17/10/2017 - 14:35

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Do litígio à colaboração, 40 anos do divórcio no Brasil

17/10/2017 - 14:35

Do litígio à colaboração, 40 anos do divórcio no Brasil

OLIVIA FÜRST*
 
No próximo dia 26 de dezembro, a Lei 6.515, que autorizou o divórcio, completará 40 anos. Esta importante conquista – política e social – merece uma detida reflexão acerca de como passamos essas quatro décadas e qual o futuro do divórcio no Brasil.

Para se compreender o divórcio hoje e, portanto, compreender o casamento e a própria ideia de família, é importante considerar o contexto histórico do Direito de Família no Brasil: de uma sociedade patriarcal, marcada pela influência direta da Igreja Católica, para uma noção de família definida pelo afeto, fundada no respeito às liberdades individuais e na pluralidade, foi um longo percurso.

Esta trajetória está intimamente ligada à dissociação de Estado e Igreja, à conquista de direitos pelas mulheres e à proteção da infância na legislação brasileira.

A Constituição de 1988 promoveu uma verdadeira revolução: consagrou, dentre outros conceitos, o princípio da dignidade da pessoa humana, sepultando de uma vez por todas os resquícios do patriarcado, equiparando homens e mulheres em direitos e obrigações; acabou com a diferenciação entre filhos legítimos e ilegítimos, bem como reconheceu as famílias plurais, deixando o casamento de ser a única forma de constituir família.
De lá para cá, as transformações na sociedade e na legislação têm avançado exponencialmente na consolidação das liberdades individuais e para uma interferência cada vez menor do Estado na vida privada dos indivíduos.

Assim, o casamento hoje se justifica na medida em que estiverem presentes o afeto e o desejo de viver em conjunto. E nem se discute mais culpa pelo fim da relação, uma vez que não traz nenhuma repercussão objetiva no processo de divórcio: servia apenas para fomentar ressentimentos e desejos de vingança.
No entanto, ainda hoje, no momento de gerir impasses e discordâncias, somos lançados, famílias e profissionais, em direção a práticas arcaicas e anacrônicas que, na verdade, mais promovem o agravamento dos conflitos do que efetivamente os solucionam.

Não por acaso, o senso comum ainda associa o divórcio a disputas, brigas, desentendimentos e, no frigir dos ovos, a duras batalhas judiciais. E a presença dos advogados, em regra, não costuma trazer alívio, muito pelo contrário: é ainda percebida como ameaça pela outra parte.

Entretanto, diante de todos os avanços no Direito de Família e do novo contexto inaugurado pela Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, pela Lei de Mediação e pelo novo Código de Processo Civil, no que tange à promoção de formas adequadas de resolução de conflitos, essa associação imediata e distorcida não se justifica mais.

O pleno exercício das liberdades individuais garantidas pelos avanços do Direito de Família depende da possibilidade de exercer tais direitos sem causar destruição. Há um grande desejo por novas formas de conduzir os conflitos familiares. Mesmo quando ainda não vislumbram, em determinados momentos, saídas factíveis para as situações vivenciadas, a maioria esmagadora das famílias parece sinceramente querer alcançar uma solução equilibrada, que cuide dos filhos, preserve os recursos financeiros, e aponte para uma relação minimamente civilizada com aquele/a que continua a ser o pai ou a mãe dos seus filhos.
O divórcio colaborativo surge como uma interessantíssima opção para casais que estejam passando pelo desafio de combinar os termos deste novo ciclo de vida e de redesenhar a organização familiar de forma amigável. A proposta colaborativa consiste em uma abordagem extrajudicial, multidisciplinar e não adversarial do divórcio.

Extrajudicial porque todo o processo de resolução do conflito é trazido para a esfera privada, mantendo os clientes e os advogados no controle da situação, possibilitando que o processo se dê no tempo das pessoas e preservando sua autonomia. Recorre-se ao tribunal apenas para homologar os acordos quando a lei assim determinar.

Não adversarial na medida em que os advogados assinam um termo de não litigância, afastando por completo a possibilidade de representarem os mesmos clientes em um litígio judicial. O compromisso com a não litigância permite que os advogados passem a trabalhar em conjunto e complementaridade – e não mais em oposição –, unindo esforços para auxiliar seus clientes a alcançar um acordo que seja o melhor possível para todos os envolvidos. 

Multidisciplinar pela possibilidade de se trazer à mesa de negociação profissionais de outras especialidades, uma vez que se compreende e aceita que o divórcio é intrinsecamente complexo, com múltiplos aspectos (emocional, psicológico, financeiro, dentre outros), sendo o jurídico apenas um deles (muitas vezes, surpreendentemente, o mais simples).

Nestes 40 anos de história do divórcio no Brasil, muita coisa mudou. Já aprendemos – tanto na perspectiva das famílias, quanto na dos profissionais que lidam com elas – que processos litigiosos que envolvem questões familiares e afetivas são processos sem vencedores. Mais do que isso: todos perdem. As pessoas passam anos de suas vidas unidas pelo conflito, gastam parte expressiva de suas economias, não sendo raros os casos em que os filhos crescem em meio a intermináveis batalhas judiciais, comprometendo o seu pleno desenvolvimento e trazendo a pior das consequências: laços afetivos rompidos de maneira definitiva, muitas vezes por gerações.

E o advogado passa a ser visto como um importante aliado nesta empreitada: munido de novas habilidades negociais e de comunicação, exerce um papel fundamental na costura dos interesses e necessidades das pessoas envolvidas, e sua presença passa a ser celebrada pelas partes na medida em que estiver cada vez mais associada à efetiva resolução dos conflitos do que ao ajuizamento de processos.

O divórcio colaborativo é, sem dúvida, uma metodologia coerente com as demandas do nosso tempo. Além de estar em sintonia fina com as novas políticas públicas do Conselho NAcional de Justiça e com as leis brasileiras mais recentes, o divórcio colaborativo vai ao encontro dessa demanda reprimida – tanto por parte da sociedade, quanto dos profissionais que lidam com conflitos – por métodos mais eficazes e construtivos de gestão de controvérsias. 

A OAB/RJ foi a primeira seccional a criar uma comissão específica de Práticas Colaborativas e apoia o 1º Congresso Brasileiro de Práticas Colaborativas, a se realizar nos dias 9, 10 e 11 de novembro, com o tema 40 anos do divórcio no Brasil.
 
*Presidente da Comissão de Práticas Colaborativas da OAB/RJ, diretora executiva do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas (IBPC)

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