03/08/2018 - 20:59

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Peticionamento eletrônico e acesso à Justiça

03/08/2018 - 20:59

Peticionamento eletrônico e acesso à Justiça

Peticionamento eletrônico e acesso à Justiça

 

Marcelo Chalréo*

 

 

Vem em boa hora a decisão prolatada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), afastando a imperiosidade do peticionamento eletrônico na Justiça Federal do Rio de Janeiro. A norma regulamentar (local) que impunha a obrigatoriedade desse procedimento não só agride o texto da regra (art. 10, da Lei nº 11.419/06 ), que utiliza o verbo poder - não dever -, como também o bom senso e uma cultura de décadas e décadas, que se pretendia suplantar em curto espaço de tempo.

 

Embora se reconheça que estejamos em tempos de circulação de informações e dados de modo praticamente instantâneo, o dito sistema online, é preciso respeitar os menos ou não afeitos a essas modalidades, que, se para muitos é algo habitual e corriqueiro, para a grande maioria ainda é objeto de certo pasmo e de necessário e tormentoso aprendizado.

 

Do ato de se escrever a mão as peças processuais à datilografia houve uma larga transição. Nos tempos de hoje ainda há valorosos, cultos e laboriosos advogados que escrevem seus textos manualmente, passando-os a seguir a auxiliares encarregados da digitação, formatação etc. Não são depositários da confiança de clientela vasta que lhes batem às portas? São menos do que os que praticamente já nasceram no mundo virtual.  Certamente não.

 

A tendência é que, no futuro, tenhamos o processo virtual por completo, como já indicam os caminhos de hoje. No particular, o Brasil é um dos mais avançados países do mundo nessa prática. Mas, de qualquer sorte, é preciso se caminhar com prudência nessa direção para que, vestindo-se um santo, não se dispam outros. É sabido, contrariamente à Lei nº 11.416/06, que assim o determina, não dispor o Judiciário de equipamentos suficientes ao amplo e indiscriminado acesso público à tecnologia que se quer obrigatória. Ora, se o Poder Público não garante, não se instrumenta à efetiva prestação de serviço público essencial e básico, não pode, por óbvio, transferir esse ônus à cidadania.

 

A acessibilidade à Justiça é pedra de toque do Estado Democrático de Direito, é garantia cidadã, direito social inalienável, previsto em nossa Constituição Federal e no Pacto de San Jose da Costa Rica (arts. 1º e 8º). Não pode, pois, ser restringida, coibida ou manietada. A propósito, vale citar o recém-eleito presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, Ophir Cavalcante, ao dizer que a convivência democrática - entre os que sabem e os que não sabem, os que dominam ou não determinadas técnicas e saberes, acrescento eu - "é compromisso com a diversidade, com o outro, o que pensa diferente". Sem dúvida, ainda nas palavras do nosso batônnier, sintetizando premissa da nossa organização política e administrativa, "uma coisa é a predominância da vontade da maioria - imperativo democrático; outra, a eliminação da minoria, truculência autoritária".

 

Se esta é a regra do jogo, não há como violá-la, sobretudo quando sabemos todos que também a imensa maioria dos advogados (a exemplo do Poder Público) do Rio de Janeiro e do Brasil ainda não dispõe dos meios e recursos necessários ao cumprimento da exigência. A celeridade e a brevidade processual são um desejo de todos os cidadãos, revelam pesquisas inequívocas, mas não podem ser alcançadas sacrificando-se o bom e velho bom senso.

 

 

*Marcelo Chalréo Vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ.


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