03/08/2018 - 20:59

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Teletrabalho: é preciso regulamentar?

03/08/2018 - 20:59

Teletrabalho: é preciso regulamentar?

Teletrabalho: é preciso regulamentar?

 

Usos e abusos das novas tecnologias mudam relações de emprego e controle da jornada

 

 

Patrícia Nolasco

 

Já no tempo da Maria-fumaça discutia-se a remuneração do trabalho fora do expediente. Os meios de comunicação eram precários; havia o telégrafo e, só mais tarde, o telefone fixo. Então, para atender emergências, os ferroviários precisavam ficar em casa esperando o eventual chamado. Depois de muita briga, instituiu-se, em prol dessa categoria, o sobreaviso (artigo 244 da CLT) para remunerar o tempo confinado em casa à disposição do empregador. Aeronautas, eletricitários e trabalhadores do petróleo foram outras categorias às quais se estendeu.

 

Muito depois chegou o bip. E em seguida uma avalanche de novas tecnologias tomou conta das relações de trabalho, modificando-as e gerando demandas e busca de soluções. Celular, palmtop, Iphone, notebook, twitter, blogs, chats. São cada vez mais sofisticados e complexos os equipamentos e plataformas da comunicação veloz e virtual. E, se hoje sua utilização liberta o trabalhador do confinamento na residência, o aprisiona nas exigências de mantê-lo online, on-time, privando-o, muitas vezes, do descanso e do lazer e estendendo a jornada de trabalho muito além do aceitável. Em certos casos, como o dos professores universitários horistas do Ensino A Distância (EAD), sem pagamento das horas a mais trabalhadas, mas não previstas nos contratos coletivos.

 

Advogada e professora da PUC do Rio de Janeiro, Maria Celeste Simões Marques diz que hoje todo e qualquer trabalhador passou a ser atingido pela microinformática. "No caso do professor, houve incremento das atividades extra-classe, inerentes à atividade docente. Mas, dependendo do regime em que ele foi contratado, é possível equilibrar essas tarefas com as aulas presenciais". Ela explica que os excessos e a burla da lei se dão principalmente em instituições de ensino privadas que mantêm cursos a distância. Atuando em quatro ações trabalhistas contra uma dessas universidades, a advogada informa que os professores são contratados e recebem pagamento exclusivamente por hora-aula. "Ocorre que, depois das teleaulas, são obrigados a participar de chats com os alunos e a responder dezenas de e-mails para esclarecer dúvidas, e essa jornada não gera remuneração por parte do empregador. Na Justiça, o problema tem sido a comprovação dessas horas extras, porque muitos juízes ainda não aceitam e-mails como prova", diz Maria Celeste.

 

Presidente do Sindicato dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Batalha faz coro às críticas ao ensino a distância. "O EAD, da forma como está sendo aplicado, é um absurdo. Primeiro do ponto-de-vista pedagógico, porque as aulas telepresen-ciais são, na verdade, palestras, já que não há interlocução entre o professor e o alunado, que só depois pode tirar dúvidas com um profissional geralmente com menor qualificação. É absurdo também do ponto de vista da exploração do trabalho, porque o professor recebe uma hora-aula para uma turma de 40, 50, e na verdade há várias turmas assistindo. O MEC deveria intervir nisso, mas são os alunos que já estão reclamando", critica.

 

Quando se fala do teletrabalho para outras categorias, Batalha acredita que o pagamento das horas extras não chega a ser um problema, embora a comprovação delas possa ser mais complicada. Pela CLT, não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego. Se o funcionário está conectado no ambiente virtual da empresa, numa teleconferência no meio da noite, por exemplo, é possível provar o trabalho realizado fora do expediente. "Em último caso, até uma perícia no computador pode ser prova", explica.

 

"Se ele estiver cumprindo determinação superior, aquilo que integra a jornada tem que ser acrescido das horas extras trabalhadas. O entendimento é pacífico nesse sentido", afirma. O advogado entende que não seria necessária a regulamentação dessas novas relações de trabalho. "É mais uma questão de adaptação dos instrumentos de controle de jornada. O teletrabalho não desafia uma nova legislação, a interpretação da legislação para se adequar às novas exigências é que são o desafio".

 

Do ponto de vista das empresas, o advogado trabalhista Marcos Dibe conta que muitas estão se precavendo dos riscos de uma ação trabalhista em razão do teletrabalho. Algumas vedam o acesso ao ambiente virtual corporativo fora do horário de expediente. Demandado, após o advento do bip, o TST resolveu que o tempo à disposição do empregador, se não trabalhado efetivamente, é distinto do plantão, e portanto não gera remuneração, porque não impede a livre locomoção do empregado. Mas, uma vez acionado pelo empregador, pelo celular ou por e-mail, considera-se que há jornada de trabalho, e o tempo pode contar como hora extra.

 

A cautela das empresas se estende também à cessão de celulares e laptops para uso de seus funcionários. Para os devidos efeitos, os equipamentos servem para facilitar a realização de suas tarefas, e não para fazê-los trabalhar fora do horário, privando-os do descanso remunerado. "Não é incomum também assinarem contratos com cláusulas responsabilizando-os pela manutenção dos aparelhos e até pelo ressarcimento em caso de danos", diz Dibe.

Também para o presidente da Associação de Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região (Amatra), André Gustavo Bittencourt Villela, não haveria necessidade de uma nova legislação para o teletrabalho, ou o trabalho a distância. "A questão é como se dará o controle da jornada", diz.

 

"Não resta dúvida de que, desde o final do século passado, mudaram os paradigmas da relação de emprego, mas a CLT já prevê o trabalho em domicílio. O que se pode discutir é a forma de medição do tempo à disposição do empregador. Tem gente respondendo email às 3h da madrugada e preparando apresentações no fim de semana para segunda-feira", conta.

Para o presidente da Amatra, os sindicatos devem ser os grandes provocadores de uma discussão das consequências do teletrabalho nos acordos coletivos. "Talvez sejam necessárias mudanças, sim, mas na legislação da área de informática, já que alguns sites de busca, por exemplo, são muito resistentes a informar dados de acesso que poderiam comprovar a jornada extra", diz.


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