17/08/2017 - 13:07

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Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra: Reforma Trabalhista: ‘Lei traz poucos avanços no particular e, no contraponto, retrocessos muito sérios’

17/08/2017 - 13:07

Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra: Reforma Trabalhista: ‘Lei traz poucos avanços no particular e, no contraponto, retrocessos muito sérios’

A Lei 13.467/17, que altera a CLT e entrará em vigor em novembro, contém inconstitucionalidades em vários de seus dispositivos e deverá trazer insegurança jurídica e aumento de demandas na Justiça do Trabalho. Esta é a opinião do presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Guilherme Feliciano. “Há ali algumas novidades que não pertenciam sequer ao espaço de discussão dos juristas no campo do Direito do Trabalho. Figuras como o autônomo exclusivo, as comissões de representantes dos trabalhadores nas empresas, o teletrabalho e o trabalho intermitente”, exemplifica Feliciano, que prevê ainda, ao contrário dos defensores da reforma, mais ações de indenização por dano moral.
 
PATRÍCIA NOLASCO

Para os defensores da reforma que entra em vigor em novembro, as novas regras propiciarão a redução de litígios, melhorando a segurança jurídica e abrindo espaço para mais contratações. Essa expectativa é razoável?

Guilherme Feliciano – Não é razoável. Ao contrário, o que provavelmente vai acontecer, especialmente a partir do segundo ou terceiro ano de vigência da Lei 13.467/17, é um aumento das demandas na Justiça do Trabalho e do grau de insegurança jurídica. A chamada reforma trabalhista promoveu inflexões muito drásticas no que era o Direito do Trabalho aplicado no Brasil desde a década de 30 do século passado, e raramente para melhor, mesmo do ponto de vista estritamente técnico-jurídico. Há ali algumas novidades que não pertenciam sequer ao espaço de discussão dos juristas no campo do Direito do Trabalho. Figuras como o autônomo exclusivo, as comissões de representantes dos trabalhadores nas empresas, o teletrabalho, o trabalho intermitente. Tudo isso suscitará um grande debate, primeiro sobre a constitucionalidade ou não de inúmeras passagens da lei e, depois, virá a questão da própria interpretação desses preceitos, qual é o seu exato sentido e alcance, e isto será um desafio para a Justiça do Trabalho em todas as instâncias.

Na sua opinião, permanecem no texto da reforma inconstitucionalidades que deverão ser alvos de posterior apreciação no Supremo Tribunal Federal? Quais os pontos mais problemáticos?

Feliciano – Há diversas inconstitucionalidades que resistiram à tramitação legislativa e não foram objeto de veto jurídico pelo presidente da República, apesar do pedido de veto apresentado pela Anamatra e pela ANPT [Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho], de modo que agora restará ao Judiciário Trabalhista aferir a constitucionalidade em cada preceito trazido pela Lei 13.467/17. Isto poderá chegar ao STF, primeiro por controle difuso, e aí terá de passar antes pelos TRTs e pelo TST. Ou poderá chegar diretamente ao Supremo no chamado controle concentrado de constitucionalidade, na medida em que várias entidades têm legitimidade constitucional para propor ADI e poderão decidir exercê-la. Diante da controvérsia que deve se instaurar em primeiro grau, a própria AGU [Advocacia Geral da União] poderá ajuizar uma ação declaratória de constitucionalidade. Alguns exemplos de inconstitucionalidades: a) a jornada 12x36 por acordo individual. A Constituição, no artigo 7º, é expressa ao dizer que, para flexibilização da jornada, há que se ter, necessariamente, negociação coletiva. A nova lei fala em acordo individual, o que viola o texto; b) a lei prevê um modelo de tarifação das indenizações por danos extrapatrimoniais que o STF já havia julgado inconstitucional em relação à antiga Lei de Imprensa. Em primeiro lugar, esse texto viola a isonomia, na medida em que a lei vincula as indenizações aos salários contratuais dos trabalhadores. E, em segundo lugar, atenta contra a livre convicção motivada do juiz, que deve apreciar caso a caso qual a compensação adequada para o dano sofrido; e c) a prevalência “ampliada” do negociado sobre o legislado. A Constituição prevê apenas três hipóteses de flexibilização possível para patamares inferiores ao da lei, mediante compensações e por negociação coletiva: jornada, salário e turnos ininterruptos de revezamento. O artigo 611A insere uma série de outras possibilidades, sem previsão constitucional.
A chamada febre de ações de indenizações por dano moral, citada em argumentos pró-reforma, é de fato um problema que será sanado?

Feliciano – De modo algum. A continuar valendo essa tarifação das indenizações por dano extrapatrimonial – uma das passagens mais inconstitucionais do texto sancionado –, a única limitação que haverá para os trabalhadores lesados será o valor; mas, até mesmo em função dessa tarifação, e por serem valores muitas vezes baixos em relação à média verificada em outros ramos do Judiciário, é previsível que esses pedidos, inclusive, aumentem, na medida em que qualquer ilícito trabalhista poderá ser apresentado como hipótese de violação daqueles valores extrapatrimoniais que a lei elenca, optando-se por uma faixa indenizatória mais “baixa”. A tarifação que mediocriza também banaliza.

O senhor tem defendido o fim da unicidade sindical como um passo necessário para que a prevalência do negociado sobre o legislado não seja desastrosa para a representação do trabalhador. E agora, o que espera?

Feliciano – Na medida em que nós temos 17 mil sindicatos e, desses, a metade jamais celebrou um acordo ou uma convenção coletiva de trabalho, evidentemente há algo errado na organização sindical brasileira. A lei só deveria empoderar o sindicato a partir do momento em que o reconstruísse sobre bases que lhe garantam sustentação política e econômica, com autonomia em relação ao Estado, e plena legitimidade em relação aos seus representados; e não é isso que se vê hoje. Talvez por medida provisória o presidente da República preveja a supressão progressiva e, ao mesmo tempo, trate das novas formas de financiamento dos sindicatos. Se isso for bem feito, será bom.

Diante de um mercado de trabalho cada vez mais fragmentado, alto nível de desemprego e trabalhadores desorganizados, o Judiciário trabalhista no Brasil tem instrumentos para promover a justiça e proteger direitos?

Feliciano – O Judiciário trabalhista tem magistrados que estão dedicados a promover a justiça social, a realizar com equilíbrio o equacionamento dos conflitos entre capital e trabalho e a fazer valer os direitos sociais fundamentais previstos na Constituição. Há uma magistratura talhada para isto, preparada para esse desafio e disposta a cumprir sua missão constitucional. Já quanto ao processo do trabalho, eu não posso dizer que as modificações realizadas sejam ideais para dar conta desta missão. A lei traz poucos avanços no particular; e, no contraponto, traz retrocessos muitos sérios que comprometem o próprio acesso à Justiça, o que nos devolve à segunda questão: são hipóteses de provável inconstitucionalidade. Por exemplo, só na Justiça do Trabalho aquele que é beneficiário da Justiça gratuita poderá ter de suportar custas, despesas periciais e honorários de sucumbência recíproca, embora o juiz o declare pobre. E apenas na Justiça do Trabalho haverá um teto que corresponderá a 40% do benefício máximo do Regime Geral da Previdência Social para que o juiz possa declarar a hipossuficiência econômica da parte. Há uma série de limitações processuais que, na prática, significarão um desestímulo para que o trabalhador ingresse com a sua reclamatória; isto acabará sendo apreciado pelo juiz do Trabalho na perspectiva da garantia constitucional do pleno acesso à Justiça. Por outro lado, tramitam no Congresso Nacional propostas que podem realmente diminuir o número de ações trabalhistas e melhorar o quadro processual atual. Uma dessas, sugerida pela Anamatra, é a ação promocional trabalhista, que traduz a internalização, para o Direito processual trabalhista brasileiro, da class action norte-americana, com alguns ajustes. Por esse instrumento, que tramita hoje no Senado Federal (PLS 552/15), um trabalhador que reclame um direito social fundamental na perspectiva individual poderá ver sua ação, a partir de uma decisão fundamentada do juiz, estendida a todo o coletivo de trabalhadores que padecem da mesma lesão. Isto, sim, ajudaria a Justiça do Trabalho a promover, de modo efetivo, amplo e seguro, a justiça social.

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