03/08/2018 - 21:03

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‘Deixar que faculdades chancelem a profissão de advogado é pôr raposa para cuidar do galinheiro’

03/08/2018 - 21:03

‘Deixar que faculdades chancelem a profissão de advogado é pôr raposa para cuidar do galinheiro’

Miguel Reale Júnior

Depois de rejeitada em primeira e segunda instâncias, a arguição de inconstitucionalidade do Exame de Ordem chegou ao Supremo. O parecer do Ministério Público Federal (MPF) é por sua acolhida, sob o argumento de que a prova limita um mercado de trabalho já saturado. O MPF propõe, ainda, que os núcleos de prática forense das faculdades, mediante supervisão da OAB, voltem a ser os responsáveis pela chancela à profissão de advogado. Para o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, trata-se de um “faz de contas”. “Nenhuma faculdade irá considerar um seu aluno nestas condições inapto para a advocacia. Atribuir às próprias faculdades a tarefa de aprovar ou não um seu formando como apto a advogar é mesmo colocar a raposa cuidando do galinheiro”, afirma ele, reiterando, na entrevista que se segue, a expressão utilizada em recente artigo no jornal O Estado de S. Paulo.
MARCELO MOUTINHO

O senhor afirmou que a proposta de que a chancela à profissão de advogado caiba aos núcleos de prática forense das faculdades, feita em parecer do Ministério Público sobre o Exame de Ordem, significa “raposa cuidando do galinheiro”. Por quê?

Miguel Reale Júnior — Ora, é evidente a criação de um “faz de contas” com a pretendida chancela para advogar resumir-se a ser o bacharel aprovado em curso patrocinado pelas próprias faculdades de Direito que organizam com seus professores aulas de Prática Forense. Nenhuma faculdade irá considerar um seu aluno nestas condições inapto para a advocacia. Atribuir às próprias faculdades a tarefa de aprovar ou não um seu formando como apto a advogar é mesmo colocar a raposa cuidando do galinheiro.

No parecer, o Ministério Público afirma que o Exame de Ordem limita um mercado de trabalho saturado, havendo perigosa tendência à “reserva de mercado”. Como o senhor analisa esse argumento?

Miguel Reale Júnior — Trata-se de uma presunção livre descolada da realidade, pois o que move a OAB não são motivos de natureza econômica, de vez que os bacharéis incompetentes não se põem como concorrentes, mas sim como comprometedores da imagem do advogado e da importância da profissão, que será cada vez mais inferiorizada no conceito social se não se exigirem conhecimentos técnicos e éticos para o exercício profissional. O que amedronta não é o concorrente, é o mau profissional.

Hoje, no Brasil, há 1.174 faculdades de Direito cujo funcionamento foi autorizado pelo MEC. Completar o curso de Direito em uma dessas faculdades não basta para que se esteja pronto para advogar?

Miguel Reale Júnior — As milhares de faculdades visam ao lucro, sendo fácil manter uma faculdade de Direito e fácil obter ganhos. O curso de bacharel em Direito é cada vez mais deficiente, pois a entidade comercial não busca excelência, nem se preocupa em dotar de conhecimentos éticos o seu aluno, tratado como um consumidor a ser atendido no seu desejo de ter um diploma o mais cômoda e rapidamente possível. A faculdade não forma advogado, como não forma juiz ou delegado, forma apenas um bacharel em Direito despachado com um diploma debaixo do braço.

O que falta ao ensino jurídico no Brasil?

Miguel Reale Júnior — Seriedade e ensino até mesmo de Língua Portuguesa, de Ética e de disciplinas de formação geral, ao lado de incentivo à pesquisa, longe do “saber” enlatado dos manuais. Falta visão crítica, aprofundamento doutrinário, discussão da jurisprudência. As aulas são meramente expositivas, dadas por pessoas muitas vezes sem qualquer título universitário.


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