03/08/2018 - 21:04

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Cartórios travam Justiça estadual

03/08/2018 - 21:04

Cartórios travam Justiça estadual

Mudanças efetuadas têm provocado atrasos e prejudicado o atendimento
 
As reformas implementadas no andamento processual ao longo dos últimos anos podem ter melhorado a Justiça para os donos de cartórios, o Fundo Judiciário e a arrecadação estadual. Mas, para advogados, partes em litígio e público em geral, as mudanças, longe de representarem avanço, têm significado atrasos e dificuldades porque invia-bilizaram o bom funcionamento dos cartórios.
    A opinião é de dois veteranos advogados, Pedro Afonso Mendonça Lima e Álvaro Pessoa, cada um com mais de 50 anos de atuação em contencioso, bons conhecedores dos escaninhos e rotinas do Judiciário fluminense. A instituição da banca única nos moldes da Justiça Federal, por exemplo, é duramente criticada por Pedro Afonso. “O corregedor que a implantou convenceu o Tribunal de Justiça (TJ) de que a banca única faria todos os processos andarem mais depressa e ainda acabaria com o ‘jeito’ ou a ‘gorjeta’ para o funcionário. Acabou eliminando qualquer possibilidade de os cartórios funcionarem. Hoje, os escreventes não sabem, muitas vezes, redigir um mandado de citação, de pagamento”.
    O advogado afirma que há cartórios “costurando nos autos as petições de setembro do ano passado”. Em outros, “não se consegue falar com o juiz, nem com nenhum servidor com poder decisório”. Os oficiais de Justiça, relata Pedro Afonso, “foram confinados numa Central de Mandados que pode funcionar algumas vezes, mas também pode se tornar um Triângulo das Bermudas de processos, se alguma coisa sair errada”.
    Ele observa que “qualquer passo a ser dado importa o recolhimento de Grerj e em entradas no Proger. A todo momento tem-se que recolher custas, parece que há uma grande sofreguidão atrás de dinheiro”. Além disso, diz, “desentranhar um mandado significa que ele vai demorar três meses para ser cumprido e mais três para ser recosturado nos autos”.  Pedro Afonso cita, em contraposição, o recolhimento de custas na Justiça paulista, feito uma única vez, no início do processo. “Aqui no Rio a Justiça virou uma caixa registradora”, alfineta.
  O conhecimento dos funcionários sobre os processos, em especial escrivães, e seu compromisso com o cargo são citados como fatores positivos que ficaram no passado. Para Pessoa, a banca única transformou os cartórios em “repartição pública onde, na maioria das vezes, a tarefa fundamental é proteger o juiz dos advogados e do público”.
A informatização, na avaliação de Pedro Afonso, foi um avanço, possibilitando, por exemplo, a rápida entrega de petições em todo o estado. Mas ele ressalva: “Acontece que o computador funciona como uma agenda. Registra, mas não dá sentenças e não as escreve, nem faz juntada de petições ou manipula processos. Se estiver registrado ‘Processo concluso para sentença’, podem se passar dez anos e, caso o juiz não venha a sentenciar o processo continuará do mesmo jeito e o computador, repetindo a informação”.
    Pessoa lamenta “a centralização excessiva, o afastamento de quem postula dos que decidem”. Isso, na avaliação dele, foi mais um desastre na primeira instância. “Juízes se tornaram inacessíveis, mas não têm culpa. O erro foi o modo de reformulação do modelo cartorial, que precisa ser repensado”. O advogado acrescenta que há, nos cartórios do Fórum central, “uma quantidade de papel inadministrável, além de um medo que tangencia o pânico”, por parte dos servidores, de que advogados e estagiários “possam sumir com o processo ou arrancar-lhes folhas”.  Pessoa diz que não precisa ser assim, e critica: “Quem tem que punir advogados faltosos ou menos éticos é o Tribunal de Ética da OAB/RJ. Controle prévio só faz burocratizar”.
    Para simplificar o funcionamento cartorial, Pedro Afonso defende que a Emerj, em conjunto com o Centro de Estudos e Debates do TJ, realize uma avaliação aprofundada dos gargalos e proponha soluções para os problemas. “É necessário restabelecer o princípio da autoridade nos cartórios, o trânsito entre o Poder e os suplicantes. O bom senso tem que prevalecer”, finaliza.
    O vice-presidente da OAB/RJ, Sérgio Fisher, concorda com as críticas dos advogados. “Não se pretende a volta ao passado, e sim buscar o aperfeiçoamento nos cartórios”, pondera. “Criou-se uma impessoalidade tal que nenhum funcionário é responsável por nada. O juiz, além da missão de julgar, precisa gerenciar o cartório, e cada serventuário deve responder por cada tarefa”. A estrutura da banca única, segundo Fisher, não pode ser usada para distanciar o magistrado dos advogados. “Isso, de fato, tem sido uma constante. Os juízes precisam compreender que nós somos protagonistas indispensáveis ao bom funcionamento do Judiciário”, conclui.
     O corregedor-geral do TJ, Antonio José Azevedo Pinto, foi procurado pela TRIBUNA para comentar as críticas, mas não houve retorno à solicitação até o fechamento desta edição.

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