17/10/2017 - 12:59

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‘Problema d e ilegalidade na Amazônia é de falta de presença do Estado’ - Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil

17/10/2017 - 12:59

‘Problema d e ilegalidade na Amazônia é de falta de presença do Estado’ - Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil

O risco de que aconteçam ou tras tragédias como a que atingiu Mariana (MG) a partir do desmonte d o licenciamento ambiental, abrindo caminho para desmatamento e mineração ileg al na Amazônia e a exploração de seus recursos sem controle, tem mobilizado a sociedade civil, que em apenas três dias no final de agosto reuniu 600 mil assina turas contra a extinção de uma reserva mineral de 4,7 milhões de hectares ent re o Amapá e o Pará. Ambientalistas, artistas, líderes indígenas e população em g eral organizaram-se em diversas manifestações e o governo se viu obrigad o a recuar. Coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Marcio Astrini apont a a atuação de parlamentares ligados a grandes grupos econômicos em desfavor da preservação ambiental e diz que há suspeita de que o governo teria negociado votos para barrar denúncia contra o presidente Michel Temer em troca do afro uxamento da legislação: “É algo inominável”, critica.
 
PATRÍCIA NOLASCO
 
Um dos mais intrincados temas de interesse do país, a regulação para a concessão de licenças ambientais é alvo de enorme pressão sobre o Congresso pela bancada ruralista e mineradoras, de um lado, e ambientalistas, organizações da sociedade civil e artistas, de outro. Por que a proposta que cria a Lei Geral de Licenciamento é inconstitucional, como apontam o Greenpeace e diversas entidades?

Marcio Astrini – A revisão das regras do licenciamento ambiental ocorre sob um ambiente de muita tensão, pautada pela atuação de parlamentares que trabalham para fazer valer em lei benefícios a grupos econômicos de seus interesses, podendo trazer enormes prejuízos e riscos para o país. O texto é absolutamente desequilibrado, beneficia claramente alguns setores da economia, incita uma verdadeira guerra antiambiental entre os estados, enfraquece mecanismos de controle, possibilita a liberação da necessidade de licença para projetos com alto potencial poluidor e retira a participação de populações atingidas e de diversos órgãos da administração pública dos processos de aprovação do licenciamento, entre outros problemas.

Em recente nota técnica, o Ministério Público Federal, através dos procuradores da 4ª Câmara, declarou que o projeto contém diversos pontos de inconstitucionalidade, entre eles alguns dos acima citados, principalmente os trechos que retiram as salvaguardas de populações atingidas. Com isso, caso seja aprovado, irá aumentar a insegurança jurídica nesta área, o que também trará efeitos econômicos negativos, uma vez que crescerá o risco de negócios para novos empreendimentos e mesmo a disponibilidade ou os valores de crédito ofertados pelo mercado.

Evidentemente é preciso melhorar os ritos de licenciamento. Não há problema em modernizar a legislação que trata do tema. Porém, isso não pode ser feito sob a ótica de privilegiar setores e retroceder a proteção do meio ambiente e das populações que poderão ser afetadas.

Além disso, o texto não foi debatido com estudiosos da área ou com a sociedade. Tudo se dá em encontros de gabinetes onde o tom da discussão ocorre de forma política e não técnica. Já foram apresentados 13 textos diferentes, todos pautados por acordos cuja característica comum é o retrocesso da legislação ambiental e das salvaguardas sociais.

Há algumas semanas, o projeto foi subitamente remetido para o plenário, pulando o debate na comissão onde se encontrava. Suspeita-se que a pressa tenha relação com o encaminhamento das denúncias contra Michel Temer para a Câmara. O licenciamento entraria no pacote de negociações de votos contrários, em troca de sua aprovação. É algo inominável.

No caso da extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) – território similar ao do Espírito Santo –, por meio de decreto do Executivo suspenso pela Justiça e posteriormente revogado, alguns geólogos argumentam que há desinformação sobre a questão. A presença legal de mineradoras na Amazônia, segundo eles, inibe o avanço do garimpo ilegal e de outras atividades de maior impacto, como agropecuária e extração de madeira. É viável um entendimento capaz de proteger, de fato, a região?

Astrini – Com a extinção da Renca, o objetivo do governo nunca foi (e não é) o de proteger a floresta ou combater as ilegalidades que lá ocorrem. Neste caso da reserva, o foco sempre foi fazer negócios com as riquezas do subsolo amazônico. Tanto que o decreto foi uma surpresa para a população e até mesmo para os parlamentares, inclusive os da base aliada. Porém, seu conteúdo já era negociado e bem conhecido por boa parte do setor minerário. Cerca de seis meses antes de ser público, o decreto foi discutido com mineradoras em uma conferência do setor realizada no Canadá. Pouco tempo depois, foi debatido em um encontro na Fiesp e em um nova reunião com mineradoras nacionais. Só depois foi publicado. Quando questionado, o Ministério do Meio Ambiente deu um parecer contrário à abertura da área, temendo os impactos ambientais e o impulsionamento do desmatamento numa região intocada de floresta. O parecer foi solenemente ignorado.

Logo, a preocupação sempre foi puramente comercial. O problema de ilegalidade na Amazônia é impunidade, de falta de presença do Estado brasileiro, de falta de governança, e por muitas vezes também falta de interesse em acabar com os crimes que ocorrem na região. O governo está sugerindo passar a responsabilidade de combate ao crime ao setor privado? Não é a abertura de uma área para a iniciativa privada que irá acabar com o crime local. Essa lógica não passa de discurso para tentar enganar a plateia. Na Amazônia, cerca de 90% da extração de madeira ocorre na ilegalidade. O mesmo índice de ilegalidade vale para os milhares de quilômetros anuais de desmatamento, para o garimpo, para a grilagem de terras etc. A ilegalidade é a regra, e ela opera no vácuo da presença do Estado, e não no vácuo da presença da iniciativa privada.

O governo enviou ao Congresso o projeto de lei 8107/2017, que reduz a Floresta Nacional do Jamanxim (PA), transformando parte dela em área de proteção ambiental, que possui regras de exploração mais brandas. Os beneficiários seriam grandes ocupantes ilegais, e não pequenos posseiros, e estariam em risco um milhão de hectares de áreas protegidas. Caso passe pelo Legislativo, a questão será judicializada?

Astrini – Judicializar os atos inconsequentes deste governo parece que será um caminho rotineiro. Acabou de ocorrer com o envio de uma Adin contra a MP 759, a MP da Grilagem, e deverá seguir desta forma. Neste momento, o PL que reduz a Floresta Nacional do Jamanxim encontra-se em debate no Congresso. O governo o mandou sob rito de urgência constitucional, o que faz com que tenha prazos para ser votado ou começa a travar a pauta de plenário. Nisso tudo, um detalhe; o que justificaria caracterizar como “urgência constitucional” um projeto que reduz a proteção de uma área de floresta no Sul do Pará? E tudo isso num contexto no qual tivemos aumento dos índices de desmatamento em mais de 60% nos últimos dois anos. Isso soa como um desejo urgente de ceder às pressões locais, pressões estas que vêm principalmente de grileiros de terras e de madeireiros ilegais.

Vivemos uma situação muito perigosa, na qual o crime ambiental, a grilagem de terras, as máfias do desmatamento e os que apostaram na impunidade estão sendo beneficiados. Os sinais enviados de Brasília a quem opera ilegalmente na floresta é de que o crime compensa. O que antes era ilegal e arriscado tornou-se lei e está assegurado pelos que comandam o país. Poderemos enfrentar num futuro próximo uma enorme escalada do desmatamento. Na mesma via, os números das disputas violentas por terra já são uma triste realidade; segundo a Comissão Pastoral da Terra, este já é o ano mais violento e com maior número de assassinatos desde que foi iniciada a medição destes conflitos, em 1988.

O Brasil é signatário do Acordo de Paris, firmado entre 195 países para a redução de emissão de gases-estufa até 2030. O governo estaria caminhando na direção contrária ao compromisso assumido?

Astrini – Além dos problemas com Renca, Jamanxim e licenciamento, ainda temos a questão dos ataques aos direitos indígenas e suas terras, os ataques à outras unidades de conservação, a liberação desmedida de agrotóxicos, a venda de terras para estrangeiros e o fim do conceito de uso social da terra, entre outros. São muitos retrocessos que atentam contra boa parte da legislação ambiental. Certamente estamos caminhando na direção contrária ao que deveríamos fazer.

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