13/06/2016 - 15:02

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Meio século de interiorização

13/06/2016 - 15:02

Meio século de interiorização

No mês em que a fundação das primeiras subseções completa 50 anos, Centro de Documentação e Pesquisa da OAB/RJ lança publicação para resgatar memória da advocacia no interior do estado
 
NÁDIA MENDES
Há 50 anos a OAB fluminense começava a expandir sua atuação para o interior do estado com a criação das 13 primeiras subseções. A Resolução nº1, que instituiu as unidades em 5 de julho de 1966, foi assinada em Niterói, àquela época capital do Estado do Rio de Janeiro – a cidade do Rio pertencia ao extinto Estado da Guanabara –, e criava as subseções de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Petrópolis, Volta Redonda, Barra do Piraí, Valença, Barra Mansa, São Gonçalo, Nova Friburgo, Miracema, Itaperuna, Campos dos Goytacazes e Teresópolis.

Os primeiros presidentes foram indicados pela diretoria da Seccional até que fossem realizadas eleições diretas.
Mas essa não foi a primeira ação no sentido de organização e representação dos colegas do interior. De forma independente, um grupo de advogados do sul do estado criou, em 1963, uma associação para defender os interesses da advocacia. A Associação Profissional dos Advogados do Sul Fluminense era sediada em Barra Mansa e procurava conscientizar e fortalecer a classe.

No mesmo ano, em 17 de junho, a própria Ordem criou uma comissão de representantes da seção nas comarcas do interior. Segundo a ata do conselho em que consta a criação do grupo, o papel dos representantes era cooperar para a boa aplicação dos dispositivos do Estatuto da OAB. Essa estrutura de representação pode ser considerada o embrião da criação das subseções, que ocorreria poucos anos depois.

Segundo o atual presidente da OAB/Barra Mansa, Noé Garcez, os advogados da região enfrentavam muitas dificuldades nos andamentos dos processos, o que causava acúmulos e prejuízos. Para ele, a OAB é, desde aquela época, um importante instrumento na garantia de direitos constitucionais “A Ordem é um organismo vivo da sociedade e deve, sempre de forma independente e imparcial, se posicionar nas questões sociais relevantes”.  

O trabalho feito no interior, tanto no aspecto coorporativo, defendendo os interesses da advocacia, quanto no institucional, buscando cumprir seu papel junto à sociedade, é algo que sempre deve ser ressaltado, segundo o diretor do Departamento de Apoio às Subseções (DAS), Carlos André Pedrazzi. “A Ordem contribuiu ao longo desses 50 anos em grandes acontecimentos da vida das cidades. É importante relembrar todos os ex-presidentes e diretores que construíram uma história grandiosa em cada subseção”, destaca. 

Neste sentido, o Centro de Documentação e Pesquisa da Seccional (CDP) está organizando uma publicação para resgatar a história, baseada em uma intensa pesquisa nas atas das reuniões de conselho da época. Para Pedrazzi, o trabalho do CDP é fundamental. “É uma data que merece ser comemorada. Os acontecimentos que marcaram a trajetória de cada subseção devem ser lembrados”. O diretor do CDP, Aderson Bussinger, afirmou que a organização em subseções foi um ato progressivo e independente da conjuntura política do país. “A OAB foi na contramão do regime militar ao descentralizar o poder”, constata.

Durante a pesquisa, a equipe do CDP se deparou com uma contradição. Apesar de também ter sido criada pela Resolução nº1, em 1966, a Subseção de Teresópolis só foi instalada em 1975, quando teve sua primeira eleição. As outras 12 subseções elegeram a primeira diretoria em novembro de 1968, quando também votaram para o Conselho Seccional. 

Segundo Bussinger, a equipe não entendia por que Teresópolis fora excluída da ata sobre a primeira eleição e por que permaneceu vinculada a Petrópolis até 1968. O mistério foi solucionado quando a equipe analisou a ata da Assembleia Geral de 7 de novembro de 1966, que relatou a instalação do colégio eleitoral nas subseções. Segundo o documento, “ali não foi instalada mesa receptora, em virtude de doença súbita do presidente designado que a presidiria”. 
 
Regime Militar 
Dado o contexto histórico, é impossível resgatar a memória dessas subseções sem, também, lembrar o que acontecia no país em 1966. Os efeitos de dois anos de golpe militar eram sentidos pela advocacia e se intensificaram com o Ato Institucional nº 2 (AI-2), editado em 27 de outubro de 1965 e que vigorou até a promulgação de nova Constituição, em 15 de março de 1967. O ato permitia a suspensão dos direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de dez anos e a cassação de mandatos legislativos federais, estaduais e municipais. Além disso, cancelava as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade.

Nessa época, o Conselho Federal da OAB, que ainda funcionava no (extinto) Estado da Guanabara, no prédio da Avenida Marechal Câmara onde hoje está a Caarj, não havia se posicionado contra o regime militar – o que aconteceria de maneira mais incisiva a partir de 1967. Mas o conselheiro pelo Rio de Janeiro Heráclito da Fontoura Sobral Pinto usou a tribuna em 24 de maio de 1966 para rebater o discurso do então presidente da República, Humberto Castello Branco, que afirmara dois dias antes, no Maranhão, que o Brasil não tinha presos políticos e muito menos uma ditadura. Sobral Pinto defendeu que o AI-2 consagrava “todos os atos abusivos, despóticos, violentos e injustos praticados, à sombra do golpe militar de 31 de março de 1964”. 

Segundo Bussinger, o discurso era totalmente direcionado aos conselheiros. “A intenção, ao que parece, era denunciar o que estava acontecendo no país para os conselheiros, além de defender as prerrogativas da classe”, explica.

O primeiro presidente eleito da subseção de Duque de Caxias, Wellington Cantal, sofreu na pele, literalmente, as consequências do regime militar. Cantal era advogado de uma associação de lavradores posseiros da região. “As terras não tinham escritura. Mas, às vezes, apareciam alguns ‘grileiros’ com escrituras falsificadas”, conta. Em novembro de 1967, em frente ao fórum da cidade e ainda no exercício da presidência da subseção de Caxias, ele foi levado por uma patrulha do Regimento Escola de Infantaria, de Realengo, para esclarecimentos, já que uma pessoa fora presa com um cartão profissional dele. “Esclarecimentos? Eu fiquei mais de um ano preso e fui torturadíssimo”, revela. 

Segundo Cantal, o motivo real da sua prisão tinha a ver com os posseiros que ele defendia. “O pai do capitão que comandou as minhas torturas era um grileiro que estava expulsando os posseiros para quem eu advogava. Eu havia conseguido um mandado de manutenção de posse e isso feriu o pai desse capitão pessoalmente. Foi uma forma de retaliação”, explica. 

Cantal ainda estava preso quando o Ato Institucional nº 5 entrou em vigor, em 13 de dezembro 1968, e conta que os torturadores afirmavam “ter poder absoluto”. Ele diz, também, que por muito tempo ninguém sabia sua localização. “Quando a OAB identificou onde eu estava mandou um conselheiro me visitar, elaborou um habeas corpus, mas não adiantou. Só me soltaram por não terem conseguido apurar nada contra mim. Não tinham provas”.

Anos depois, Cantal foi preso novamente. Dessa vez no saguão do seu escritório em São Paulo. “Um grupo de cinco ou seis homens me pegou à força e quis me arrastar, mas foram impedidos pelos funcionários do prédio, que intervieram a meu favor. Cheguei ao DOI-Codi já todo quebrado, todo arrebentado”, relembra.

Cantal relata que muitos dos problemas ainda hoje enfrentados, principalmente pelos advogados do interior, já eram frequentes naquela época. Na Duque de Caxias de 1967, por exemplo, o principal problema era um juiz que não atendia os advogados, além da demora na distribuição das petições iniciais e nas audiências. “O fórum era uma desorganização total”, define.

A cidade foi considerada “município de segurança nacional” entre 1971 e 1985. Isso significa que o prefeito era escolhido pelo presidente da República. Para o atual presidente da OAB/Duque de Caxias, Vagner Sant’Ana, criar a subseção foi um gesto político firme e positivo. “Hoje, 50 anos depois, devemos homenagear todos os advogados que, do seu modo e nos limites do seu tempo, ajudaram a construir essa história”.

Também município de segurança nacional entre 1973 e 1985, Volta Redonda é sede da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o que fez a cidade se desenvolver pela indústria. Mas, como ocorreu no restante do país, graves violações de direitos foram praticadas pelo regime militar na cidade. Com o objetivo de reconstruir essa memória que a Comissão da Verdade Dom Waldyr Calheiros foi criada no município. O presidente da OAB/Volta Redonda, Alex Martins, presidiu a comissão. “Busquei, com dignidade, representar à altura a importância da OAB e da advocacia voltaredondense”, afirma. 

O relatório final da comissão tem mais de 500 páginas. “Juntamente com outras entidades e militantes, procuramos reconstruir a memória daquele período, sobretudo, redescobrindo a verdade dos fatos e resgatando o desejo de justiça em defesa das vítimas e familiares que sofreram as violentas barbáries”, afirma Alex, citando o 1º Batalhão de Infantaria Blindada, que era baseado na vizinha Barra Mansa, onde a comissão apurou que ocorreram prisões, torturas e assassinatos.
 
Enchente na Serra
A tragédia provocada pela enchente que atingiu a Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011 é considerada um dos maiores desastres naturais brasileiros e teve graves consequências na área. As cidades registraram grande número de mortos e desabrigados e a Seccional agiu, em conjunto com as subseções, em diferentes frentes. É mais um exemplo da importância da atuação da Ordem no interior.

Em Nova Friburgo, um dos municípios mais prejudicados, uma equipe de funcionários da OAB/RJ permaneceu por 16 dias na cidade para ajudar as vítimas da enchente. Voluntariamente, o grupo trabalhou entregando alimentos e água, e limpando escritórios de advogados atingidos. Uma picape da Seccional era usada para chegar às áreas mais isoladas e, muitas vezes, a equipe percorreu distâncias a pé, em meio a escombros e alagamentos. 

Pedrazzi, que na época da tragédia presidia a subseção local, destaca a importância da atuação da Ordem nesse episódio. “A OAB foi uma instituição importantíssima na cidade, não só no aspecto de fiscalização dos investimentos e recursos obtidos, como também na solidariedade e assistência aos cidadãos e advogados que foram atingidos pela enchente”. Segundo ele, a Seccional também cobrou condutas das autoridades durante a reconstrução da cidade.

Como forma de apoio, o Colégio de Presidentes de Subseção daquele ano foi realizado no município. A sede da OAB/Nova Friburgo, como muitos imóveis na cidade, ficou comprometida depois da enchente e precisou ser completamente reformada, tendo sido devolvida à advocacia em 2012. 

Teresópolis foi outra cidade bastante impactada pela tragédia e a subseção local atuou junto ao Instituto Médico Legal (IML) na identificação dos corpos durante todo o tempo em que a cidade esteve mobilizada com o desastre. A OAB/Teresópolis, porém, já havia enfrentado outra situação complicada. Em janeiro de 1982, um incêndio criminoso destruiu totalmente a sede, que funcionava em uma das salas do fórum da comarca. A autoria do crime não foi descoberta. Com o incêndio, toda a documentação da subseção até então se perdeu. “Sem dúvida teria, nos dias de hoje, relevante valor histórico”, afirma o atual presidente da subseção, Rodrigo Ferreira da Cunha.
 
Estrutura
Há a necessidade de que as sedes das subseções – que além de abrigar o trabalho administrativo também prestam serviços aos advogados – sejam funcionais. Por isso, o presidente da OAB/Nova Iguaçu, Jorge José Rosemberg, destaca a construção e inauguração da sede própria da unidade, em 2006, como um grande marco nesses 50 anos de história. Ainda no âmbito dos serviços, ele ressalta o pioneirismo. “Fomos a primeira subseção a implantar tanto o transporte para advogados quanto o sistema informatizado nas salas. Nos meus 17 anos de trabalho na OAB, esses fatos são, para mim, os mais significativos e colocam a subseção numa posição de vanguarda da luta pela melhora da advocacia da sociedade”, afirma.

Em São Gonçalo, o endereço da subseção foi, por quase 20 anos, uma pequena sala de fotocópias do antigo fórum da cidade. Apenas em 1984 houve a primeira mudança para uma sala fora do fórum. O atual presidente, Eliano Enzo, conta que essa sede provisória ficava próxima de onde a subseção está instalada atualmente. “Em junho de 1998 a sede própria foi entregue aos advogados. Essa foi uma das nossas maiores conquistas, já que os advogados puderam ter uma referência definitiva de onde a OAB está”, explica.

Para Enzo, a subseção faz parte da história do municipio, que irá completar 126 anos em setembro. “A OAB/São Gonçalo está aprendendo sua importância dentro da história da nossa cidade. Hoje somos uma entidade que atua e está presente na sociedade, interagindo com diversos setores. A população enxerga na Ordem uma instituição com que ela pode contar, e esse é um grande diferencial das subseções”. 

A publicação do CDP contando esses e outros fatos históricos dos últimos 50 anos das subseções será lançada em julho, em comemoração antecipada do mês dos advogados. “Será uma edição definitiva desse meio século de história das subseções da OAB/RJ”, finaliza Aderson.

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