03/08/2018 - 21:01

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Ponto contra ponto - extradição de Cesare Battisti

03/08/2018 - 21:01

Ponto contra ponto - extradição de Cesare Battisti

Ponto contra ponto - Extradição de Cesare Battisti


Questão política e ilícito internacional

Carolina Cardoso Guimarães *

Com base em parecer da AGU, o presidente Lula eximiu-se de executar a extradição de Cesare Battisti, mesmo ante o deferimento do pedido pelo STF. Buscando manter Battisti no Brasil e pretendendo que esse ato não caracterize violação do tratado de extradição Brasil-Itália, o parecer afirma a discricionariedade do presidente para não entregar o extraditando ao país requerente.

Assim, o Executivo desejou construir com seus juristas e diplomatas “o melhor dos mundos”: não entregar Battisti e, ao mesmo tempo, conseguir que esse ato não seja considerado um ilícito internacional.

Todavia, esse “mundo perfeito” é, a rigor, juridicamente impossível. Apesar de a extradição constituir um ato diplomático de competência do chefe do Executivo, havendo um tratado de extradição e decisão do STF no sentido de que a entrega se impõe nos termos desse tratado não cabe outra atitude ao presidente que executar a extradição, cumprindo o acordo.

Portanto, ao presidente cabe criar a obrigação de extraditar, seja firmando um tratado para ser aplicado a hipóteses de extradição que surgirem entre os signatários, seja aceitando uma promessa de reciprocidade feita pelo Estado que solicita a extradição sem prévio tratado. Uma vez criada a obrigação e solicitada a extradição, deve o Executivo remeter o pedido ao STF para que sejam analisadas as condições estabelecidas no tratado, de modo a se constatar a presença ou ausência dos requisitos convencionados (art. 102, I, g).

No caso Battisti, a Corte examinou, no exercício de sua competência constitucional, todos os requisitos do tratado, inclusive os casos em que a extradição deve ser recusada – tratar-se ou não de crime político e a existência ou não de razões para supor que o extraditando poderá ter sua situação agravada por atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal –, concluindo que tais requisitos estão presentes. E não há qualquer dispositivo no ordenamento jurídico brasileiro que atribua ao presidente a qualidade de órgão revisor das decisões do Supremo.

Não extraditar Battisti é, na realidade, praticar um ilícito internacional por violação de tratado vigente, o que gera consequências de Direito Internacional. Há de se assumir os efeitos desse ato político, deixando- se de lado vazias escusas jurídicas.

* Professora de Direito Constitucional no Uniceub, mestre em Ciências Jurídico-Internacionais pela Universidade de Lisboa, doutoranda em Direito do Estado na USP, autora de A relação extradicional no Direito brasileiro (Editora Del Rey) e advogada do DEM na ADI 4538, na qual se impugna o parecer da AGU no caso Battisti

 

Terrorismo verbal cuja vítima é a verdade

Luís Roberto Barroso*

Não é surpresa que, na guerra movida contra Cesare Battisti, a verdade seja a vítima. A inverdade mais repetida é a de que seria terrorista. Ele jamais foi acusado por terrorismo. O uso da palavra tem fins propagandísticos, revela falta de serenidade e ânimo persecutório.

A história, que raramente chega ao público, é a seguinte. Entre 1976 e 1979, Battisti foi membro da organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), que se opunha ao poder da máfia nas instituições italianas e à aliança entre partido comunista e democracia cristã. Nesse contexto, o grupo envolveu-se em ações subversivas, com quatro mortes. Em 1979, foi desbaratado e teve seus membros julgados. Battisti não foi acusado de qualquer dos homicídios, sendo condenado só pelo delito político de subversão.

Dois anos depois, fugiu da prisão, com a ajuda de um dos líderes do PAC: Pietro Mutti. Refugiou-se no México e depois na França, onde foi abrigado pelo governo Mitterrand. Quando Battisti já se encontrava em segurança, Mutti foi preso. Acusado de participação nos homicídios, transferiu a culpa para Battisti, em delação premiada. A acusação foi “confirmada” por quatro dos condenados por homicídio no julgamento em que Battisti nem fora acusado. Não houve testemunhas, prova pericial ou arma encontrada. Só a delação dos acusados. Diante disso, Battisti foi julgado novamente, à revelia, e condenado à prisão perpétua. Os “advogados” que o defenderam no segundo julgamento se utilizaram de procurações falsas, segundo perícia feita na França. Hoje, os delatores premiados estão soltos e só ele ainda é perseguido.

Battisti é inocente. Embora não tenha se tornado uma ditadura, em muitos momentos a Itália não assegurou o devido processo legal aos adversários do regime. Foi um período de exceção, com prisões preventivas de mais de três anos e violência nos presídios. Por isso o governo brasileiro o acolheu. E dois procuradores-gerais da República manifestaram-se pela validade do refúgio e extinção do processo. O STF, por cinco votos a quatro, anulou o refúgio concedido pelo ministro da Justiça, com a chancela do presidente, e autorizou a extradição. Também por cinco a quatro, o Supremo entendeu que a decisão final é do presidente da República.

Há várias possibilidades de não entrega compatíveis com o tratado de extradição entre Brasil e Itália. E cabe ao presidente da República, soberanamente, a decisão final. Mas não deve passar despercebido que a insistência em chamar Battisti de terrorista é artifício de quem não tem a verdade nem a história do seu lado. Precisa da retórica.

* Professor titular de Direito Constitucional da Uerj e advogado de Cesare Battisti no Supremo Tribunal Federal Terrorismo verbal cuja vítima é a verdade


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