03/08/2018 - 21:01

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A Resolução 1957/2010 do CFM

03/08/2018 - 21:01

A Resolução 1957/2010 do CFM

A Resolução 1957/2010 do CFM


Reflexões sobre a regulamentação da reprodução assistida

* José Luiz B. Pimenta Jr. e Bernardo Campinho

O Conselho Federal de Medicina (CFM), revogando a Resolução 1358/1992, editou em 15/12/2010 a Resolução 1957/2010 (publicada no DO de 6/01/2011), que estabelece um novo regramento para o emprego das técnicas de reprodução assistida (RA). Em que pesem os limites jurídicos desta resolução, cujo alcance se direciona para a prática médica e que considera questões éticas, o avanço tecnológico e o atual estágio das relações sociais e afetivas, sua aplicação vem preencher um vazio legal, pois não há lei específica que discipline o tema.

A reprodução assistida consiste no conjunto de técnicas que favorecem a fecundação humana, a partir da manipulação de gametas e embriões, objetivando principalmente combater a infertilidade e propiciando o nascimento de uma nova vida humana (Gustavo Ribeiro, Breves comentários sobre aspectos destacados da reprodução humana assistida, 2001, p. 286). Fecundação é o processo biológico constituído por uma seqûencia de eventos que começa com a união do gameta masculino ao gameta feminino e termina com a fusão dos núcleos destes dois gametas humanos e a mistura de seus cromossomos, formando uma nova célula, denominada embrião (Keith Moore apud op.cit, p. 286).

Esclareça-se, ainda, que a reprodução assistida envolve a possibilidade de recurso a diversas técnicas, sendo as principais: a) inseminação artificial intrauterina; b) fecundação in vitro convencional; c) fertilização in vitro com injeção intracitoplasmática. Os procedimentos de reprodução assistida podem ser classificados como (i) homólogos, quando o material genético pertence ao próprio casal, podendo o encontro ser feito diretamente, ou a fecundação ser realizada em laboratório; ou (ii) heterólogos, quando um dos gametas utilizados provém de um doador estranho ao casal.

As técnicas de RA têm o papel de auxiliar na solução de problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação quando outras técnicas terapêuticas tenham se revelado ineficazes ou inapropriadas, assegurando os direitos ao planejamento familiar previsto na Constituição (art. 226, § 7º), ao livre desenvolvimento da personalidade e à liberdade de vida familiar.

Importantes questões de ética médica e de bioética são tratadas na Resolução 1957/2010, como a exigência do consentimento informado (obrigatório a todos os pacientes submetidos às técnicas de RA, inclusive aos doadores); a vedação da aplicação de técnicas com a intenção de selecionar o sexo (sexagem) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto se para evitar doenças ligadas ao sexo do mesmo; a proibição de caráter lucrativo ou comercial de qualquer doação de gametas; a obrigatoriedade do sigilo médico sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores, como regra.

Dada a complexidade do tema, a Resolução 1957/ 2010 não pode ser tida como fonte absoluta, sendo indispensável a aprovação dos projetos de lei há anos em tramitação. Ademais, sua aplicação deve se coadunar com o disposto na Constituição brasileira – particularmente os direitos fundamentais e as previsões sobre saúde e família –, respeitar o Código Civil e, ainda, a legislação infraconstitucional sobre saúde. Isso porque tal Resolução diz respeito a normas deontológicas voltadas para a prática médica, mas traz também disposições relativas aos direitos dos usuários das técnicas de reprodução assistida.

Com efeito, a dita resolução não destoa da referência feita pelo Código Civil quanto às técnicas de RA, conforme incisos III a V do artigo 1.597, que tratam da filiação decorrente de fecundação artificial, inclusive post mortem, presumindo-se como filhos os concebidos na constância do casamento, ainda que haja controvérsia sobre os efeitos da reprodução assistida post mortem em matéria de Direito Sucessório.

Ademais, a presente resolução, complementada pela regulação sanitária já existente, poderá aprimorar o funcionamento de clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de reprodução assistida.

Dados estes primeiros passos, espera-se que após quase 20 anos da primeira iniciativa normativa do CFM, prossiga-se na busca de uma legislação específica que contemple amplo debate entre todos os sujeitos que integram as relações jurídicas da reprodução assistida.

* Advogados e membros da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ


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