03/08/2018 - 21:00

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Acertos e desacertos no novo Código de Processo Civil

03/08/2018 - 21:00

Acertos e desacertos no novo Código de Processo Civil

Acertos e desacertos no novo Código de Processo Civil


Ivan Nunes Ferreira*

O projeto do novo Código de Processo Civil (CPC), submetido ao Senado Federal (PLS 166/2010) e a caminho da Câmara dos Deputados, veio com o objetivo de dar celeridade aos litígios nas esferas civil, comercial e societária. O projeto possui avanços consideráveis, mas representa, também, perda de oportunidade de maior simplificação do Processo Civil brasileiro.

O projeto ratificou uma visão preconceituosa a respeito do trabalho do advogado, que já permeara alterações anteriores do CPC. O código encara os magistrados como pessoas sensatas, o que é justo e compreensível. Porém, trata os advogados como procrastinadores e despreparados, ao estabelecer multas para recursos supostamente protelatórios; a i m p r o c e d ê n c i a liminar de ações, sem critérios objetivos; ao cortar recursos, como se eles constituíssem a principal causa da morosidade da Justiça.

O projeto sofreu forte influência do sistema da Common-law, dos países anglo-saxões, mormente ao prestigiar precedentes judiciais dos tribunais superiores; como das regras de arbitragem, ao permitir a alteração dos pedidos e das causas de pedir no curso do processo, assim como a adaptação do procedimento às especificidades de cada caso.

Entre os aspectos positivos, apresenta-se a instituição da sucumbência recursal. Procurouse evitar o recurso automático por parte do perdedor da causa. Mesmo diante de uma sentença primorosa, o advogado via-se na obrigação de recorrer, pois isso nenhum prejuízo poderia trazer para seu cliente. Agora, segundo o projeto, se a decisão de segunda instância confirmar, por unanimidade, a sentença, o recorrente pagará uma verba honorária extra, o que — espera-se — ensejará uma consulta ao cliente e uma decisão deste, antes de optar por recorrer (art. 73, § 6º).

Outro trecho (art. 317, I) afirma que o juiz pode rejeitar, liminarmente, a demanda, se considerar o pedido “manifestamente improcedente”, antes de qualquer cognição e sem qualquer vinculação a precedentes ou a critérios objetivos, o que significa que os advogados, segundo o projeto, seriam capazes de formulações tão absurdas, a ponto de os magistrados, mesmo em matéria de fato, deverem rechaçar a inicial, sem pedido de esclarecimentos ou de manifestação da parte adversa, o que acabará por gerar novas demandas, com objetos semelhantes.

No campo dos recursos, o art. 908 prevê que a apelação passará a ter efeito só devolutivo, sendo que a apelante, por meio de petição avulsa, poderá pedir ao relator que lhe atribua efeito suspensivo, demonstrada a probabilidade do provimento do recurso. Na verdade, teremos duas apelações. Nesse sentido, melhor teria sido a instituição da apelação por instrumento.

Uma contradição do anteprojeto: permitia a sustentação oral pelo advogado nos agravos de instrumento que versassem sobre o mérito da causa. Entretanto, não permitia que o advogado fosse à tribuna ao recorrer de uma decisão monocrática do relator, que negasse seguimento ao seu recurso de apelação, que fora dirigido ao tribunal colegiado, e em cujo julgamento poderia fazer a sua sustentação oral (art. 857, § 1º). Felizmente, o projeto do Senado, graças a emenda promovida por advogados, acabou por permitir a sustentação em ambos os casos.

Por fim, no que diz respeito ao agravo de instrumento, o projeto acertou ao acabar com a preclusão das decisões interlocutórias, mas, ao invés de tornar o agravo facultativo, restringiu-o a pouquíssimos casos, o que acabará por ressuscitar o uso do mandado de segurança, como sucedâneo do agravo contra decisões não recorríveis (art. 929, § único).

No passado, quando não havia a previsão de efeito suspensivo para o agravo, e quando a decisão era muito prejudicial para a parte ou para o processo, utilizavase o agravo acompanhado de um mandado de segurança, o segundo para dar efeito suspensivo ao primeiro. O expediente ficou apelidado de “Batman e Robin”. Com certeza, o novo CPC tirará da “Bat-caverna” o primeiro desses personagens, também conhecido como mandado de segurança.

Como revelou recente pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a celeridade dos órgãos do Poder Judiciário depende muito mais de boa gestão do que de normas processuais. Tanto é assim que, enquanto no Rio de Janeiro uma causa cível demora cerca de dois anos até a decisão pelo tribunal estadual, em outros estados da Federação, causa semelhante poderá demorar oito anos, e sob a égide do mesmo Código de Processo Civil.

As audiências públicas, com a presença dos membros da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto e de senadores, que o analisaram, permitiram que advogados, membros do Ministério Público, magistrados e instituições como a OAB e o IAB pudessem apresentar diversas emendas, algumas delas acolhidas, as quais aperfeiçoaram, em muito, o novo CPC.

* Advogado e professor de Processo Civil


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