11/04/2017 - 12:12

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Torcida única é solução p ara violência no futebol?

11/04/2017 - 12:12

Torcida única é solução p ara violência no futebol?

É inadiável interromper a sucessão de tragédias

RODRIGO TERRA*

É do suíço Jean Piaget, um dos precursores da psicologia infantil, a definição da criação como o processo de imposição de limites: ‘educar é dizer não’.  A criança que faz pirraça porque o pai lhe nega o pedido de brincar com uma furadeira, por exemplo, pode não saber, mas é a negativa que certamente a protege de um acidente que poderia até matá-la.

 Assim como uma furadeira não é um brinquedo, mas atrai uma criança, o futebol, a modalidade esportiva mais popular do planeta, atrai milhares dispostos a torcer juntos com seus gritos, lágrimas, bandeiras e bumbos. Mas quando o encontro de torcidas degringola para o confronto em que a escalada desenfreada de violência causa mortes, não há como deixar de dizer não.

A torcida única é antipática, pois o justo paga pelo pecador. Mesmo que a maioria das principais praças Brasil afora tenha recorrido à medida extrema, mas efetiva, o Rio de Janeiro, sempre na vanguarda da transformação social, haverá de dispensá-la assim que se torne desnecessária. A prevenção é o melhor remédio e a receita quem dá é o próprio Estatuto do Torcedor.

 O aparecimento do Estatuto, ainda em 2003, foi uma forma de responder ao anseio pela supremacia da beleza do esporte sobre a violência gratuita. Diversas medidas foram imaginadas para emplacar a segurança do torcedor antes, durante e depois das partidas. Mas a vontade do legislador tem sido insuficiente para devolver os estádios aos torcedores e suas famílias.

As recentes ocorrências em que um tricolor levou uma barrada de ferro na cabeça pouco antes de outro torcedor perder a visão no mesmo confronto em que um botafoguense foi a vítima fatal de um espeto de churrasco soaram o alarme: é inadiável interromper a sucessão de tragédias para, então, promover o grande evento adequadamente planejado. 

Para isto, será necessário dar vida à letra da lei que prevê como direito do torcedor a implementação de planos de ação referentes à segurança. Todos os prestadores de serviço envolvidos na competição, assim como os órgãos responsáveis pela segurança pública, deverão, antes do início da competição, ter planejado a logística de segurança para cada um dos seus jogos.

 Data, hora e local, expectativa de público, capacidade de público do estádio em que a partida será disputada, bloqueio e inversão de mão de vias públicas e distribuição de vagas de estacionamento, entre outras, são medidas capazes de controlar e, sobretudo, facilitar o acesso e a dispersão das multidões que acorrem ao estádio e, assim, garantir a segurança de todos.

Nada disso seria possível neste momento, quando nem mesmo para a definição da tabela a polícia é consultada. O resultado é inaceitável: a semifinal do campeonato estadual, por exemplo, teve de disputar o efetivo da PMERJ com o sábado de carnaval no Rio de Janeiro.

Nenhuma lei, entretanto, por melhor que seja, tem o poder de, num passe de mágica, transformar a realidade. A torcida única diz um sonoro não à violência do confronto entre as organizadas, mas compromete a beleza do espetáculo desportivo. Até que a prestação do serviço priorize a segurança, nenhuma vida poderá justificar a celebração de um gol.        
 
*Promotor de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro

É que nem a piada: tirar o sofá não adianta

MARCOS ALVITO*
 
Imaginem a cena. Inglaterra. Idade Média. Duas aldeias se batendo em um campo aberto. Centenas de camponeses de cada lado, tentando levar uma bexiga de animal inflada de ar até a aldeia adversária onde o objetivo (goal) alcançado era celebrado de maneira ruidosa, violenta e destrutiva. Era algo que ocorria uma vez por ano, normalmente na terça-feira gorda. Os óbitos eram tão comuns que os legistas já assinalavam: “Death by football”. Este jogo selvagem e descontrolado é transformado em esporte nas escolas secundárias de elite no Século 19, por diretores que tentavam canalizar e conter a violência dos seus alunos. Depois é regrado e codificado, cria-se uma federação, uma liga, campeonatos. Sua popularidade explode junto à classe operária britânica e em seguida é difundido em todo o mundo no bojo do império inglês e de sua influência cultural planetária.

Desde a sua origem, o futebol é um jogo de confronto, de oposição binária. Sua força, sua capacidade de expressar identidades, residiu neste caráter de contraste, de enfrentamento, bem próximo da guerra, já que a dinâmica da partida inclui a conquista de território e a invasão do reduto mais sagrado do adversário, aquilo que chamamos comumente de gol. Mas o confronto esportivo tem um caráter simbólico e não literal. Para o sociólogo alemão Norbert Elias, o futebol seria o exemplo de uma busca da excitação e de um descontrole regrado em sociedades marcadas exatamente por um grande controle social, que exige do indivíduo um comportamento extremamente contido, barrando as expressões emocionais mais abertas e ferozes. Quando há pessoas que não conseguem participar do esporte na sua dimensão simbólica e tomam o confronto no seu sentido literal, vendo os rivais como inimigos e partindo para o enfrentamento direto, físico e violento, o problema não está no esporte. Está na sociedade.

Jogos com torcida única? É que nem a piada: tirar o sofá não adianta. Mudar a violência das torcidas de lugar também não. Estes grupos continuarão se engalfinhando em estações de trem, metrô, nas praças e ruas, em invasões às sedes das torcidas adversárias e até na Lua, se houver transporte. Do ponto de vista da segurança pública, isto seria um pesadelo, pois se há como policiar razoavelmente o entorno de um estádio, como fazê-lo com toda a cidade? De quebra, isto seria a morte do futebol, alimentado, como sempre foi, pela rivalidade sadia, pelas oposições raivosas mas não violentas. Não há um só grande clube que não tenha um grande rival. A rivalidade é a chave.

O que fazer? O percentual de jovens das torcidas que efetivamente participam de atos violentos é menor do que 5%. A polícia bate muito e nada investiga. Na Inglaterra, a ênfase está na identificação dos torcedores mais violentos, seguida da coleta de provas contra eles, para tirá-los de circulação. Que tipo de sociedade produz grupos de jovens dispostos a se baterem contra outros jovens como uma espécie de esporte radical? Esta é a pergunta que tem que ser feita.
 
* Historiador e antropólogo, autor do livro A Rainha de chuteiras: um ano de futebol na Inglaterra (Apicuri Editora, 2014)

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