03/08/2018 - 20:59

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Um modelo para o pré-sal

03/08/2018 - 20:59

Um modelo para o pré-sal

Um modelo para o pré-sal

 

Marcelo Mello*

 

Desde sua descoberta, no Século XIX, a importância estratégica crescente do petróleo para a sociedade mundial tem sido causa de calorosas discussões e até mesmo de conflitos geopolíticos. O reconhecimento da soberania dos países sobre a propriedade e utilização racional dos seus recursos naturais, os processos cíclicos de estatizações e privatizações, o aquecimento global e a sustentabilidade do meio ambiente, o desenvolvimento e proteção dos direitos humanos são apenas alguns dos temas mais relevantes.

 

Assim é que a proposta de adoção dos chamados contratos de partilha de produção, no regime jurídico contratual brasileiro, hoje em tramitação no Congresso Nacional, não poderia escapar da análise crítica da sociedade em geral. O debate atual, que divide especialistas de diversas áreas, concentra-se na discussão sobre os critérios de rateio dos royalties entre os estados produtores e não-produtores; na necessidade da criação da nova empresa pública (a Petro-Sal) e a eventual superposição de suas atribuições com outros órgãos governamentais; e na outorga, sem licitação para a Petrobras de áreas no pré-sal, bem como sua designação como operadora única.

 

O contrato de partilha de produção, conhecido internacionalmente pela sigla PSA - Production Sharing Agreements -, é adotado por diversos países, alguns dos quais importantes produtores de hidrocarbonetos, tais como Angola, Nigéria e Indonésia. É uma modalidade usual para as empresas petrolíferas, autoridades governamentais, especialistas e entidades que integram a chamada "indústria do petróleo".

 

O PSA é celebrado entre a empresa estatal de um país e as empresas petrolíferas investidoras, que assumirão, a seu custo e risco exclusivos, a execução das obrigações técnicas e aportarão os investimentos e recursos necessários para explorar e produzir, em caso de sucesso, petróleo e gás natural. Em troca, recebem parte do petróleo produzido, a título de reembolso parcial pelos seus custos incorridos na fase de exploração, que resultaram em descobrimento comercial de petróleo e/ou gás natural (o chamado "óleo de custo" ou cost oil, no jargão internacional).

 

O restante da produção do petróleo e/ou gás natural (ou seja, após a dedução do "óleo de custo" e as quantidades de petróleo que são eventualmente utilizadas na própria operação) será rateado ou "partilhado", em condições a serem determinadas contratualmente e por lei, com a empresa estatal do país dententor das reservas petrolíferas (o chamado "óleo do lucro" ou profit oil).

 

No entanto, há ainda dúvidas cruciais para a implantação do modelo. Indaga-se, por exemplo, quais as regras jurídico-contábeis que definirão os critérios e parâmetros técnicos do "óleo de custo", que se deduz da produção total e gera o chamado "óleo do lucro".

 

Como a legislação tributária e as normas contábeis nacionais tratarão a depreciação de ativos no novo regime? Como se dará o compartilhamento dos ativos operacionais existentes entre uma área sob o regime contratual da concessão e outra área que esteja sob o novo regime de partilha de produção, pois há efeitos diretos na incidência e cálculo de tributos?

 

Como gestora dos direitos de exploração e produção de titularidade da União Federal no novo regime, a Petro-Sal, apesar de não ser responsável pelos riscos financeiros e operacionais, deverá integrar o consórcio e participará do processo decisório, com a prerrogativa do direito de veto. Portanto, ao lado da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que será responsável pela preparação e execução dos leilões, a Petro-Sal desempenhará atribuições fundamentais no novo regime.

 

Todavia, entendo que a União e a Petro-Sal deveriam firmar um acordo de gestão, fixando contratualmente metas de governança, visando a acompanhar o seu desempenho técnico-operacional e sua gestão administrativa e financeira, já que a empresa administrará um bem público, de interesse estratégico, para a União Federal e a sociedade.

 

Os tópicos acima são apenas alguns exemplos de situações que demonstram o quanto ainda necessitamos trabalhar para a criação um modelo jurídico-contratual de partilha  que contemple as necessidades e os objetivos estratégicos do país e que, por outro lado, seja estável e alinhado com as melhores práticas da indústria, especialmente num momento em que se busca consolidar a liderança do Brasil no cenário mundial.

 

* Presidente da Comissão de Petróleo e Derivados da OAB/RJ

 


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