03/08/2018 - 21:01

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Os casos de desaparecimento forçado e as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil

03/08/2018 - 21:01

Os casos de desaparecimento forçado e as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil

Os casos de desaparecimento forçado e as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil


Otávio Bravo*

Em 11 de fevereiro de 2011, o 1º Ofício da Procuradoria Geral da Justiça Militar no Rio de Janeiro fez instaurar procedimento de investigação criminal para apurar casos de desaparecimento forçado de pessoas ocorridos no curso do regime de exceção em vigor no Brasil entre 1964 e 1985, cuja execução tenha se dado, total ou parcialmente, no interior de unidades militares localizadas nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo (área de atribuição da PJM/RJ) e/ou tenham tido como agentes, na forma de autores ou partícipes, militares em serviço ou atuando em razão da função. A iniciativa do Ministério Público Militar fundamentou-se em três acontecimentos de 2010.

Em primeiro lugar, na decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, cuja sentença, proferida em 24 de novembro de 2010, proclamou, como obrigação dos estados que tenham ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos, que “sempre que haja motivos razoáveis para suspeitar que uma pessoa foi submetida a desaparecimento forçado deve iniciar-se uma investigação”, destacando que “essa obrigação independe da apresentação de uma denúncia, pois, em casos de desaparecimento forçado, o Direito Internacional e o dever geral de garantia impõem a obrigação de investigar o caso ex officio, sem dilação, e de maneira séria, imparcial e efetiva” (Caso Guerrilha do Araguaia, § 108).

Além disso, lastreou-se a medida da PJM/ RJ no fato de ter o Brasil ratificado, em 30 de novembro de 2010, a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçados, que estabelece expressamente, em seu artigo 3º, a obrigação de todos os estados que a ratificaram de adotar as medidas apropriadas para investigar os casos de desaparecimento forçado ocorridos em seus respectivos territórios.

Por fim, baseou-se a instauração do procedimento de investigação na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal pouco mais de três meses antes, no Processo de Extradição nº 974-0 – República Argentina, no qual o Tribunal Pleno do STF reconheceu, em sessão de julgamento realizada em 6 de agosto de 2009, que os casos de desaparecimento forçado de pessoas se adequam ao tipo penal de sequestro, presente na legislação criminal brasileira, reconhecendo a natureza permanente de tal delito.

Na verdade, a decisão do STF permitiu o reconhecimento de que os casos de desaparecimento forçado ocorridos no Brasil, no curso do regime de exceção, devem ser considerados como sequestros em curso, ao menos até que seja possível determinar que as vítimas de tais delitos tenham conseguido escapar de seus captores ou tenham sido mortas ou libertadas por eles. Enquanto não se tem prova de que tais fatos efetivamente ocorreram, devem ser eles investigados como crimes de sequestro em curso, cuja natureza permanente impede o reconhecimento de que estejam prescritos ou tenham sido abrangidos pela Lei de Anistia.

O sequestro está tipificado no Código Penal Militar, em seu artigo 225 e, quando praticado dentro de unidades militares ou por agentes militares, constitui crime de natureza militar, de atribuição do Ministério Público Militar. No entanto, mesmo que as investigações venham a indicar que os casos de desaparecimento envolveram a morte dos sequestrados e o consequente sumiço dos corpos, haverá então indícios de prática de outro delito de natureza permanente: ocultação ou destruição de cadáver, previsto no Código Penal comum (artigo 211). Isso, por si só, já justificaria a instauração da investigação, pois, nesse caso, a remessa de peças ao Ministério Público Federal poderá dar origem à propositura de ações penais contra os responsáveis pelo desaparecimento dos corpos.

De qualquer forma, independentemente dos resultados, as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil impõem a todas as autoridades públicas do país, executivas, legislativas ou judiciárias, promover, dentro de suas áreas de competência ou atribuição, medidas para o esclarecimento dos casos de desaparecimento forçado ocorridos no território brasileiro no curso do regime de exceção.

E a isso se some a obviedade de que não se podem declarar prescritos ou anistiados fatos que não se sabe como e quando ocorreram. Só o passado conhecido pode ser perdoado ou deixado para trás.

* Promotor de Justiça do Ministério Público Militar


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