13/12/2013 - 16:23

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PEC das Cadeiras Negras reacende polêmica das cotas

13/12/2013 - 16:23

PEC das Cadeiras Negras reacende polêmica das cotas

AMANDA LOPES
 
Extinta há 125 anos no Brasil, a escravidão ainda é, na opinião do deputado federal Luiz Alberto (PT/BA), uma realidade bastante recente e que tem reflexos na forma como a sociedade atual se organiza. É justamente com a intenção de corrigir os efeitos deste passado no presente que ele assina, junto com Luiz Paulo Cunha (PT/SP), a Proposta de Emenda Constitucional 116/2011, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados em novembro. A chamada PEC das Cadeiras Negras prevê a reserva de vagas na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas e na Câmara Legislativa do Distrito Federal para parlamentares oriundos da população negra e vem esquentando o debate em torno das políticas afirmativas no país. 
 
“A PEC tem o objetivo de alargar a democracia representativa, ou seja, fazer com que assembleias e câmaras representem a diversidade étnico-racial da sociedade brasileira. O que existe hoje é um brutal desequilíbrio representativo. Mesmo não alcançando cargos majoritários, a proposta quebra a lógica de uma espécie de interdição para a população negra se representar nos espaços de discussão política”, afirma Luiz Alberto.
 
No caso de aplicação prática da proposta, a quantidade de vagas oferecidas para cotistas será equivalente a dois terços do percentual de pessoas que tenham se declarado pretas ou pardas no último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para o presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/RJ, Marcelo Dias, desta forma, a emenda viria garantir que o número de parlamentares negros seja mais coerente com a realidade populacional do país. “Vamos colorir os parlamentos. Os negros são totalmente alijados do processo legislativo. De 81 senadores, apenas um, Paulo Paim, é negro. E menos de 5% dos 513 deputados federais são negros, isto em uma população que é 51% mestiça ou negra, segundo o IBGE”, detalha.
 
Para assegurar que as vagas reservadas sejam ocupadas, a PEC prevê a elaboração de duas listagens de candidatos: uma geral, que também poderá contar com negros que não desejarem utilizar as cotas; e outra apenas com aqueles que optarem por compor a lista de cotistas. Assim sendo, o eleitor votará duas vezes, escolhendo um nome de cada lista. Tal processo eleitoral configuraria, na visão do deputado federal Marcos Rogério (PDT/RO), contrário à proposição, um golpe na democracia.
 
“Nossa Constituição assegura que todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza. Mais que isso, deixa claro que não pode haver distinção de sexo, cor, raça ou outra a diminuir a condição humana. Portanto, no corpo desta mesma Constituição não há lugar para uma proposta que coloca pessoas iguais em condições desiguais, sob pena de a norma maior abrigar uma forma de discriminação. Com todo o respeito, a PEC propõe uma espécie de apartheid político no Brasil. Não considero um caminho democrático. A emenda viola o princípio da representação popular, baseada na escolha livre, pelo voto direto. Teríamos duas eleições e uma disputa desigual”, critica. 
 
Em contraposição, Luiz Alberto explica que o processo de listagens diferentes não foi pensado para diferenciar brancos de negros, mas para evidenciar a diversidade racial no pleito eleitoral, uma vez que faltaria oportunidade para os negros atuarem politicamente. “A eleição em duas etapas não significa que haverá votação para negros e para brancos. O candidato negro não é obrigado a disputar as cotas. Ele pode concorrer na lista geral, se quiser. E o eleitor vai votar nas duas listas. Não há separatismo, ao contrário, trata-se de um processo educativo para que a população perceba essa diversidade e sejam criadas condições reais de oportunidade e de visualização das candidaturas negras”, opina.
 
As dúvidas sobre a eficácia da PEC na promoção da igualdade social são semelhantes às que surgiram quando foram criadas as cotas raciais nas universidades públicas, há cerca de dez anos. O tema ainda suscita polêmica hoje, apesar de as vagas para cotistas terem sido, inclusive, regulamentadas pela Lei 12.711/2012, sancionada pela presidente Dilma Rousseff. Na base da argumentação dos críticos está a ideia de que reforçar o critério racial pode, ao invés de homogeneizar as oportunidades para toda a população, estimular o preconceito e a diferenciação.
 
Sobre este argumento, Marcelo Dias é enfático. “Houve quem dissesse que o nível de formação ia diminuir e que as cotas iam criar disputas racistas nas universidades. Nada disso aconteceu. A realidade é que o Brasil tem que enfrentar seus fantasmas. Fantasmas de uma formação cultural, social e histórica perversa, que exclui metade da população dos espaços de poder. A PEC das Cadeiras Negras não vai gerar racismo. Ele já existe no país, só é camuflado. Ninguém se diz racista, mas as cadeias estão cheias de jovens negros, a elite do mercado de trabalho não tem negros”, analisa. 
 
Dias acredita que a emenda seria um bom ponto de partida para o debate sobre o racismo nos dias atuais: “Temos que construir mecanismos na sociedade brasileira para acabar efetivamente com o fosso que existe entre negros e brancos. Esses instrumentos de projeção e promoção da discussão sobre a integração do negro nos espaços de poder são fundamentais para construirmos uma verdadeira democracia racial. Se a PEC começasse a valer, a juventude negra iria olhar para o Parlamento e se enxergar lá”. 
 
Para Marcos Rogério, é necessário combater o racismo, mas não com “propostas preconceituosas”. Precisamos, diz, fortalecer a democracia estimulando a representação plural no país e combater os preconceitos com políticas públicas. “Em se tratando da composição do Congresso, temos um quadro numeroso e qualificado de representantes negros. Não considero a população preta e parda sub-representada. Não há dados oficiais, mas basta olhar para ver que é grande o número de deputados com tais características”, alega.
 
Na visão do parlamentar, sendo a cor da pele uma característica declarada por cada pessoa, não se trata de um critério correto. “O branco pode afirmar ser preto ou pardo e vice-versa. Não considero as cotas uma alternativa negativa, quando criadas para compensar distorções reais. À medida que são usadas com viés político-ideológico, eu me preocupo”, continua Rogério. 
 
Diante da suposição de que alguém possa se declarar negro ou pardo para se beneficiar das cotas sem que necessariamente tenha estas características físicas, Luiz Alberto não demonstra receio. “A pessoa correrá dois riscos. Primeiro, o eleitor vai saber quem é aquele candidato, que cor ele tem. Segundo, o indivíduo estará cometendo crime de falsidade ideológica e estará sujeito a ser processado e penalizado por isso. Falavam o mesmo nas universidades e os casos que temos são irrelevantes”. 
 
Autor de artigo recente no jornal O Globo sobre a PEC das Cadeiras Negras, intitulado O Brasil e a nação diaspórica, o sociólogo e jornalista Demétrio Magnoli considera que a proposta “evidencia o verdadeiro programa” do racialismo. “As ONGs do movimento negro falam em desigualdade social para ocultar seu programa verdadeiro: a introdução do conceito de um Estado plurinacional em nosso ordenamento político e jurídico. A PEC evidencia isso pois, diferentemente das cotas raciais no ensino superior, ela não pode ser justificada por motivações de compensação de desigualdades sociais”, avalia.
 
Para Magnoli, apesar de mais bem justificadas, as cotas universitárias também não são a alternativa ideal. “A desvantagem educacional dos pobres, de todas as cores, é o fruto do desamparo do ensino fundamental e médio. Deve ser solucionada por uma decisão radical do poder público de elevar a qualidade de sua rede escolar até o patamar das melhores escolas privadas, o que não é impossível, como revelam os resultados obtidos pelas melhores escolas públicas no Enem. De imediato, poderiam ser aditadas iniciativas transitórias, como a criação de cursos pré-vestibulares para alunos carentes financiados com recursos do Estado e a reserva de vagas no ensino superior segundo critérios de renda”, sugere. 
 
Dedicada aos negros, a PEC não discute a inclusão política de outros grupos da sociedade, como os indígenas, fator que tem motivado mais questionamentos. Para o deputado Marcos Rogério, ao deixar outros segmentos de fora, a emenda já nasce como instrumento de discriminação. “Se era para criar cotas no parlamento, a proposta deveria se estender a  outros grupos, pelas mesmas razões apresentadas como argumento para a reserva aos negros e pardos”, diz ele.
 
De acordo com Luiz Alberto, tramita na Câmara a PEC 320/2013, assinada pelos deputados Nilmário Miranda (PT/MG), Janete Capiberibe (PSC/MA), Daniel Almeida (PC do B/BA), Lincoln Portela (PR/MG), Sarney Filho (PV/MA) e Paulo Rubem (PDT/MG), e que prevê a criação de cotas para representantes indígenas nas eleições da Casa. Pela emenda, seriam escolhidos quatro membros das comunidades indígenas, em processo eleitoral distinto, realizado nas próprias comunidades. Daí a não inclusão dos indígenas na emenda. 
 
Depois da aprovação na CCJ, a PEC das Cadeiras Negras será analisada por uma comissão especial e, posteriormente, votada no plenário da Câmara. Para Luiz Alberto, a expectativa é grande. “A proposta já estimulou o debate sobre o racismo em todo o país e precisamos disso. Ainda vivemos um momento em que temos ‘o primeiro negro que virou doutor’, ‘o primeiro negro que chegou ao Judiciário’. A questão racial no Brasil é um tabu. A escravidão acabou, mas deixou um rastro de calamidade que até hoje sentimos na vida social. E a emenda procura criar condições de promoção da igualdade racial justamente pela existência de um apartheid não legal na sociedade brasileira”, conclui o deputado.
 

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