liberdade na gestão de seus direitos.
 
*Advogado, representante do Ecad e das associações na ADI 5062/2013

Lei corrige bizarra situação da música brasileira

BRUNO LEWICKI*

 
A Lei da Gestão Coletiva é integralmente constitucional. Questionável, mesmo, é o cenário em que o ordenamento brasileiro encontrava-se até o ano passado, quando entraram em vigor as novas normas. Foram longos anos em que uma associação privada que recebeu verdadeiro monopólio do Estado viu-se completamente livre para ocupar, sem fiscalização, todo um setor econômico que o próprio STF já chamou de um “espaço público, ainda que não estatal”.

Durante esse período, a gestão coletiva no Brasil viu-se abandonada à “lei da selva” – como acusou, enfaticamente, ninguém menos que o professor José de Oliveira Ascensão. Foram necessárias cinco comissões parlamentares de inquérito, uma duríssima condenação do Cade, o engajamento dos maiores e mais representativos artistas da música brasileira e o trabalho de várias gestões do Ministério da Cultura para que, enfim, um projeto de lei de iniciativa do Legislativo sobre esse tema fosse aprovado, pela unanimidade do Congresso.

A Lei 12.853/2013, resultado desse monumental esforço, corrige a bizarra situação da música brasileira – único mercado importante do mundo em que a gestão coletiva operava sem fiscalização. Nosso país ficou tão para trás que pode ser dito, tranquilamente, que a nova lei chega inclusive a ser branda para os padrões atuais. Quem tiver dúvida pode consultar a recente – e bem mais rígida – Diretiva da Comunidade Europeia sobre o tema.

Mas as associações que vinham se beneficiando desse arcaico estado das coisas no Brasil contestaram seu novo enquadramento legal junto ao Supremo. Como bem definiu o procurador geral da República, em certeiro parecer entregue ao STF, elas “naturalmente pretendem manter a normatização atual, pois lhe é conveniente”. Se a reclamação era esperada, não deixa de surpreender a verdadeira metralhadora giratória que são as ações propostas: ataca-se, praticamente, toda a nova lei, incluindo até artigos que beneficiam as requerentes, como a estipulação de multas para usuários que soneguem informações.
 
Uma coisa, porém, é não gostar de uma lei – e natural a reação de quem passa a ter que prestar contas do que faz. Outra, bem diferente, é pretender que tais regras sofram de inconstitucionalidade, mais grave vício que pode atingir uma norma jurídica. Tratou-se, apenas, de válida opção legislativa: em função do grave quadro da gestão coletiva no Brasil, foi dada uma resposta à altura. 

Como bem disse o procurador-geral da República, “a Lei 12.853/2013 buscou aprimorar o sistema de arrecadação e distribuição dos direitos autorais, a fim de prevenir as numerosas distorções históricas que o sistema de gestão coletiva de direitos autorais tem enfrentado”. Sua conclusão é tão clara que não se imagina que o Supremo dela venha a discordar: “Não há ofensa à Constituição da República na lei”.
 
*Advogado, doutor em Direito Civil pela Uerj e membro da Comissão de Direito Autoral, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB/RJ

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