03/08/2018 - 21:01

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Passividade do juiz quanto à desigualdade das partes vai contra o princípio da isonomia

03/08/2018 - 21:01

Passividade do juiz quanto à desigualdade das partes vai contra o princípio da isonomia

Entrevista - Luiz Fux

'Passividade do juiz quanto à desigualdade das partes vai contra o princípio da isonomia'


Carioca, 57 anos de idade, 17 livros publicados, Luiz Fux acaba de assumir a cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal. Prestes a lidar com as pressões advindas de julgamentos polêmicos como o pedido de extradição do ativista italiano Cesare Battisti e a Ação Penal 470, Fux afirma o melhor antídoto é a independência jurídica adquirida em três décadas de carreira como magistrado. Na entrevista que segue, ele comenta o fenômeno da ‘judicialização da política’ e critica o mito da neutralidade do juiz. "A passividade diante das desigualdades das partes, a pretexto de ser equidistante, conspira contra o princípio da isonomia; um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito ", resume.

Marcelo Moutinho

O senhor afirmou que se tornar ministro do STF era um sonho, e que se preparou a vida inteira para isso. Como se sente ao chegar lá?

Fux - Primeiramente gostaria de manifestar meu profundo apreço pela classe dos advogados. Sou filho de um velho advogado, falecido há três anos, Mendel Fux, exemplo de honradez e ética profissional. Admirando o seu esforço em bacharelar-se depois da família constituída, despertei meus desígnios pela carreira jurídica, por isso me tornando advogado, promotor de Justiça e juiz de Direito, sendo que esta última carreira seguida desde a mais longínqua comarca de Trajano de Moraes, perpassando por todas as entrâncias e instâncias do Tribunal de Justiça do Rio até a disputa pela vaga destinada a desembargador no Superior Tribunal de Justiça. Agora, muitos anos de pois, o coroamento dessa trajetória de luta culmina com essa graça de Deus para ocupar a 11a cadeira do egrégio Supremo Tribunal Federal, em sua composição atual.


Nos próximos meses, o senhor vai julgar a validade ou não da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010. Sem adiantar seu voto, qual sua opinião, em tese, sobre a referida lei?

Fux - Infelizmente a pergunta, não obstante versar sobre "teses jurídicas ", as mesmas estão sub judice, o que não só impede minha manifestação a priori, como também permite ilações indevidas da opinião laica. Tenho dito que a solução de todas essas questões necessita de três componentes fundamentais: técnica, sensibilidade e independência.


Outros julgamentos polêmicos serão o pedido de extradição de Cesare Battisti e a Ação Penal 470. Como enfrentar as pressões de casos como esses?

Fux - Meu sentimento ao chegar ao STF é de extrema responsabilidade quanto aos temas que aguardam a minha participação, o que exacerba meu intento de bem decidir de forma sempre motivada. Minha equipe tem magnífica reserva intelectual capaz de habilitar- me uma discussão em grupo de elevadíssimo nível, à luz do Direito nacional e internacional, de sorte a plasmar no voto uma decisão inteligível, com linguagem simples, e profunda na sua tecnicidade e sensibilidade judiciais. A independência jurídica adquirida e consolidada nesses 30 anos de carreira na magistratura é o melhor antídoto para a denominada "pressão " a que se refere a pergunta.


Muito tem sido discutida uma suposta "judicialização da política ", na qual, por omissão do Legislativo brasileiro, o Judiciário, sobretudo por intermédio do STF, acaba "legislando " sobre questões importantes. Qual sua opinião?

Fux - A judicialização das questões políticas, na verdade, só ocorre quando há lesão a direito ou ameaça a direito, hipóteses nas quais o Judiciário tem o dever de dar uma resposta, ainda que sobre uma questão de conteúdo político e social. Exemplo disso ocorre quanto ao dever de saúde do Estado e o direito de todos à prestação correspondente. A clausula pétrea da inafastabilidade da jurisdição, consagrada no artigo 5; XXXV da Constituição; verbis: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; impõe a atuação do Judiciário. A relação litigiosa pode ser de qualquer natureza: política, tributária, civil etc., o que não inibe, ao revés impõe a atuação do Judiciário.


O senhor já se manifestou, também, sobre o "mito da neutralidade do juiz ", argumentando que a população carente, por exemplo, deve ter tratamento diferente. Por quê?

Fux - O mito da neutralidade do juiz a que me refiro é o que impede que o magistrado mantenha a igualdade das partes no processo, para que o seu resultado não seja fruto da deficiência de atuação de uma delas. Assim, quando uma parte carente não produz determinada prova essencial ao deslinde da controvérsia em seu favor, o juiz pode e deve determinála, suprindo, no caso, a falta de discernimento do litigante tecnicamente débil. A passividade do juiz diante das desigualdades das partes, a pretexto de ser equidistante, conspira contra o princípio da isonomia; um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, ao mesmo tempo em que se dissocia do ideário de nossa nação; isto é, de erigir uma sociedade justa, plural, democrática com a erradicação de toda e qualquer desigualdade.


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