03/08/2018 - 21:04

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'Crea não tem poder para embargar obras'

03/08/2018 - 21:04

'Crea não tem poder para embargar obras'

O desabamento do Edifício Liberdade e de outros dois prédios na Av. Treze de Maio, no fim de janeiro, trouxe à tona a discussão sobre os riscos relacionados a modificações nas estruturas das construções, assim como a responsabilidade dos órgãos fiscalizadores. Na entrevista que segue, o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ), Agostinho Guerreiro, explica quais são as atribuições da entidade e aponta os cuidados que devem ser tomados para evitar tragédias como a ocorrida no Centro do Rio. 
 
CÁSSIA BITTAR
 
O Crea-RJ informou que duas obras que eram realizadas no Edifício Liberdade eram ilegais e que a questão seria apurada. Como evitar que reformas sejam feitas ilegalmente?

Agostinho - A tragédia envolvendo o desabamento de três edifícios levantou um debate importantíssimo sobre obras irregulares e os perigos que elas impõem. Também jogou luz nas atribuições e responsabilidades dos órgãos envolvidos na defesa da sociedade - sejam secretarias de Obras, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, ministérios públicos e outros. Cada um desses órgãos se complementa para, juntos, oferecerem cada vez mais proteção e segurança ao cidadão e a coletividade. E esse é um dos caminhos para que reformas ilegais sejam evitadas: a ação conjunta, complementar, dos órgãos responsáveis. O Crea-RJ, por exemplo, não pode, por lei federal, autorizar construções, embargar obras ou dar ‘habite-se’. Em relação à apuração que cabe ao Crea-RJ, sempre com base na fiscalização de exercício profissional, o Conselho está empenhado na investigação do acidente. No dia 8 de fevereiro, a Comissão de Análise e Prevenção de Acidentes (Capa) ouviu o engenheiro Paulo Sérgio Cunha Brasil, apresentado pela empresa TO - Tecnologia Organizacional como responsável pelas obras no Edifício Liberdade. Após o depoimento, foi constatado que ele esteve nas obras do 3º andar e fez um relatório. O erro de procedimento de Cunha Brasil foi não ter recolhido a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) - documento que disciplina a relação do contratado com o contratante - depois da emissão de um laudo. Na ART, cabe ao profissional ou à empresa declarar, assumir e se comprometer com a aplicação das melhores técnicas, assegurando os resultados propostos e a qualidade satisfatória nos serviços e produtos, observando sempre a segurança nos seus procedimentos. No entanto, o principal motivo que causou a tragédia ainda está sendo investigado. Segundo a legislação vigente, a partir do momento em que um engenheiro é contratado para dar um parecer e recebe pelo serviço, um contrato de engenharia se configura e é necessário recolher a ART. Vale frisar que, pela legislação, a falta da ART não configura necessidade expressa de cassação de registro; embora haja avaliação de qual penalização será enquadrado. A Capa também convidou o síndico do Edifício Liberdade, Paulo Renha, para prestar esclarecimentos à Comissão. No dia 16 de fevereiro, Renha declarou que havia solicitado, em janeiro, dados sobre as obras que estavam sendo realizadas pela empresa TO, mas que o prédio desabou antes do recebimento da resposta.
 
Alguns jornais responsabilizaram o Crea pela falta de fiscalização e o desmoronamento. A quem cabe fiscalizar? Qual o papel do Crea e qual o papel da Prefeitura?
 
Agostinho - De acordo com a Constituição, o uso do solo urbano é atribuição do município. Por isso muitos deles desenvolvem planos diretores com indicações do que pode ou não, por regiões, por exemplo. São as prefeituras que dão licenças de construção, baseadas nos pedidos que chegam acompanhados dos projetos da obra, inclusive o projeto estrutural. Uma vez construído, de acordo com o projeto e com a devida fiscalização, a Prefeitura dá o habite-se. A Lei Federal nº 5.194/66, que regula as competências dos conselhos regionais de Engenharia e Agronomia, atribui e permite ao Crea-RJ exclusivamente a função de fiscalização do exercício profissional. O profissional deve pautar esse exercício pela melhor técnica, prestando serviços com qualidade e segurança, sempre levando em conta princípios éticos determinados em seu Código de Ética específico. Caso não ocorra, o profissional tem que responder ética e tecnicamente ao Conselho. Como resultado de processos éticos foram, só no ano passado, realizadas 53 advertências oficiais como forma de coibir qualquer desatenção à legislação. À Prefeitura cabe fiscalizar efetivamente as obras, no que diz respeito a procedimentos, regulamentos, licenciamentos e, sobretudo, segurança pública. O Crea-RJ não tem poder de polícia para embargar obras e nem tem poder ascendente sobre outros órgãos ou instâncias. O Crea-RJ não “notifica” outros órgãos ou instâncias. Mas informa ou alerta os interessados quando possíveis danos ou prejuízos ameaçam o interesse público deixando para as autoridades competentes as devidas providências. O Crea-RJ pode, sim, trabalhar em parceria, por meio de convênios ou sendo o interlocutor ou referência para orientação e proposição de soluções.
 
Quais os riscos de modificações nos projetos iniciais de construções sem o aval de engenheiros? Em que tipos de obra um profissional deve ser requisitado?
 
Agostinho - Os riscos são letais ou fatais em casos de modificações estruturais, como se viu no Edifício Liberdade. Excesso de peso, modificação estrutural (como a passagem de tubulação de ar condicionado, mesmo que pequena, por dentro de uma viga) e remoção de paredes (que têm a função não apenas de vedação de ambientes, mas também contribuem para a estruturação de edifícios) ou elementos com aparência estética, mas com função estrutural podem ser causas de acidentes em prédios. Para todas essas alterações, é necessário consultar um profissional especializado. Engenheiros civis precisam verificar as estruturas, engenheiros eletricistas devem conferir a adequação das instalações elétricas e todos os serviços que envolvam estruturas precisam ser acompanhados por profissionais devidamente habilitados. Para realizar sua missão, de acordo com a Lei 5.194, fiscais do Crea-RJ verificam empreendimentos em todo o Estado do Rio, para acompanhar e verificar se existe um profissional devidamente registrado junto ao Conselho e que tenha efetivado a respectiva a ART. Isso vale para empreendimentos públicos ou privados. É importante lembrar que o CREA está proibido de emitir laudos de obras. Seu foco é evitar o trabalho ilegal de leigos.

A Prefeitura tem capacidade de pessoal para realizar a fiscalização adequada?

Agostinho Por meio da mídia a Prefeitura tem declarado falta de pessoal. Aliás, isso acontece com a quase totalidade dos municípios brasileiros. As parcerias são importantes bem como uma nova legislação, que é o que estamos buscando. O Crea-RJ, apesar de não poder substituir as prefeituras procura colaborar e, embora a lei federal não determine essa atribuição, tem por diretriz incentivar e estabelecer convênios com Prefeituras e órgãos públicos, tais como Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público Estadual, Ministério Público do Trabalho, entre outros. Todo esse esforço visa garantir a atuação efetiva somente de profissionais e empresas devidamente registrados no Conselho e com atribuições específicas para a execução de obras e serviços. Um dos  instrumentos de verificação dessa atuação é a exigência da ART, por parte dos contratantes aos contratados, a partir das próprias prefeituras, por exemplo.

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