03/08/2018 - 21:02

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Uniões estáveis homoafetivas no STF

03/08/2018 - 21:02

Uniões estáveis homoafetivas no STF

Uniões estáveis homoafetivas no STF


Raquel Castro *

A união entre pessoas do mesmo sexo sempre existiu na história da humanidade, sendo um fato da vida, lícito e relativo à esfera privada de cada indivíduo. Um número cada vez maior de pessoas tem assumido publicamente a sua condição homossexual e se dedicado a relacionamentos afetivos profundos, estáveis e duradouros.

No Censo 2010 divulgado pelo IBGE, foi constatado o número de 60 mil casais homossexuais vivendo no Brasil, quando, na verdade, sabe-se que esse número é infinitamente maior.

No último dia 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) escreveu um novo capítulo na história do Direito brasileiro, ao reconhecer as uniões homoafetivas como entidades familiares, equiparadas às uniões estáveis ditas heterossexuais. Ao dar ao artigo 1.723 do Código Civil a interpretação conforme a Constituição Federal, a Suprema Corte preencheu a lacuna antes existente, acabando com injustificável omissão legislativa, geradora de ódio, discriminação e preconceito.

Foi com base nos princípios constitucionais fundamentais, entre eles os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da vedação de discriminações odiosas e da proteção à segurança jurídica, entre outros, que o STF extraiu a obrigatoriedade do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. E diante da inexistência de legislação infraconstitucional regulamentadora, devem ser aplicadas analogicamente ao caso as normas que tratam da união estável entre homem e mulher.

Importante frisar que a Suprema Corte não concedeu o direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, tampouco interferiu nos sacramentos da igreja com relação ao casamento religioso, mas apenas reconheceu às uniões homoafetivas o status de união estável, com os direitos e as obrigações dela decorrentes.

O Supremo considerou, ainda, que o §4°, do artigo 226, da Constituição Federal, não é taxativo, sendo as uniões homoafetivas consideradas “tipos implícitos”, o que ocorre, por exemplo, entre famílias constituídas entre avós e netos. A ausência da menção a todos os tipos familiares não pode servir de base para a sustentação iníqua de inexistência fática e jurídica.

A partir da decisão do STF, basta que ao casal homossexual tenha em mãos um comprovante de sua união estável (contrato particular de união estável ou escritura pública declaratória de união estável) para requerer o reconhecimento dos direitos dela decorrentes, entre eles direitos previdenciários, sucessórios, alimentares, regime de bens e partilha, adoção, entre tantos outros.

Importante esclarecer que não há qualquer necessidade de edição de nova lei para tratar especificamente da adoção por casais homoafetivos. O Estatuto da Criança e do Adolescente traz em seu bojo o artigo 42, parágrafo 2°, que afirma que, para a adoção, basta que o casal comprove o casamento ou a união estável. Com o reconhecimento das uniões homoafetivas como uniões estáveis protegidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, o processo de adoção ficará, sem sombra de dúvida, muito mais fácil.

Para que possamos viver essa nova era de inclusão e tolerância, é necessário que deixemos de lado as concepções religiosas ou moralistas, que não podem, em absoluto, influenciar as decisões judiciais, tampouco podem nortear o processo legislativo, tendo em vista que vivemos em um Estado laico e democrático de Direito. O mundo não deixa de avançar em razão da fé professada por alguns, pois a religião só se aplica dentro dos templos religiosos e para os seus seguidores. Os demais habitantes do Brasil, e do mundo, têm o direito de se dedicarem à religião que escolherem, ou a nenhuma, não sendo papel do Estado intervir nesta seara. E não se confunda democracia laica com ateísmo, já que são conceitos absolutamente distintos.

A efetivação de direitos fundamentais não pode ficar à mercê da vontade ou da inércia das maiorias legislativas, sobretudo quando se tratar de direitos pertencentes a minorias estigmatizadas pelo preconceito. Portanto, a Suprema Corte aceitou os argumentos de razão pública, deixando de lado as concepções particulares, acertando o passo na luta pelo papel fundamental de um Estado Democrático de Direito, que é o de acolher aqueles que são vítimas da intolerância e discriminação, e não o de rejeitá-los.

* Presidente da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB/RJ


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