17/10/2017 - 14:14

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Campanha pede o resgate de objetos sagrados recolhidos na Polícia

17/10/2017 - 14:14

Campanha pede o resgate de objetos sagrados recolhidos na Polícia

Em meio às notícias sobre o aumento de ataques a terreiros, ganhou visibilidade, nos últimos meses, mais uma questão ligada à perseguição religiosa histórica. Com o apoio do mandato do deputado estadual Flávio Serafini (Psol), um pleito antigo de lideranças de religiões de matriz africana, a recuperação de mais de 200 peças sagradas para umbandistas e candomblecistas que estão há cerca de um século em posse da Polícia Civil, transformou-se na campanha pública Liberte nosso sagrado.

Encampada por diversas entidades da sociedade civil, entre elas a OAB/RJ, por sua Comissão de Direitos Humanos, a campanha pede que esses objetos, como imagens, instrumentos musicais e vestimentas, alguns inclusive tombados pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual Iphan, sejam devolvidos ao povo de santo, levando em consideração seu caráter simbólico, cultural e religioso.

Apreendidas em batidas policiais na época em que praticar essas religiões era crime, seguindo o Código Penal de 1890, as peças, mesmo após a alteração do texto legal, em 1940, continuaram sob responsabilidade da Polícia Civil, que chegou a utilizar parte do acervo em seu museu. Os objetos foram expostos por anos ao lado de símbolos nazistas com a denominação Coleção Magia Negra, fato que foi considerado pelos membros das religiões um sinal de racismo. O longo processo de reforma do local foi o estopim para os líderes requererem o material, já que o acesso do público a ele foi dificultado.

Foi então que uma das principais figuras da campanha, Maria do Nascimento, mais conhecida como Mãe Meninazinha de Oxum, levou o pleito a Flávio Serafini, que integra a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Após descobrir, em uma tentativa de visita ao Museu da Polícia Civil, que a exposição tinha sido desmontada e que o material estaria armazenado, ela se juntou a outras mães e pais de santo em uma luta para realizar o antigo sonho de ver as peças liberadas para o seu povo: “Cresci em casas de candomblé e sempre ouvi minha avó e os mais antigos falando que ‘nossas coisas estavam na Polícia’. Há 20 anos comecei a citar esse fato em entrevistas e de lá para cá não me calei mais. Acho que essa é a oportunidade que temos de recuperar o que é nosso e que nos foi tomado há tanto tempo”, diz.

Desde abril, a campanha ganhou o apoio de diversas personalidades e é tema de um documentário chamado Nosso sagrado, que está sendo produzido pela Quiprocó Filmes.

Presente à audiência pública realizada na Alerj dia 19 de setembro para unir religiosos, parlamentares e a Polícia Civil em busca de uma solução para a questão, Mãe Meninazinha de Oxum, assim como Mãe Flávia Pinto e outras lideranças, reforçaram a importância da recuperação das peças: “Esses objetos têm uma energia que deve ser respeitada”, ponderou Mãe Flávia na ocasião.

Comandando a audiência junto ao presidente da Comissão de Direitos Humanos da casa, Marcelo Freixo (Psol), Flávio Serafini observou que, a seu ver, o resgate das peças significaria uma reparação histórica: “Esse acervo só existe porque o Estado brasileiro republicano continuou tendo o racismo em sua base”. No encontro, foi decidido que seria criado um grupo de trabalho composto por parlamentares, representantes do Judiciário, da secretaria de Cultura, do movimento negro e lideranças religiosas para estudar o estado de conservação atual das peças, catalogá-las e propor um destino.

A Polícia Civil, por outro lado, afirma que “não há sentido” em tirar as peças de seu acervo para transferi-las para outro espaço, como, por exemplo, um museu da cultura negra, uma das propostas apresentadas na audiência.

Por meio de seu assessor para assuntos institucionais, Gilbert Stivanello, a corporação afirmou que tem interesse em ficar com os objetos. “Esse acervo também é parte da nossa história e foi a Polícia Civil que conservou essas peças. Nossa intenção é construir um setor para a apresentação delas,  abrindo para que entidades religiosas trabalhem junto conosco e ocupem esse espaço, mas expondo no Museu da Polícia Civil, para fazer um contraponto entre aquela Polícia do início do século que, seguindo as leis da sociedade, reprimia práticas religiosas, e esta, de uma nova época, que hoje combate a intolerância. Queremos desenhar um escopo evolutivo”, afirma ele, contando que, por enquanto, os responsáveis pelo museu aguardam a resolução de um imbróglio jurídico para que a reforma seja concluída: “Precisamos do espaço pronto para expor o material”.

Segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, é preciso detalhar melhor as propostas. “Vamos continuar participando dos debates e audiências sobre a questão, para que a discussão ganhe mais musculatura e possamos articular possíveis soluções. É preciso verificar quantas e quais são as peças que se encontram em poder da Polícia, por exemplo”, diz Marcelo Chalréo. 
 

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