03/08/2018 - 21:01

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Entrevista - Carlos Nelson Coutinho

03/08/2018 - 21:01

Entrevista - Carlos Nelson Coutinho

'Revelações do WikiLeaks têm inegável papel positivo'

Autor do célebre ensaio A democracia como valor universal e estudioso da questão da liberdade na Era Moderna, o filósofo Carlos Nelson Coutinho acredita que o vazamento de informações no site WikiLeaks é positivo por possibilitar mais transparência quanto às ações do poder público. "A transparência é condição fundamental para que governados possam controlar a ação dos governantes", afirma ele, que concedeu a seguinte entrevista à TRIBUNA.

Marcelo Moutinho


O vazamento, pelo WikiLeaks, de documentos confidenciais de diversos países tem provocado polêmica, inclusive há a proposta de censura do site. A liberdade de imprensa não vale para o WikiLeaks?

Carlos Nelson - Sim, certamente vale. Mas é preciso qualificar o conceito de liberdade de imprensa, hoje tão lembrado no Brasil. Na Europa (e até nos Estados Unidos), existe uma pluralidade de órgãos de imprensa, o que permite que se manifestem os pontos de vista de diferentes correntes de opinião e mesmo de diferentes partidos. Isso ocorre até mesmo em alguns países da América Latina, como a Argentina e a Venezuela. No Brasil, ao contrário, temos uma imprensa altamente monopolizada, em mãos de três ou quatro famílias. Isso faz com que, em nossos meios de comunicação de massa, tenha lugar um claro domínio do chamado "pensamento único". Nos Estados Unidos e na Europa, os jornais explicitam seu apoio a este ou aquele candidato, a este ou aquele partido. O mesmo não ocorre no Brasil. Nas últimas eleições presidenciais, por exemplo, toda a grande imprensa apoiou, de modo explícito ou (o que é pior!) implícito, uma das candidaturas. Então, a meu ver, há que se criar condições para que reine um efetivo pluralismo na nossa imprensa, que expresse o pluralismo existente em nossa sociedade. Sem isso, não há real liberdade de imprensa.


Com a popularização da internet, o controle da informação é cada vez mais difícil. Essa "desregulamentação" é boa para a democracia? Ou pode afetá-la negativamente?

Carlos Nelson - A internet é um meio e, como todo meio, pode abrigar diferentes conteúdos. Pode haver um site que defenda valores humanistas e democráticos e pode haver outro que defenda posições racistas ou fascistas. E é o que efetivamente ocorre. De qualquer modo, o capital mínimo para criar um site é infinitamente menor do aquele necessário para criar um grande jornal ou uma rede de televisão. Neste sentido, a internet é certamente mais democrática do que a grande mídia. Há até a ideia de que ela possa recuperar elementos de democracia direta, que corrijam os limites da democracia parlamentar ou representativa. Alguém certa vez propôs que todas as decisões do governo fossem submetidas a votação pela internet; seria um modo de criar algo análogo ao que era a assembleia popular na democracia ateniense. Mas um outro lembrou o seguinte: quem colocaria as questões para decisão? Se todos os usuários da internet fizessem isso, é evidente que o sistema não funcionaria. E sabemos que quem põe as perguntas condiciona as respostas. Então, sem negar o papel da internet, é preciso pensar em formas institucionais capazes de assegurar um espaço efetivo para a democracia participativa.


Deve haver algum controle sobre as informações que circulam pela internet? Como isso seria possível?

Carlos Nelson - Sim, deve haver algum controle. Não se pode permitir que circulem pela internet, por exemplo, incitamentos à pedofilia, ao racismo ou à discriminação em geral. A tolerância é um valor básico da democracia, mas não é democrático tolerar quem prega a intolerância como princípio. Do ponto de vista prático, não sendo um especialista em computação, não sei como poderia se exercer este controle.


Críticos do WikiLeaks afirmam, baseados na distinção entre "interesse público" e "curiosidade pública", que o site é "o avesso do jornalismo". Como o senhor vê essa crítica? O que deve ser "confidencial" em termos de poder público?

Carlos Nelson - Se não houver curiosidade, não haverá conhecimento. E, sem conhecimento, como estabelecer racionalmente qual é o "interesse público"? O ideal é que nada seja confidencial nas ações do poder público. A transparência é um valor democrático, já que é condição para que os governados possam controlar a ação dos governantes. Mas, como este ideal não se realiza na prática (pelo menos enquanto houver estados nacionais com interesses conflitantes), uma postura realista é aquela de pedir o máximo de transparência possível. Neste sentido, as revelações do WikiLeaks têm um inegável papel positivo.


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