13/12/2013 - 16:02

COMPARTILHE

Dano moral sai barato no Brasil?

13/12/2013 - 16:02

Dano moral sai barato no Brasil?

Polêmica sobre biografias não autorizadas gera questionamento sobre a aplicação devida de indenizações
 
CÁSSIA BITTAR
 
Impetrada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) no ano passado, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que contesta a necessidade de permissão de biografados e herdeiros para a divulgação de registros biográficos deu o que falar em outubro. Com seu andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), a ADI e a dualidade entre direito à informação e à privacidade dividiram opiniões inflamadas na mídia, levando a outro questionamento: o prejuízo à imagem é punido adequadamente no Brasil?
 
A empresária Paula Lavigne esteve no centro da polêmica ao afirmar, justificando a necessidade de aprovação prévia do biografado defendida pela associação de artistas Procure Saber, que a indenização por dano moral é irrisória. Em entrevista ao jornal O Globo, ela disse que “o dano moral no Brasil é imoral” e que “não é incentivado pela Justiça para que o país não se torne um mercado de indenizações”.
 
O presidente do STF, Joaquim Barbosa, ao manifestar-se favoravelmente à liberdade para publicação de biografias não autorizadas, defendeu, em evento no Rio, “indenização pesada” nos casos de violação de direitos do biografado ou sua família. “Publique-se e assumam-se os riscos”, afirmou.
 
A indenização por dano moral foi garantida pela Constituição Federal de 1988 e fica a critério subjetivo dos órgãos julgadores. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), seu valor é mensurado para atender uma dupla função: reparar o dano minimizando a dor da vítima e punir o ofensor para que o fato não se repita.
 
“A doutrina entende que se deve levar em consideração a gravidade da ofensa e a capacidade econômica de quem a causou. A pena deve ser diferente, portanto, para um dano moral provocado por um jornal acadêmico ou pela grande imprensa. Assim como o prejuízo à imagem é pior quando a vítima ocupa determinadas posições. Um juiz, por exemplo, tem mais cobrança em relação à sua honra e confiabilidade”, explica o advogado João Tancredo.
 
Para ele, porém, o critério é pouco aplicado na prática. “Na verdade, o que tem acontecido é que os tribunais, baseados na jurisprudência, aplicam tabelas com indenizações sugeridas pelo STJ para cada caso. Porém, com esse arbitramento de valores de fato irrisórios, a ideia que fica é a de que vale a pena ofender”.
 
De acordo com o ministro do STJ Luis Felipe Salomão, os valores fixados pelas instâncias ordinárias raramente são alterados pela corte: “Mudamos somente nos casos excepcionais, quando a indenização está muito acima ou abaixo da esperada. Isso porque não é vocação do STJ conhecer fatos nem prova. E para fixar adequadamente o dano moral é preciso analisar a circunstância em que o ilícito é praticado”.
 
Segundo Salomão, o que a jurisprudência procura fazer é um controle das disparidades entre os tribunais para determinação do dano moral, causadas, principalmente, pela subjetividade da questão: “Ainda há uma discrepância entre os valores fixados no país e nesses casos que o STJ deve interferir. A indenização não pode ser ínfima, de modo a servir de humilhação à vítima, nem exorbitante, podendo causar enriquecimento sem causa”, explica o ministro.
 
O presidente da Comissão de Propriedade Industrial e Pirataria da OAB/RJ, Gabriel Leonardos, também especialista em propriedade intelectual, discorda de que as indenizações sejam mal aplicadas: “Quem sofre dano moral está judicialmente amparado, sim, no Brasil. O que acontece é que demora a receber, porque a Justiça é lenta para qualquer tipo de processo”.
 
Nos casos de biografados, Leonardos afirma que até mesmo o direito de inserir modificações ou a sua versão de determinada história em futuras edições das obras está garantido: “O que é muito discutível é a possibilidade de o juiz determinar a retirada do mercado, o que, do ponto de vista patrimonial, é a pena mais forte hoje em dia, além de estar intimamente ligada à censura”.
 
Já o advogado Sylvio Guerra, que atua em vários processos de artistas, concorda com a tese de que, na prática, o dano moral sai barato no Brasil. “A aplicação do valor da indenização ocorre muitas vezes sem uma análise mais profunda sobre os acontecimentos, achando o julgador que ater-se ao valor parâmetro estipulado pelo STJ basta, o que não é verdade. Essa postura acaba por vezes prejudicando o cidadão que se socorre no Judiciário, pois tal valor não pode ser revisto, a não ser que seja excessivo ou ínfimo. Porém, em muitos casos, a diferença, ainda que pequena, é significativa”, salienta.
 
A punição de quem, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, viola direito ou causa prejuízo a outro não está clara nas leis atuais, segundo Tancredo. “Essa era uma previsão da extinta Lei de Imprensa”, explica ele. “O que temos hoje é o preceito constitucional e disciplinas do Código Civil aplicáveis a esses casos. Mas não é por isso que as indenizações não são satisfatórias”, argumenta, alegando que o problema está no próprio Judiciário, não sendo necessária uma previsão legal específica: “É necessário apenas o bom senso nas análises dos casos”.
 
Para Guerra, as normas jurídicas regulam satisfatoriamente a questão da responsabilidade civil por danos morais: “Além de não ser essencial, seria uma tarefa muito difícil realizar um ajuste legal para definir valores ou parâmetros para a ocorrência de um dano moral. Ele não pode ser economicamente medido, já que provoca lesão aos direitos pessoais”.
 
Ao analisar a aplicação da indenização no caso específico das biografias, Tancredo ressalta que se deve levar em conta a intenção de violar a honra do biografado. “O intento de desqualificar o retratado é uma intenção mercantilista do trabalho. E direito à informação não alcança informações falsas ou errôneas”.
 
Somente nos casos de negligência ou má-fé o biografado deve responder, acredita Leonardos, ponderando que o simples fato de a biografia não agradar não gera dano indenizável. “Não é cabível a punição se o biógrafo tomou todos os cuidados possíveis na apuração. A aplicação das indenizações deve, sim, ser justa, mas também não pode se basear em meros caprichos de biografados ou de herdeiros”.
 
“A indenização tem que ser proporcional ao dano”, continua ele, afirmando que, em alguns casos, pode ser muito alta. “Não tenho problema nenhum em afirmar que, em determinadas circunstâncias, a indenização pode ser vultosa, chegar a milhões de reais”.
 
Posições sobre privacidade à parte, a aplicação justa de valores é um dos poucos pontos de concordância entre os dois lados na polêmica das biografias não autorizadas. A razoabilidade fica por conta do Judiciário.

Abrir WhatsApp