19/11/2014 - 11:46

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Antônio Augusto de Queiroz ‘Novo Congresso, o mais conservador em 30 anos’

19/11/2014 - 11:46

Antônio Augusto de Queiroz ‘Novo Congresso, o mais conservador em 30 anos’

O Congresso Nacional que assumirá em fevereiro de 2015 é o mais conservador dos 30 anos passados desde a redemocratização brasileira. Esta é a avaliação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), entidade fundada em 1983 por iniciativa do advogado trabalhista Ulisses Riedel, hoje constituída por cerca de 900 entidades sindicais. Pautas sensíveis na área dos direitos humanos, como união homoafetiva e descriminalização do aborto, dificilmente avançarão. Redução da maioridade penal e desmonte do Estatuto do Desarmamento, agendas das bancadas conservadoras e ligadas à indústria de armas, podem prosperar. E será muito difícil fazer frente às propostas empresariais de redução dos direitos trabalhistas. É o que explica nesta entrevista o analista político do Diap Antônio Augusto de Queiroz.
 
PATRÍCIA NOLASCO
De acordo com análise do Diap, o futuro Congresso Nacional será muito mais conservador que o atual, incluídas todas as legislaturas desde a redemocratização do país. Por favor, explique essa avaliação.

Antônio Queiroz
– A explicação é aparentemente simples: a) os partidos de esquerda e centro-esquerda perderam algo como 60 parlamentares para os partidos de centro-direita e direita; b) os partidos de centro-direita e direita foram reforçados com quadros conservadores; c) a bancada evangélica aumentou muito e veio com disposição para contestar pautas como: relação homoafetiva, descriminalização do aborto, maconha, células tronco etc.; d) a bancada de segurança cresceu e os eleitos pretendem reduzir a maioridade penal, desmontar o Estatuto do Desarmamento e aumentar as penas de reclusão; e) a bancada sindical, que defende os trabalhadores, diminuiu e a bancada empresarial cresceu; f) defensores dos direitos humanos; como Nilmário Miranda (PT/MG), ex-secretário nacional de Direitos Humanos; Iriny Lopes (PT/ES), ex-secretária nacional de Políticas para a Mulher; Domingos Dutra (SD/MA), que enfrentou o pastor Marco Feliciano; Janete Pietá (PT/SP), entre outros, não foram eleitos; e g) a bancada do agronegócio cresceu e os defensores do meio ambiente sofreram redução, com a não eleição, por exemplo, do presidente do PV, José Luiz Penna (SP). Em síntese, esse é o retrato do novo Congresso, certamente o mais conservador desde a redemocratização.
 
Nessa perspectiva, é previsível que haja retrocesso no debate de temas como redução da maioridade penal, casamento entre pessoas do mesmo sexo e descriminalização das drogas – muito abordados na campanha eleitoral?
Queiroz –
No debate, a correlação de forças é absolutamente desigual. De um lado estarão Jean Wyllys (PSOL/RJ) e Érica Kokai (PT/DF) liderando o grupo favorável ao avanço na pauta de direitos humanos e, de outro, os integrantes das bancadas evangélica e de segurança, além de outros conservadores sem vinculação formal. Do ponto de vista do que já foi conquistado, no melhor cenário, fica como está.
          
O Congresso eleito estaria, de acordo com o levantamento do Diap, na contramão das bandeiras levantadas nos protestos de 2013 – saúde, educação e transporte de qualidade, fim da corrupção?
Queiroz –
Realmente, as manifestações de rua pediam mais Estado, mais serviços públicos, mais direitos. Em lugar disso, vieram algumas bancadas que, em lugar de direitos humanos e sociais, sugerem o aumento de pena e pancada. Quando o ambiente é despolitizado, com a desqualificação das instituições, dos agentes públicos, dos governantes e da própria política, abre-se oportunidade para toda sorte de extremistas, populistas e messiânicos. Esse pessoal, com um discurso contra tudo o que está aí, leia-se, contra a corrupção e a degradação moral, contra a proteção a terroristas, em defesa das famílias etc.; conquista votos de pessoas bem intencionadas, mas sem informação sobre os interesses que eles defendem. O ódio a determinados partidos ou determinadas formas de pensar cega as pessoas.

Quanto à renovação, registre-se que 46,79% dos deputados federais e 22 dos 27 senadores cujo mandato vence em fevereiro próximo são novos, ou seja, houve renovação de 46,79% e 81,48% em relação às 27 vagas em disputa no Senado. Entretanto, esta renovação, como se viu na síntese acima, não foi qualitativa. Na verdade, houve uma circulação no poder com a chegada ao Congresso de ex-ministros, ex-governadores, ex-secretários, ex-prefeitos ou ex-vereadores e os novos ou: a) são portadores de sobrenome conhecido, ou seja, pela relação de parentesco, b) são endinheirados, c) são pastores evangélicos, d) policiais defensores da redução da maior idade penal e da obrigatoriedade da cadeia em substituição às penas alternativas, e) apresentadores de programas na área de segurança ou f) celebridades.
 
A redução da bancada ligada a sindicatos poderá favorecer o avanço de propostas de redução dos direitos trabalhistas?
Queiroz
– Esse é um dos principais problemas da próxima legislatura. Houve redução da bancada sindical, aumento da empresarial, e o governo não tem margem fiscal para continuar com a política de incentivos, renúncias e subsídios, como a desoneração da folha. E certamente o setor empresarial irá procurar reduzir custos, manter seus lucros e melhorar a competitividade em cima da redução, flexibilização ou eliminação de direitos. A Confederação Nacional da Indústria já elaborou uma pauta com 101 proposições com esse objetivo. Ou seja, a bancada sindical ficou menor no momento em que os trabalhadores mais a necessitam grande e representativa. Afinal, cabe a ela dar sustentação às lutas dos trabalhadores, fazer o enfrentamento à investida empresarial sobre direitos sociais, promover a defesa dos direitos trabalhistas e previdenciários, fazer a mediação de conflitos entre trabalhadores e empregadores e promover a intermediação dos pleitos da classe trabalhadora junto ao governo.
 
O que esperar da reforma política, pauta sempre presente e que pouco avança?
Queiroz –
Com o crescimento do número de partidos, de 22 para 28, com representação no Congresso, dificilmente prosperará qualquer reforma política profunda, que coloque em risco o status quo. Temas com maior consenso na sociedade, como o fim das coligações – responsável por essa proliferação de partidos –, sofrem exigência de alteração no texto constitucional mediante quórum qualificado de três quintos. E os que podem ser alterados por lei ordinária, como o financiamento de campanha e o fechamento da lista partidária, são muito polêmicos para reunir votos suficientes para aprová-las. Só com uma assembleia constituinte exclusiva ou um plebiscito com perguntas muito bem definidas, além de apoio incondicional do governo e forte pressão da sociedade, e, ainda assim, com generosas regras de transição é que seria possível aprovar uma reforma política digna desse nome.

O que, eventualmente, pode acontecer, e ainda assim, por força de decisão do Supremo Tribunal Federal, é o fim do financiamento de campanha por empresas. Parece pouco, mas é muito importante. Esta forma de financiamento distorce a vontade dos eleitores e torna desigual a disputa.

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