03/08/2018 - 21:00

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A inconstitucionalidade do modelo de monitoramento eletrônico de presos adotado pelo Brasil

03/08/2018 - 21:00

A inconstitucionalidade do modelo de monitoramento eletrônico de presos adotado pelo Brasil

A inconstitucionalidade do modelo de monitoramento eletrônico de presos adotado pelo Brasil


Felipe Caldeira*


São duas as diretrizes a serem observadas pelos poderes estatais quando da execução de uma pena: (i) não podem ignorar os avanços tecnológicos; e (ii) devem ter por meta a preservação dos direitos fundamentais. Neste sentido, o monitoramento eletrônico de presos, visto como substitutivo da prisão, tanto na fase pré-processual como na processual, funcionará como um importante instrumento de promoção de tais valores constitucional e legal, bem como permitirá o primeiro passo à inserção das novas tecnologias ao Direito Penal.

Os modelos adotados pelos diversos ordenamentos jurídicos (Estados Unidos, Inglaterra, Suécia, França) nos quais o monitoramento eletrônico de presos se aplica, por exemplo, na fase pré-processual como substitutivo da prisão provisória, caso adotado pelo Brasil, estariam em perfeita harmonia com a Constituição de 1988 porque funcionariam como um substituto à prisão, ensejando a promoção da dignidade da pessoa humana ao afastar o acusado do cárcere e aproximá-lo da sociedade. Entretanto, não foi este o modelo adotado pelo país.

Procurando equacionar tais diretrizes, o Poder Legislativo editou a Lei nº 12.258/10 e inseriu na ordem jurídica brasileira o monitoramento eletrônico de “presos” – na verdade, de “soltos”, daí ser correta a designação de monitoramento eletrônico de “condenados” e não de “presos” – quando, por determinação do magistrado (artigo 122, parágrafo único, da Lei de Execuções Penais - LEP), se dará em duas hipóteses: (i) o condenado for beneficiado pela saída temporária no regime semiaberto (artigo 146-B, inciso II, da LEP); ou quando (ii) o condenado estiver sob regime domiciliar (artigo 146-B, inciso IV, da LEP). Sua aplicação será, portanto, restrita à fase processual-executiva, ao contrário da grande maioria das ordens jurídico-penais estrangeiras que aplicam o sistema na fase pré-processual e processual-cognitiva.

A conclusão lógica e necessária é a de que o modelo adotado pelo Brasil não funciona como substitutivo da prisão porque será aplicado em duas hipóteses nas quais não existe o encarceramento, razão pela qual se trata de um verdadeiro monitoramento de “soltos”, e não de “presos”. O seu efeito utilitarista implicará, inclusive, a perda de todas as vantagens da utilização desta nova tecnologia, ensejando, por outro lado, o aumento do custo com a execução penal do condenado a ser submetido a este tipo de monitoramento porque não se trata de um instrumento alternativo e sim cumulativo (artigo 122, parágrafo único, da LEP).

Deixando de lado este argumento, sob o ponto de vista legal e constitucional, o problema se torna ainda mais grave.


A finalidade da execução penal encontra embasamento constitucional no princípio (na verdade, um postulado-normativo afirmativo) da dignidade da pessoa humana. Com efeito, toda e qualquer alteração na Lei nº 7.210/84 deve guardar conformidade com esta afirmação. Ocorre que a Lei nº 12.258/10, no modelo adotado, não encontra harmonia constitucional porque (i) não irá impulsionar a promoção da ressocialização do condenado, senão funcionar como mais um instrumento de seu monitoramento e controle; e ,(ii) consequentemente, não densificará o princípio da dignidade da pessoa humana, eis que perderá o sentido de substituição da prisão.


Diante de tais argumentos, resta ao intérprete, objetivando preservar a norma jurídica, realizar a sua conformação constitucional, sob pena de seu afastamento da ordem jurídica. Nesta ordem de ideias e pelos argumentos já expostos, não parece haver interpretação possível à preservação das alterações da Lei nº 7.210/84 promovidas pela Lei nº 12.258/10, uma vez que com o modelo adotado (i) não será possível atender a finalidade da execução penal e (ii) não será atendido o princípio da dignidade da pessoa humana. O modelo representa, ainda, mais uma forma de controle do cidadão pelo Estado, o que ofende a própria essência do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, caput, da Constituição Federal) ao aproximá-lo do Estado do Terror.


Nesta linha, a Lei nº 12.258/10 é inconstitucional por ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana e do Estado Democrático de Direito.


* Mestre em Direito Penal pela Uerj, especialista em Direito Penal Econômico pelas universidades de Coimbra (Portugal), Castilla-La Mancha (Espanha) e Milão (Itália). Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Emerj. Advogado criminalista.


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