12/04/2017 - 10:40

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Quanto maior a restrição às armas, menores os índices de violência

12/04/2017 - 10:40

Quanto maior a restrição às armas, menores os índices de violência

BRENO MELARAGNO*
 
Existem no mundo diversas formas de políticas de controle de armas de fogo. Os países adotam diferentes modelos legais para lidar com a fabricação, circulação, comercialização, porte e uso delas. Podemos ver, num dos polos, o modelo legal inglês, altamente restritivo, em que até agentes da segurança pública têm grandes limitações para portar e mais ainda para empregar suas armas. Em outro polo estão, por exemplo, as legislações estaduais e federal dos Estados Unidos da América que, a exemplo do modelo da Suíça, adotam critérios extremamente permissivos em relação à fabricação, comércio e porte.

Fato é que até nos países que adotam o modelo legal permissivo existem normas jurídicas que regulam e que de alguma forma, mesmo que mínima, limitam as armas. Outro fato incontestável é que a maioria absoluta dos pesquisadores e especialistas no tema apontam para o seguinte sintoma: quanto maior a restrição, menores os índices de violência, suicídios e acidentes causados pelas armas de fogo. E a mesma lógica no sentido inverso também se aplica:quanto mais permissiva a legislação em relação ao acesso dos cidadãos a elas, maiores estes índices.
 
Não cabe aqui discorrer sobre os estudos científicos já realizados sobre o tema, mas vale a citação, para quem se interessar pelo assunto, do artigo Arma de fogo e segurança pública – A perspectiva de alguém que esteja de posse de uma arma atuar em legítima defesa no caso de um assalto é real ou meramente ilusória?, de Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e Rodrigo Moraes de Oliveira (Revista Textual, agosto de 2011). Nele, os autores brasileiros, com profundo conhecimento científico e acadêmico sobre o tema, dissecam as estatísticas brasileiras e estrangeiras (principalmente norte-americanas) para demonstrarem que, de fato, as armas de fogo para os cidadãos comuns não trazem a ilusória proteção; ao contrário, aumentam os riscos de mortes acidentais e violentas.

Armar a população para que ela se defenda de criminosos é uma ideia desastrosa, que colocará em grave risco as pessoas armadas e as demais que estiverem por perto. As próprias vítimas muito dificilmente terão o treinamento técnico adequado para empregar pistolas, fuzis etc. em legítima defesa. Por mais que se empreenda cursos preparatórios para que as pessoas comuns tenham capacidade física e psicológica para reagir da forma mais segura possível, com certeza a imensa maioria não terá esta condição. Diversas vítimas de assaltos serão mortas ao reagir sob a ilusão do empoderamento de portar um revólver. Além disso, se os índices de mortes por “balas perdidas” já são grandes em metrópoles brasileiras, em sua maioria vitimadas por policiais e delinquentes que costumam usá-las e por isso têm prática no emprego da armas em ações reais (no caso dos policiais, com treinamento formal), com certeza estes tristes índices disparariam se novo contingente da população puder ter acesso legal a armamentos.  

Armas de fogo em larga circulação na sociedade aumentam o risco de mortes banais, decorrentes de discussões acaloradas do cotidiano, principalmente das grandes cidades (no trânsito, nas relações familiares etc.). Vamos imaginar que parte significativa das brigas em casas noturnas com litigantes regados a álcool passasse a ter o ingrediente das armas de fogo. Vamos imaginar que, com a ampliação do acesso, parte maior das desavenças domésticas e familiares passasse a ter o emprego delas. Além da violência doméstica, mais revólveres, pistolas e até fuzis nas residências aumentariam o risco de acidentes nos lares, principalmente com crianças. Inúmeros são os casos de pais supostamente zelosos que por um descuido momentâneo proporcionaram acesso de crianças a um revólver, por exemplo. Os finais de casos assim costumam ser trágicos. Sem falar do aumento significativo do risco de suicídio. Pessoas em depressão patológica, cujos índices vêm aumentando na sociedade moderna e cujo risco de suicídio é comprovado pela medicina psiquiátrica, passariam a ter acesso a uma das formas mais pensadas nas ideias suicidas. Ainda dentro das patologias psiquiátricas, não é à toa que nos Estados Unidos tantos massacres ocorram praticados por pessoas com distúrbios psiquiátricos que, na maioria das vezes, provaram formalmente aptidão mental para ter e portar armas. Também não à toa, grande parte da sociedade norteamericana discute o amplo acesso a armamentos que lá vigora, mesmo dentro de uma cultura arraigada pela sua história, o que fez com que o presidente Barack Obama lutasse por restringi-las. Seguir o exemplo norte-americano seria, neste sentido, multiplicar os nossos trágicos casos, como o da escola de Realengo e o do cinema do Shopping Morumbi, em São Paulo. 

O professor de Harvard David Hemenway publicou pesquisa em 2015 na qual ouviu aqueles que ele e sua equipe da conceituada universidade norte-americana consideraram os melhores especialistas no tema. O resultado foi que para a imensa maioria a livre circulação de armas de fogo aumenta os riscos de suicídio (84%) e o de uma mulher ser vítima de homicídio em residência com arma (72%) –  e que torna o local mais perigoso do que seguro (64%). Há ainda consenso de que são muito mais usadas para crimes do que para autodefesa (73%) e que eventuais mudanças para leis mais permissivas não reduzem os índices de crimes (62%). Por fim, a maioria concorda que leis mais rígidas de porte reduzem os homicídios (71%).

Para além de impressões pessoais que temos sobre o assunto, resultantes de vivências próprias e reflexões destoadas de qualquer análise minimamente aprofundada ou científica, temos que dar ouvidos aos que se dedicam ao tema. Estes vêm batendo na mesma tecla: as estatísticas e estudos mostram que as armas não protegem o cidadão e que flexibilizar o porte legal somente aumentará as tragédias que há muito tempo já vivenciamos. Países que adotam o modelo permissivo têm uma razão histórica para isto, ao mesmo passo que, por consequência, neles a indústria de armamentos se tornou economicamente poderosa, tornando a população e alguns governos reféns das tragédias causadas pelas armas. Seria este o caminho que o Brasil deseja seguir? Temos que tomar consciência de que armar a população não protege o cidadão e que este caminho só aumentaria a violência no país. Já bastam as tragédias cotidianas que vivemos no Brasil.
 
*Professor de Direito Penal da PUC-Rio, presidente da Comissão de Segurança Pública e conselheiro da OAB/RJ

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