19/11/2014 - 12:09

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Amplitude e limites do poder do Supremo

19/11/2014 - 12:09

Amplitude e limites do poder do Supremo

As perspectivas para o futuro do Supremo Tribunal Federal (STF) foram debatidas por acadêmicos e advogados no painel 3, dia 20. “Não há corte constitucional no mundo que seja mais forte do que o STF”, afirmou o professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Alexandre de Moraes.

“Não há dúvida de que o STF, seja pelo texto original, seja pelas alterações [na Constituição], transformou-se num verdadeiro poder moderador no Brasil”, disse ele, ressaltando que o campo de ação do Supremo foi significativamente ampliado após a promulgação da Constituição de 1988.  Para Moraes, há um grave risco de esse poder moderador transformar-se em interventor, obrigando, por exemplo, o Congresso a legislar em casos em que uma ausência de regulamentação impossibilita o exercício de direitos garantidos pela Carta. “A omissão é muitas vezes uma decisão política [dos legisladores]”, frisou. 

Moraes não foi o único a problematizar o poder do STF.  O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Diego Werneck questionou as indicações dos ministros, feita pelo presidente da República com a aprovação do Senado.  Werneck criticou o fato de os ministros não terem mandatos, o que permite que se mantenham no cargo até o limite da aposentadoria compulsória. “Por que não adotar mandatos fixos no STF?”, indagou, sugerindo que a mudança propiciaria a renovação da corte. 

O procurador do Estado do Rio de Janeiro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Gustavo Binenbojm, manifestou preocupação com a teoria do constitucionalismo popular, que ganha força em países como Canadá e Inglaterra e que, segundo ele, põe em xeque a legitimidade das cortes constitucionais e defende uma série de medidas que resultariam em seu enfraquecimento.  A teoria questiona, por exemplo, os fatos de os juízes não serem eleitos pelo povo e de não haver procedimentos periódicos que legitimem sua permanência nos cargos.

“O que esse movimento preconiza é a ideia de que deve existir revisão legislativa e administrativa a posteriori das decisões judiciais”. Segundo Binenbojm, trata-se de “uma importação acrítica de modelos de comunidades britânicas”. Por essa teoria, o Congresso poderia submeter a consulta popular uma decisão tomada pelo STF.  “Seria enfraquecer o Supremo para fortalecer um Executivo já muito forte”, acrescentou. “É preciso democratizar na medida do possível, mas isso não pode representar um risco institucional, que nenhum de nós está disposto a correr”.

O painel contou com uma rápida participação do ministro do STF Gilmar Mendes. Ele tratou dos efeitos positivos e negativos da repercussão geral, instrumento processual inserido na Carta, por meio da Emenda Constitucional 45, com o objetivo de possibilitar que a corte selecione os recursos extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica.  “A Constituição de 1988 foi extremamente otimista quando aprovou o recurso extraordinário sem qualquer ressalva. (...) Nos anos 2000 atingiu-se uma cifra de cem mil processos. Eram os recursos extraordinários e agravos de instrumento”, explicou Mendes, para justificar o reconhecimento da repercussão geral. Apesar de a repercussão geral servir para agilizar o trabalho da corte,  o ministro admitiu problemas. “Há muitos casos de repercussão geral reconhecida, mas sem apreciação do mérito”. Segundo ele, 60% dos casos não foram julgados.
 
Remédios constitucionais para garantia de direitos
Omissões da legislação, abusos de autoridade do Judiciário e a falta de garantia para direitos não regulamentados não são males sem cura.  Às vezes a solução para esses problemas estão nos chamados Remédios constitucionais, tema do painel 4. A legitimidade do STF para estabelecer normas na falta de parâmetros previstos em lei foi um dos assuntos mais debatidos na mesa presidida pelo ex-ministro da Justiça Bernardo Cabral. Os palestrantes também teceram considerações sobre o imenso número de recursos de habeas corpus que chegam aos tribunais superiores.

O ministro do STF Teori Zavascki reconheceu que constantemente criam-se conflitos entre o Judiciário e o Legislativo por conta de casos omissos na legislação. Ele citou o exemplo da regulação das relações homoafetivas, reconhecidas pela corte, mas até hoje sem uma deliberação do Congresso. Mesmo que obstáculos políticos impeçam parlamentares de votar projetos sobre o tema, os ministros buscaram na Constituição a base para assegurar a uma minoria os benefícios já assegurados aos casais heterossexuais, observou Zavascki. De acordo com o ministro, até o juiz de primeira instância precisa interpretar a lei e inevitavelmente criar normas quando julga os casos concretos. 

O professor de Direito Constitucional Eduardo Furtado de Mendonça ressaltou, por sua vez, que a própria Carta já assegura ao STF a prerrogativa de preencher as lacunas nas leis. Os instrumentos do mandado de injunção e as ações diretas de inconstitucionalidade visam a solucionar as eventuais omissões ou conflitos legislativos, observou. Segundo Mendonça, o fato, muitas vezes criticado, de o Judiciário “legislar”, acaba forçando os parlamentares a deliberar. Ele citou o exemplo da chamada Lei da Ficha Limpa.

Outro tema tratado foi o grande número de habeas corpus impetrados nas cortes superiores. Citando estudo do professor da Fundação Getúlio Vargas Thiago Bottino, o jurista Miguel Reale Júnior ressaltou que, só em 2013, o STJ julgou 31 mil pedidos, enquanto o STF apreciou cinco mil recursos do tipo. Reale defendeu um entendimento entre ministros, desembargadores e juízes para que esse número seja reduzido.

O ministro do Supremo Rogério Schietti também defendeu uma redução no volume de pedidos de habeas corpus que entravam os tribunais em Brasília. Ele destacou que já passaram pelo STJ mais de 300 mil recursos do tipo.

O conselheiro federal da OAB Fernando Santana Rocha abordou o direito de defesa dos réus como um fator essencial do Estado de Direito. Ele sustentou que as alegações dos litigantes e dos acusados sejam levadas em conta nas sentenças. Membro do Ministério Público do Rio de Janeiro, Emerson Garcia explorou novos instrumentos de “remédios constitucionais” ainda pouco difundidos, que são as ações populares e as ações civis públicas. Ambas visam a garantia de direitos coletivos e são armas da sociedade que podem não só preservar o patrimônio histórico e o meio ambiente, como se garantir a moralidade administrativa, observou.

O professor da Fundação Getúlio Vargas Joaquim Falcão apresentou alguns resultados sobre pesquisa em que reúne um conjunto de dados do STF, revelando, entre outras informações, que a corte teve uma queda de 42% no tempo para decidir sobre liminares. Já o presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, Valmir Pontes Filho, falou sobre a relação do STF com a Ordem, lembrando momentos de aproximação – como a confirmação da constitucionalidade do Exame da Ordem – e de afastamento.

José Afonso da Silva, aclamado por sua importância no campo do Direito Constitucional, lamentou o fato de o STF não se deter somente aos temas constitucionais, afirmando que o Supremo não pode ser considerado uma corte constitucional  segundo parâmetros europeus. “Uma corte constitucional do tipo europeu não pode contaminar-se pelo método difuso de controle de constitucionalidade”, pontuou.

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