26/06/2014 - 11:48

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Uma nova família ao alcance?

26/06/2014 - 11:48

Uma nova família ao alcance?

Para combater morosidade nos processos de adoção e destituição do poder familiar, CNJ baixou provimento com recomendações aos tribunais quanto à estrutura das varas da infância e juventude e à fiscalização das corregedorias locais. Na esteira, especialistas debatem se projeto de lei que corre no Senado pode prolongar espera por um novo lar

RENATA LOBACK E CÁSSIA BITTAR


Aos dois anos de idade, um menino foi retirado de seus pais biológicos pela Justiça e inserido em um lar de adotantes. Os pais, desde então, buscam a retomada do poder familiar. A espera já dura oito anos e o Judiciário ainda não decidiu em definitivo com quem deve ficar a criança. “Lembranças afetivas dos pais biológicos não há mais”, relata a advogada Luciana Rocha, que cuida do caso na Vara de Infância e Juventude do Rio de Janeiro. “Como retirar, então, este menor da sua família adotiva e reintegrá-la a seu lar biológico?”, questiona.

Situações como esta, em que, apesar da urgência, há morosidade, estão com os dias contados nas varas de Infância e Juventude do país, caso seja cumprido o Provimento 36 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicado no dia 29 de abril. Considerando a demora excessiva na tramitação de muitos processos que tratam de adoção ou destituição do poder familiar, e as consequências negativas dessa lentidão em casos de reversão dos laços afetivos, o CNJ recomendou uma série de medidas aos tribunais para que se respeite a prioridade absoluta (artigo 227 da Constituição Federal) nos casos envolvendo menores.

Pelo provimento, as corregedorias serão obrigadas a investigar, disciplinarmente, os magistrados que, de forma injustificável, tiverem sob sua condução ações de adoção ou destituição familiar tramitando há mais de 12 meses sem prolação de sentença.

O documento prevê ainda, no prazo de 90 dias, a apresentação de estudos que possibilitem a transformação das varas de Infância e Juventude em serventias de competência exclusiva – nas comarcas com mais de cem mil habitantes – e que os tribunais expliquem os motivos da não instalação das varas deste tema já criadas por lei. Três meses também é o prazo para a análise da estruturação das equipes multidisciplinares, compostas por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos.

“Após esta fase de apresentação de relatórios, o CNJ deve estipular um novo período para a adequação das serventias. Hoje, está muito complicado trabalhar com esta matéria. Faltam profissionais técnicos nas varas e o número de serventias no estado é insuficiente para a demanda. Na capital, por exemplo, são apenas três e todas acumulam infância com as questões dos idosos”, conta Luciana.

Na opinião da juíza titular na 1ª Vara Regional de Infância, Juventude e Idoso (Madureira), Mônica Labuta, o Rio de Janeiro não cumpre praticamente nada do que está previsto no provimento do CNJ. Mesmo antes de o conselho determinar, lembrou a magistrada, a própria legislação já previa a impossibilidade de competência mista nas varas de Infância.

“O artigo 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é taxativo ao impossibilitar mistura de competências nessas varas. Mas no Rio isso não é respeitado. Em Queimados, por exemplo, em que há mais de 250 mil moradores, a Vara de Infância é junto com a de Idosos e a de Família”, relata a juíza.
 
“Tanto infância quanto idosos são prioridades, precisam de celeridade, e priorizar prioridade, além de inconsequente, é controverso”, afirma a integrante da Comissão de Direito de Família da OAB/RJ e especialista no tema Tânia da Silva Pereira, referindo-se à acumulação das pautas de crianças com as de terceira idade. Dos processos que tramitam na Vara Regional de Madureira, 30% versam sobre o Estatuto do Idoso. De acordo com a juíza Mônica Labuta, isto significa que tanto ela como sua equipe técnica dividem-se para dar conta da rapidez exigida por ambas as questões. “Mas é difícil estabelecer uma linha de prioridades quando tudo que se trata é urgente”, indaga.

“Muito da carência que tenho em minha equipe técnica guarda relação direta com a falta de competência exclusiva. Em 2006, quando o TJ colocou as pautas de terceira idade na serventia, não houve aumento no número de técnicos e nem mesmo treinamento específico para que eles pudessem lidar com as questões dos idosos”, reclama Labuta.

Segundo a magistrada, os processos ficam paralisados pela falta de laudos técnicos, sem os quais é impossível dar a sentença. Na Vara Regional de Madureira há apenas quatro assistentes sociais, cinco psicólogos e quatro comissários de infância. Cada um fica responsável por uma média de 400 mil habitantes.

“É impossível esperar celeridade deles. Acho que tínhamos que ter no mínimo 15 técnicos de cada área, respeitando a média de um para cada cem mil habitantes. Esses profissionais são responsáveis por muitas atividades dentro das varas de Infância e Juventude. Além da preparação dos laudos, são eles que fazem as visitas diurnas e noturnas nas casas das famílias, os cursos de habilitação de adotantes, a averiguação de denúncias, e as vistorias em festas e casas noturnas”, exemplifica a juíza.

Outro item apontado pela magistrada como causa de atrasos no andamento processual é a falta de juiz tabelar, principalmente nos meses de audiências concentradas nos abrigos. “Reservamos os meses de abril e outubro para a realização das audiências nesses locais, mas o TJ não envia nenhum magistrado substituto para que o andamento na serventia seja mantido. Ou eu faço audiência no abrigo, ou despacho as emergências, ou dou andamento aos processos entrantes. É impossível fazer tudo ao mesmo tempo. Um juiz tabelar é fundamental para resolver as emergências nesses períodos”, observa.
 
O Provimento 36 do CNJ estabelece que, quando da realização de audiências concentradas, devem ser promovidos mutirões de magistrados e equipes multidisciplinares para possibilitar a revisão criteriosa de todos os casos nas comarcas com excessivo número de infantes acolhidos.

Na opinião da juíza responsável pela 1ª Vara Regional da Infância, a única parte do provimento que deveria ter sido elaborada de forma diferente é a dos prazos para cumprimento das perdas de poder familiar e adoção. Segundo Labuta, mesmo que as varas já estivessem adequadamente organizadas, seria difícil cumprir a meta estabelecida. “Já sem a estrutura técnica e física, é praticamente impossível”, diz.
 
“Cinquenta por cento dos processos de perda do poder familiar no Rio de Janeiro são por causa de drogadição. Este é um problema que dificilmente se resolve num prazo de 120 dias. Se a mãe se prontifica a fazer uma internação voluntária numa clínica, eu tenho que aguardar o andamento deste tratamento. Neste período o processo fica paralisado à espera de resultados. Sem falar que é complicado o CNJ estabelecer metas, quando a estrutura das varas de Infância e Juventude ainda não foi melhorada”, pondera.
 
Na capital há apenas três serventias especializadas em crianças e adolescentes e uma única para julgar casos de menores infratores. A 1ª Vara da Infância, Juventude e Idoso, localizada na Praça Onze, tem em seu acervo mais de 20 mil processos e abrange uma área de quatro milhões de habitantes. A Vara Regional de Madureira cuida de um milhão e meio de pessoas e está atualmente com seis mil processos. A 2ª Vara Regional da Infância, Juventude e Idoso de Campo Grande é responsável por dois milhões de habitantes e possui seis mil processos.
 
A expansão de varas de Infância e Juventude foi apresentada pelo presidente da OAB de Madureira/Jacarepaguá, Remi Martins, como uma solução para diminuir o acúmulo atual. “Uma saída para a serventia de Madureira seria a instalação, por exemplo, de uma vara no Fórum da Taquara”, sugere Martins.
 
Apesar de o CNJ estipular prazo de 90 dias para a apresentação do estudo técnico de adequação às normas, a única notificação enviada pelo Tribunal de Justiça (TJ) à 1ª Vara Regional de Madureira foi referente à avaliação do quantitativo de processos tramitando há mais de um ano. “Vamos ressaltar que o TJ ainda está dentro do prazo estabelecido pelo CNJ, mas o estudo começou pela cobrança, em vez de priorizar a estruturação”, lamenta a magistrada responsável pela serventia.
 
“Num universo de denúncias de abusos, maus tratos e questões envolvendo idosos, cuja pressa é fundamental, os processos referentes à habilitação de adoção acabam sendo preteridos. Os interessados são extremamente prejudicados porque infelizmente ficam no final da fila de prioridades. Há muita reclamação neste sentido, e uma espera que muitas vezes ultrapassa um ano, mas é uma situação delicada. A lei exige uma visita domiciliar, curso preparatório com laudos psicológico e social e apresentação de documentação extensa. O que os candidatos não entendem é que toda esta avaliação é feita por uma equipe pequena, que ainda acumula diversas funções urgentes”, explica Labuta.
 
No entanto, a juíza aponta o prazo médio de acolhimento no estado como um dos melhores do país. Hoje, de acordo com pesquisa do Ministério Público, a média de permanência de um menor em um abrigo tem sido de seis meses, tempo inferior até mesmo ao prazo de dois anos determinado pela legislação.
 
Na capital, as audiências concentradas contam com a presença das secretarias de Habitação, Educação, Assistência social, Saúde mental e Trabalho, exatamente para viabilização das condições de reinserção da criança na família.

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