03/08/2018 - 21:02

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Bullying, uma nova questão para a Justiça

03/08/2018 - 21:02

Bullying, uma nova questão para a Justiça

Bullying, uma nova questão para a Justiça


No dia 7 de abril, uma tragédia tornou-se mundialmente conhecida como o massacre de Realengo, tendo como personagem central Wellington Menezes de Oliveira, que matou 12 crianças na Escola Municipal Tasso da Silveira, onde havia estudado. Uma semana antes, a Sociedade de Ensino e Beneficiência Nossa Senhora da Piedade foi condenada pela 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 35 mil aos pais e a uma ex-aluna que sofrera agressões físicas e verbais por parte de colegas de classe quando tinha sete anos, em 2003.

Em comum, os dois fatos têm o bullying, palavra de origem inglesa usada para qualificar comportamentos agressivos, intencionais e repetitivos, com ou sem violência física, contra quem se encontra impossibilitado de fazer frente às agressões. Ou seja, quando os mais fortes se utilizam dos mais frágeis – os tímidos ou tidos como diferentes – como objetos de diversão e afirmação de poder, fazendo vítimas. Em ambos os casos, a escola foi o foco das ações.

Wellington relatou em vídeo ter sido alvo de perseguições, dos 11 aos 14 anos, porque mancava. O que não o impediria, não fosse o transtorno mental, de superar os traumas e, em vez de assassino e suicida, tornar-se um adulto normal, avaliaram especialistas. Os pais da menina X, do colégio católico, disseram nos autos que ela foi espetada na cabeça por um lápis, sofreu arranhões, socos, chutes, gritos no ouvido e xingamentos desferidos por dois meninos da classe.

De acordo com o processo iniciado na 7ª Vara Cível do Méier, X. passou a sofrer de terror noturno, fobias e depressão, até seus pais a retirarem da escola – acusada de não ter tomado as providências necessárias para cessarem as agressões. Hoje, ela tem 14 anos, está bem e adaptada em outra instituição, revela o advogado Rodrigo Tavares de Salles, que atuou na ação com Ivani Luiz da Costa.

Rodrigo acredita ter sido esta primeira decisão judicial envolvendo o bullying em escolas no Rio de Janeiro – o ciberbullying, via internet, reúne mais casos. E considera como fator fundamental para o ganho da causa ter adotado as garantias do Código de Defesa do Consumidor (CDC) como sustentação da ação por danos morais e materiais. A base do pedido de condenação da ré não foi o bullying, e sim o defeito na prestação de serviços à menina e a seus pais. "Nossa tese foi a de que se tratava de uma relação de consumo. Conseguimos configurar defeito na prestação de serviço em razão dos atos de bullying cometidos no ambiente escolar, estabelecendo a desídia do estabelecimento em sua responsabilidade de assegurar a segurança física e psíquica da criança sob sua guarda", conta, dizendo ter provado que a instituição não fiscalizou e tampouco agiu eficazmente para fazer cessar as agressões.

A razão de terem optado pelo caminho do CDC e das provas testemunhais foi, segundo Ivani, pelo fato de tratar-se de "uma lei protetiva, que dá instrumentos, como a inversão do ônus da prova e a responsabilidade objetiva do fornecedor, para comprovar os eventos com maior facilidade. O Código de Processo Civil também era aplicável, mas achamos mais interessante o primeiro caminho", disse.

Ao confirmar a sentença da primeira instância e negar agravo apresentado pelos advogados da escola, o relator na 13ª Câmara Cível, desembargador Ademir Paulo Pimentel, escreveu: "Trata-se de relação de consumo e a responsabilidade da ré, como prestadora de serviços educacionais, é objetiva, bastando a comprovação do nexo causal e do dano". Ele afirmou ainda: "Os fatos relatados e provados fogem da normalidade e não podem ser tratados como simples desentendimentos entre alunos" – como alegou o estabelecimento.

Na ação movida pelos pais da ex-aluna, o advogado Danilo Sahione, especialista em Direito educacional, representou a escola condenada. Danilo é palestrante sobre o bullying em diversos estabelecimentos de ensino para os quais advoga e participante habitual de seminários sobre a questão, discutindo formas de prevenção. Ele não fala sobre o processo e recorreu da condenação no TJ. Mas não se furta a considerações sobre o problema que atormenta alunos, pais, professores e escolas.

"Os colégios têm que produzir elementos de prevenção ao bullying, por meio de palestras e atividades de socialização", diz Danilo, para quem está havendo certa banalização do conceito, às vezes confundindo-se atitudes típicas de autoafirmação, ainda que indesejáveis, entre crianças e adolescentes, como assédio, perseguições e agressões contra determinado colega. "Quase todos nós, quando estávamos no colégio, passamos por situações difíceis, brincadeiras desagradáveis. O bullying não é brincadeira, são atos repetidos com o intuito de ofender ou machucar, física ou verbalmente", diferencia.

O delegado da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ junto ao Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente, Pedro Roberto da Silva Pereira, lembra que o bullying, embora venha sendo estudado há vários anos, só viabiliza ação judicial se for demonstrada a sua repetição, sem que a escola tome todas as providências, principalmente pedagógicas, adequadas. O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que um ou outro não poderá "ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais." Ele acredita que a situação de violência nas escolas reflete a que é vivida pelas crianças na sociedade e às vezes no próprio lar de onde provêm. "À escola cabe esgotar todos os recursos pedagógicos para prevenir e lidar com o problema, mas é preciso lembrar que as famílias não podem transferir para ela toda a responsabilidade pela educação dos filhos", diz.

"Há uma tendência forte de tentar criar novos tipos penais e, no caso do bullying, é uma questão mais relacionada ao processo educacional, de criar valores no ambiente familiar e na escola que promovam nos direitos humanos, a igualdade, a ética e o respeito às diferenças. A famíla, a escola, a sociedade e os meios de comunicação são responsáveis", destaca Pedro.


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