03/08/2018 - 21:04

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Direito de greve para os policiais?

03/08/2018 - 21:04

Direito de greve para os policiais?

Não pode haver greve que prive o cidadão da segurança pública ou do atendimento no hospital
 
SÉRGIO BATALHA*
 
As recentes greves nas polícias militares de alguns estados da Federação trouxeram de volta ao centro do debate nacional a questão relativa ao direito de greve destes servidores, bem como de outros que respondem por serviços públicos essenciais. Os defensores da greve alegam que os policiais são trabalhadores que não podem ser excluídos do direito de greve assegurado aos servidores públicos na Constituição da República e até hoje não regulamentado. Os que condenaram a greve ressaltaram a natureza essencial do serviço prestado e a impossibilidade de retirar da população a garantia da segurança pública.
Creio que é fundamental estabelecer uma diferença básica entre o direito de greve do trabalhador na iniciativa privada e do servidor público que executa funções como as de policial, bombeiro, médico etc. O trabalhador comum tem a greve como um instrumento na sua relação com o capital. Ele deixa de trabalhar e provoca um prejuízo econômico ao seu patrão, como forma de pressioná-lo a negociar melhores condições de trabalho.
Os servidores públicos nestas funções essenciais, quando fazem greve, atingem essencialmente a população, negando-lhe acesso a direitos fundamentais como a segurança pública e a saúde. Esta população atingida pela greve, que normalmente integra a camada mais pobre da sociedade, não tem poder para negociar com os grevistas, muito menos para atender suas reivindicações. Ela se torna refém dos grevistas no embate político destes com os administradores públicos.
A greve nos serviços públicos essenciais fragiliza a própria essência do serviço público. O resultado de tal processo é a privatização da atividade pública, com o cidadão buscando na iniciativa privada aquele serviço público que o Estado não consegue lhe fornecer. Então, cada vez mais teremos a segurança privada, a medicina privada, a educação privada e talvez até a justiça privada, obviamente apenas para aqueles que puderem pagar por tais serviços.
Acredito que os policiais, bombeiros, médicos e juízes têm direito a reivindicar melhores salários e outros direitos. No entanto, os instrumentos para estas reivindicações devem ser regulamentados na perspectiva da garantia absoluta do acesso dos cidadãos aos serviços públicos essenciais que eles prestam. Não pode haver greve que prive o cidadão da segurança pública, do atendimento no hospital ou da prestação jurisdicional.

* Advogado trabahista e
conselheiro da OAB/RJ
 
Substituiu-se o Estado Democrático de Direito pela ‘Lei Patriótica’, à moda dos EUA
 
Jean Wyllys*
 
A prisão do cabo Benevenuto Daciolo e de dezenas de líderes grevistas das forças de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro constitui uma ameaça para o sistema democrático. Substituiu-se o Estado democrático de Direito pela ‘Lei Patriótica’, à moda dos EUA pós 11 de setembro.
Pela primeira vez, desde o fim da ditadura, temos pessoas desaparecidas: famílias de muitos policiais não sabem para onde eles foram enviados. Como se não bastasse a violação às garantias individuais amparadas pela Constituição Federal e pelos tratados internacionais de direitos humanos, abrindo um precedente para que isso se repita com outras greves ou protestos sociais, os trabalhadores da segurança pública que estão sendo presos por participarem da greve estão sendo enviados a presídios de segurança máxima. Policiais civis e militares estão sendo enviados aos mesmos presídios onde estão detidos os traficantes de drogas que eles mesmos podem ter prendido, como Bangu 1.
É o novo Guantánamo brasileiro?
O mandado de prisão de um dos policiais detidos foi fundamentado pela magistrada que assinou a sentença com a seguinte “lógica”: “Não resta dúvida de que a ordem pública encontra-se em risco na medida em que a sensação de segurança generalizada toma conta da população... A custódia cautelar dos indiciados mostra-se necessária, na medida em que, se em liberdade, podem vir a se evadir, furtando-se à futura aplicação da lei penal militar”. Por via das dúvidas, cadeia nele?
As vidas desses policiais estão sendo colocadas em risco com o único objetivo de atemorizar os grevistas e desmobilizá-los.
A Constituição Federal estabelece que o salário mínimo, fixado em lei e nacionalmente unificado, deve ser "capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim". É claro que o salário dos policiais não atende a essas necessidades vitais básicas.
É como disse o ex-presidente Lula, antes de chegar ao governo, quando afirmou categoricamente: “Todas as categorias de trabalhadores que são consideradas atividades essenciais só podem ser proibidas de fazer greve se tiverem também um salário essencial. Se considero uma atividade essencial mas pago um salário mixo, esse cidadão tem o direito de fazer greve”.
Lula está certo.

* Deputado federal (PSOL/RJ)

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