26/06/2014 - 11:51

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Projeto pode prolongar processo de adoção , alertam especialistas

26/06/2014 - 11:51

Projeto pode prolongar processo de adoção , alertam especialistas

Na contramão da tentativa de agilizar a adoção, uma proposta vem gerando polêmica: tramitando em caráter terminativo na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado Federal, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 379/2012, de autoria do senador Antonio Carlos Valadares (PSB/SE), visa a alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), incluindo em seu texto a obrigatoriedade de que um processo só comece depois de esgotadas todas as “tentativas de reinserção na família natural”. Segundo especialistas na área da infância, a modificação poderia complicar ainda mais o caminho de crianças em busca de uma nova família.

Observando que, dos cerca de 45 mil menores que vivem hoje em abrigos no país, somente 5.400 estão disponibilizados para adoção, a presidente da Comissão Nacional de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), Silvana Moreira, acredita que a redação do texto deixa em aberto um rol de interpretações para os juízes da área ao emitirem sentenças e que sua aprovação agravará a morosidade.“Como o verbo esgotar, que é vago, será interpretado por cada juízo? Se isso não for definido, o magistrado pode achar que os dois anos de espera estabelecidos pelo ECA podem ser postos em segundo plano para que se tente mais a reinserção”.

O senador nega que seu projeto possa dificultar o processo de adoção: “O tempo permanecerá o mesmo, uma vez que o texto não limita nem aumenta o período”. Segundo Valadares, a intenção é cobrir o que considera uma lacuna deixada pela Lei 12.010/2009, que prevê a necessidade de consentimento dos pais ou dos representantes legais para que a adoção ocorra. “Identificamos uma questão não tratada nesta norma, que consiste na omissão relativa às tentativas de reinserção do menor na sua família original. Trata-se de alteração simples, porém substantiva, que não prejudica os potenciais adotandos, ao passo que oferece uma oportunidade de preservação dos laços familiares originais, cuja importância não pode ser subestimada”.

A subcoordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias da Infância e Juventude, Daniela Moreira Vasconcelos, discorda do senador. Segundo ela, não são mais necessárias alterações legislativas para a melhora no processo de adoção. “Não precisamos modificar a lei, e sim saber aplicá-la”.

A promotora afirma que hoje já são cumpridas as tentativas de reinserção. “Esse trabalho é feito. Quando detectados maus tratos, por exemplo, se a família ainda tem vínculos com essa criança e quer continuar com ela, pode passar por um processo de preparação para recebê-la de volta, com um acompanhamento psicológico solicitado pela Justiça. Agora, os problemas que encontramos nesse procedimento são de infraestrutura para o suporte dessa família que quer se adequar. E isso se trata com investimento publico, não com alteração de lei”.

Silvana Moreira critica o que considera uma “prioridade absoluta” dada à família de sangue por parte do Judiciário: “Boa parte dos juízes, do Ministério Público, da Defensoria Pública e até dos advogados dá à família biológica, e não à criança, a prioridade absoluta. Ela é tratada como um objeto da família de sangue, que pode ser doada e recuperada posteriormente”.

Daniela Vasconcelos também não concorda com a predominância absoluta dos laços biológicos, como defende o senador. “Pode acontecer de uma tia, por exemplo, que nunca viu aquela criança ou com quem não tem vínculo afetivo, acabar ficando com ela por se sentir pressionada. Mas essa pessoa não terá um compromisso de fato com o menor. Nesse caso, é muito mais válido passar esses cuidados a uma família já habilitada a receber um filho”.

Já a advogada Tânia da Silva Pereira acredita que nada mudará na prática, caso o projeto seja aprovado. “O que eu vejo nesse texto é a releitura pura e simples do que já existe na lei, o projeto mantém quase idêntico o artigo 39 do ECA, incluindo apenas a prioridade de reinserção da criança e do adolescente na família natural ou extensa”.

Para ela, a proposta vai ao encontro de procedimentos já exercidos. “Temos hoje as audiências concentradas, introduzidas pela Lei 12.010/2009, que buscam a aproximação, pelo Judiciário, dos familiares daqueles que estão sob regime de acolhimento institucional, como uma forma de convocá-los a assumir os filhos abrigados. A esses encontros, também comparecem representantes da comunidade e das secretarias municipais para ajudar os pais ou responsáveis em suas necessidades básicas de saúde, habitação, escola etc.”.

Porém, Tânia questiona a prioridade dada aos laços de sangue: “Por que tanto empenho em manter as crianças no núcleo familiar, tirando muitas vezes a oportunidade de serem adotadas? Entregar um filho para adoção também é um ato de amor. É preciso desmitificar essa excepcionalidade da adoção, afastar a idéia de que constitui uma família de segunda classe. Mas, infelizmente, a legislação acompanha essa cultura, na medida em que a assume como uma excepcionalidade”.

A psicóloga especialista na área jurídica Solange Diuana reforça: “Não me cabe defender pais biológicos ou adotivos, mas muitas vezes a mãe biológica contesta a adoção de seu filho não por vontade própria, e sim por culpa”. Segundo ela, o tempo que uma criança passa em um abrigo é extremamente prejudicial ao seu desenvolvimento: “Burocratizando ainda mais esse processo, aumentam os riscos de a criança crescer sem família, pois vão perdendo oportunidades de adoção na medida em que ficam mais velhas”.
 
Buscando mais uma ferramenta contra a demora dos procedimentos, o Ministério Público do Rio criou há poucos meses um grupo para ajudar a sociedade civil a identificar crianças disponíveis para adoção por decisão judicial. “Passamos para entidades especializadas a listagem de menores que ainda não encontraram candidatos interessados em adotá-los”, explica a promotora Daniela Vasconcelos, que integra o núcleo.

Tanto ela quanto Silvana destacam, porém, que o trabalho exercido pelos grupos de adoção e pelas entidades não é suficiente para mudar a perspectiva atual e agilizar a colocação das crianças em seus novos lares. Para ambas, o cumprimento das recomendações da Resolução 36 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é essencial para isso.

“Não adianta alterar a lei se quem vai interpretá-la continuar sendo reacionário e preconceituoso. É imprescindível o aperfeiçoamento dos magistrados e das equipes, questão cobrada no documento do CNJ. O Direito da Infância é uma matéria interdisciplinar, na qual é preciso muita noção de psicologia e serviço social. Sem essas pontes de conhecimento nenhum juiz vai conseguir dar uma sentença fundamentada”, conclui a representante do Ibdfam.
 

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