03/08/2018 - 21:02

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Entrevista - Athayde Costa

03/08/2018 - 21:02

Entrevista - Athayde Costa

Entrevista - Athayde Costa


'É falácia atribuir atraso nas obras da Copa a rigor da Lei de Licitações'

Em nota enviada ao Congresso, o Ministério Público Federal (MPF) apontou a inconstitucionalidade dos dispositivos incluídos na Medida Provisória 521 e que criam regime especial de licitação e contratação para as obras necessárias a grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olímpiadas de 2016. Segundo o procurador Athayde Costa, coordenador do grupo de trabalho criado pelo MPF para acompanhar a organização da Copa, o projeto dá um "cheque em branco" para as empreiteiras, "favorecendo superfaturamentos e encarecimento das obras, além de dificultar o controle de qualidade". Athayde concedeu a seguinte entrevista à TRIBUNA.


Quais as inconstitucionalidades da MP 521, que cria regime especial de licitação e contratação para as obras que servirão à Copa e às Olímpiadas?

Athayde Costa - As principais inconstitucionalidades detectadas inicialmente pelo MPF referem- se à transferência ao gestor, sem a adoção de critério objetivo, da qualificação de obra ou serviço que favorecerá a Copa e a Olimpíada. A disposição afronta a Constituição, pois cabe à lei essa tarefa, não podendo o Executivo, mediante critérios subjetivos, apontar qual regime de licitação será adotado ao argumento de que a obra atenderá a Copa ou a Olimpíada. Além disso, as licitações serão efetuadas sem projeto, não permitindo definir o que será licitado, em afronta à Constituição. Tenta-se transferir às construtoras a responsabilidade de realizar, após a licitação, o projeto da obra. Isso significa um cheque em branco para as empreiteiras, pois a administração ficará refém delas, favorecendo os infindáveis aditivos contratuais, os superfaturamentos e o encarecimento das obras, além de dificultar o controle de qualidade. Visualiza-se um panorama caótico para o país. Na nota foram também apontados vícios com relação ao subjetivismo, na tentativa de utilizar como critério de julgamento da licitação o maior retorno econômico, mormente quando conjugado com a criação de novo tipo contratual denominado contrato de eficiência. Não há delimitação sobe o campo de abrangência do denominado contrato de eficiência. Há violação ao princípio da impessoalidade.


O Ministério Público Federal afirma que a aplicação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para licitações e contratos relacionados com obras para esses eventos é uma cláusula intoleravelmente aberta. Por quê?

Athayde Costa - A proposta confere à administração o dever de adoção preferencial do regime denominado contratação integrada, no caso de obras e serviços de engenharia. Com isto, obras e serviços de engenharia ficam livres da exigência de apresentação de projeto básico e de projeto executivo, nos termos da legislação geral em vigor (artigo 7º, da Lei nº 8.666/ 1993). Há previsão apenas de um anteprojeto de engenharia. Ocorre que o conteúdo do denominado anteprojeto de engenharia é vago, genérico, e implicará a ausência de definição do objeto da licitação e do futuro contrato, violando o artigo 37, inciso XXI, da Constituição, que impõe o dever de licitar para contratações de obras e serviços de engenharia e pressupõe, logicamente, a sua exata configuração. Não há licitação sem prévio e determinado objeto, porque sem isto não há condições de disputa. Admitindo-se o anteprojeto de engenharia, isto implicará violação dos princípios da competitividade, isonomia e impessoalidade, porque impedirá o julgamento objetivo da licitação. Também poderá ensejar graves desvios de verbas públicas em razão da deficiência e da insuficiência do citado anteprojeto de engenharia. Por essas razões, foi dito que o RDC é intoleravelmente aberto.


A urgência das obras não pode ser obtida com a eliminação do núcleo essencial do princípio da licitação, diz a nota. O argumento da relatora da MP, deputada Jandira Feghalli, é a celeridade. É possível conciliar pressa e rigor?

Athayde Costa - É uma falácia atribuir o atraso nas obras ao eventual rigor da Lei de Licitações. A ideia da flexibilização somente serve para chancelar o péssimo planejamento dos gestores que, por incapacidade, desídia ou até má-fé, fabricam a emergência da contratação e possibilitam obras superfaturadas ou que demandam aditivos vultosos, em indesejável desrespeito ao cidadão. Lembre-se que o Brasil foi escolhido em 2007 para sediar a Copa. O que se busca ao invocar a celeridade é a não realização dos projetos básicos das obras, mediante a transferência da tarefa para as construtoras após as licitações. Como já dito, isso significa um cheque em branco para as empreiteiras e a administração ficará refém delas


Há precedentes de atrasos deliberados em obras para, depois, afrouxarem-se os critérios para licitações?

Athayde Costa - Há casos em que os gestores fabricam a emergência para efetuarem a contratação por dispensa de licitação, o que configura ato de improbidade administrativa.


Existe algum questionamento do Ministério Público Federal quanto ao fato de as mudanças no sistema de licitação terem sido propostas como emendas numa MP que trata da remuneração de médicos residentes?

Athayde Costa - Na análise preliminar, o MPF se ateve ao mérito do projeto que se revelou muito prejudicial aos cofres públicos. Ou seja, em vez de fortalecer o controle, pretende-se liberar geral e prejudicar o combate à corrupção. A tentativa fere a Convenção Interamericana contra a Corrupção promulgada no Brasil por meio do Decreto nº 4.410/02. Trata-se de violação da obrigação internacional de assegurar um sistema de aquisição de bens e serviços por parte do Estado brasileiro fundado nos princípios da transparência, equidade e eficiência.


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