03/08/2018 - 20:59

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Legalização do Aborto

03/08/2018 - 20:59

Legalização do Aborto

Legalização do Aborto

 

 

Ser humano não pode ser desrespeitado em seu direito mais fundamental

 

Paulo Silveira Martins Leão Junior*

 

O mais fundamental de todos os direitos é o direito à vida, pressuposto necessário para o gozo e exercício de todos os demais, tais como liberdade, igualdade, segurança e direitos sociais. Indissociavelmente ligada ao direito à vida está a dignidade própria da condição de ser humano, a "dignidade humana".

 

Esses direitos devem acompanhar-nos ao longo de toda a nossa existência ou ciclo vital, que tem início, conforme conhecimento médico-científico consolidado, com a fusão das células germinativas (óvulo e espermatozóide). A partir de então forma-se um novo patrimônio genético (DNA), único e irrepetível, que identifica e constitui o novo ser, designado embrião, que vai se desenvolvendo de modo gradual e contínuo. Desde o começo, como ressalta Pietro Perlingieri em La Persona e i suoi diritti, o embrião tem "uma história, uma idade e também uma dignidade". No mesmo sentido, Norberto Bobbio destacava que "o direito do concebido é apenas satisfeito permitindo-se o seu nascimento".

 

Nenhum de nós é o que é hoje sem ter passado pelas fases existenciais anteriores, pressupostos necessários para a nossa vida no presente. O abortamento provocado interrompe definitivamente o desenvolvimento humano na sua fase intra-uterina, impedindo as demais. Em outras palavras, mata intencionalmente um indivíduo no início de sua existência.

 

Contudo, o ser humano não pode ser desrespeitado em seu direito mais fundamental, qual seja, a vida, nem na dignidade que decorre da sua própria natureza humana, em razão do estágio de seu desenvolvimento ou "idade". Uma interpretação sistemática do direito vigente em nosso país parece apontar claramente para a plena integração, e não para a exclusão do nascituro, conforme procurei expor nos artigos O direito brasileiro e o direito à vida e O direito à vida: aspectos penais e civis, in "Bioética, Pessoa e Vida" (Difusão Editora, 2009).

 

Especial atenção há de ser dada à mãe, em cujo seio a criança se desenvolve em íntima e necessária relação orgânica e afetiva, mas não parece razoável contrapor ambas, como decorreria de uma argumentação favorável à "legalização" do aborto.

 

Cabe ao Estado, ao Direito, à sociedade e à família, cada qual em seu âmbito, atuarem em comunhão de esforços na defesa dos direitos fundamentais, para que seja construída uma sociedade verdadeiramente livre, justa e solidária, buscando o bem de todos.

 

*Advogado, procurador do Estado e presidente da União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro.

 

 

 

 

Criminalização empurra incontáveis gestantes à clandestinidade

 

Maíra Fernandes*

 

O 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) reacendeu uma antiga e polêmica discussão, ao propor o apoio do Executivo à aprovação de projeto de lei que descriminalize o aborto. O documento, resultado de diversas conferências realizadas com intensa participação da sociedade civil, encontra-se em perfeita sintonia com os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro, a exemplo da Plataforma de Ação de Beijing (1995), que recomenda a revisão das medidas punitivas aplicadas a mulheres que realizam abortos ilegais.

 

O tema é referido frequentemente como questão de saúde pública pelo presidente da República e pelo ministro da Saúde.  De fato, a criminalização do aborto empurra incontáveis gestantes à clandestinidade e a perigosos procedimentos que podem levá-las - sobretudo as mais pobres - à morte ou à infertilidade.

 

Estima-se que, anualmente, mais de 1 milhão de brasileiras induzam o aborto e 250 mil procurem o Sistema Único de Saúde, vítimas de complicações decorrentes de abortos inseguros, hoje considerados uma das principais causas de mortalidade materna no país. 

 

Interessante notar, ainda, que o perfil das mulheres que praticam aborto no Brasil está muito longe daquele comumente estigmatizado. Segundo pesquisa divulgada em 2009, realizada pela UnB e pela Uerj, e financiada pelo Ministério da Saúde, a maioria é católica, casada ou unida estavelmente, usuária de método contraceptivo, entre 20 e 29 anos, trabalhadora, escolarizada e mãe de pelo menos um filho.

 

À exceção de Irlanda e Polônia, na vasta maioria dos países europeus o aborto é permitido. Nos Estados Unidos da América, onde foi legalizado em 1973, praticamente cessaram as mortes e hospitalizações decorrentes de complicações pela prática de aborto. Numa quantidade significativa de países em desenvolvimento (incluindo África do Sul, Colômbia, Índia e México), caminhou-se pela liberalização do procedimento, que apenas sofreu restrições severas nos últimos 13 anos em El Salvador, Nicarágua e Polônia.

 

É, portanto, em respeito ao direito à vida da gestante que as recomendações do PNDH-3 devem ser mantidas e efetivamente concretizadas. As manifestações de fé, ainda que democraticamente respeitadas, não podem jamais interferir nas políticas de Estado. Menos ainda quando está em jogo a saúde de milhões de mulheres em todo o país.

 

* Advogada criminalista e presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ.


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