17/08/2017 - 13:50

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Segurança alimentar e nutricional

17/08/2017 - 13:50

Segurança alimentar e nutricional

Da proteção do consumidor à democracia participativa

FREDERICO PRICE GRECHI*
O novo Direito Agrário é caracterizado pela sua multifuncionalidade, albergando, entre outras, a dimensão do Direito Agroalimentar que, sob a perspectiva da segurança alimentar, permite um importante diálogo com outros ramos do Direito, sobretudo, com o  Direito do Consumidor e o  Direito da Cidade, com vistas à distribuição  e o acesso  de alimento s em quantidade e em qualidade adequados, desde a sua produção até o seu consumo  final. Portanto, a atividade agrária  rural e urbana  deve  estar atenta  à chamada segurança alimentar e nutricional que se dá pela estabilidade no país da produção de alimentos para a população. 

Com efeito, o preâmbulo da parte A, da Constituição da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), já expressava sua preocupação com a alimentação como instrumento de combate e eliminação da fome mundial, nos seguintes termos: “As nações que aceitam esta Constituição, decididas a promover o bem estar geral pelo estímulo a medidas individuais e coletivas com o propósito de: (i) elevar os níveis de nutrição e padrões de vida dos povos sob suas respectivas jurisdições; (ii) aumentar a eficiência da produção e distribuição de todo os produtos alimentícios e agrícolas; (iii) melhorar a condição das populações rurais; (iv) contribuir, assim, para a expansão da economia mundial”. 

O Decreto 7.752, de 2012, promulgou a Constituição da FAO.  Foi a última etapa o seu ingresso na ordem jurídica interna, assegurando-se, assim, a  executoriedade  do ato internacional que, a partir de então, passa a vincular e obrigar no plano do direito positivo interno.

No Brasil, a Emenda Constitucional 64, de 2010, incluiu o direito à alimentação no rol do art. 6º da CF/88, introduzindo-o na categoria de direito fundamental social.

Não obstante, este direito já era inferido, anteriormente, como uma extensão do direito à vida, que, por sua vez, encontra guarida no caput, do art. 5º da CF/88, bem como da própria norma de sobredireito da dignidade da pessoa humana (integridade física e saúde básica), vetor axiológico de todo ordenamento jurídico, assegurado no inciso III, do art. 1º da CF/88.   

Outrossim, o preceito constitucional contido no art. 196 da CF/88 também confere fundamento à alimentação como elemento indispensável à saúde, proferida como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviço para sua promoção, proteção e recuperação.

É impositiva a compreensão integrativa da disponibilidade quantitativa de bens alimentícios com a dimensão de qualidade dos alimentos revelada numa perspectiva ambiental, por meio da expressão “sadia qualidade de vida”, prevista no  caput  do art. 225 da CF/88. A propósito da ligação da ideia da alimentação qualitativa ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia qualidade de vida, pontifica Mérces da Silva Nunes que “a Constituição Federal de 1988 dispõe no artigo 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presente e futuras gerações, o que significa dizer que o conteúdo do direito à sadia qualidade de vida deve ser tal que possibilite ao seu titular usufruir do bem estar físico, psíquico e social com segurança de pleno acesso às informações e prestações do Estado e da sociedade, apropriados a proporcionar-lhe padrões adequados de alimentação, habitação, saneamento, condições razoáveis de trabalho, educação integral e continua, ambiente físico e equilibrado, apoio social, quando em estado de necessidade e um rol de serviços de prevenção e recuperação da saúde”.  

Embora as expressões “qualidade de vida” e “segurança alimentar” sejam conceitos indeterminados sob o ponto de vista jurídico – e, portanto, dinâmicos e mutáveis em vista do desenvolvimento da sociedade e da alteração dos padrões de consumo –, é preciso estabelecer um conjunto de fatores (ações e instrumentos) que servirá de balizamento para um padrão mínimo que constituirá o seu núcleo central.

A Lei 11.346, de 15 de setembro de 2006, criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e nutricional (Sisan) visando a assegurar o direito humano à alimentação adequada, inerente à dignidade da pessoa humana (art. 2º), mediante adoção de políticas e ações que levarão em conta as dimensões ambientais, culturais, econômicas, sociais e regionais. Consiste a segurança alimentar e nutricional na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.  

Também deve o poder público garantir mecanismos para exigibilidade de informar, monitorar, prover, proteger, respeitar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação adequada (art. 3º). Nesse sentido, cumpre assinalar que o transporte de alimentos, a distribuição e o abastecimento do mercado consumidor (art. 23, VIII, da CF/88) estão contidos na ideia de produção alimentar, que também compreende a sua colheita e a armazenagem.

Sucede que a distância entre o local de produção do alimento e o local da oferta ao consumidor é por vezes ampla, exigindo um mecanismo adequado de informação (conteúdo) ao consumidor para o exercício dos seus direitos básicos à saúde e de escolha (arts. 6º, II, III, 30 e 31, da Lei 8.078/90), considerando as características do produto alimentar, desde a sua produção até a sua distribuição.

Este instrumento aplicado à serviço da segurança alimentar denomina-se rastreabilidade. Trata-se de mecanismo de tutela preventiva fundamental do consumidor em países com um extenso território como o Brasil e diante da globalização dos mercados comerciais.

Para tanto, é necessária a articulação entre os poderes públicos das unidades da Federação, dos produtores, dos fornecedores e dos consumidores na implementação do sistema de rastreamento integrado e colaborativo, contendo informações adequadas acerca da cadeia alimentar, alcançando, especialmente, as centrais de abastecimento, redes de mercados e supermercados.  

Entendemos que o Brasil deveria adotar o sistema de rastreabilidade obrigatório dos alimentos (arts. 6º, II, III, 30 e 31, da Lei 8.078/90; arts. 2º e 3° da Lei 11.346/2006), tanto na sua implementação como na sua fiscalização.

Nesse contexto, é imprescindível o fortalecimento da Frente Parlamentar da Segurança Alimentar e Nutricional em todos os níveis (União, estados, Distrito Federal e municípios) com o escopo de viabilizar um amplo espaço democrático e participativo de discussão de novas propostas legislativas, com vistas ao efetivo e regular acesso de todos os brasileiros à alimentação, conforme preconizado na Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional.

O Rio de Janeiro deu um grande passo no dia 26/06/2017, quando se deu a abertura dos trabalhos da Frente Parlamentar da Segurança Alimentar e da Agricultura Urbana na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, formada por 28 vereadores, com o objetivo de discutir estratégias para assegurar aos cariocas o acesso permanente e regular a alimentos de qualidade em quantidade suficiente, observadas práticas alimentares promotoras da saúde, promovendo, a um só tempo, a diversidade cultural e a sustentabilidade ambiental, econômica e social.
 
*Presidente da Comissão de Direito Agrário  da OAB/RJ,  pós-doutor em Direito pela Uerj, professor da ESA/RJ e do Ibmec
 

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