03/08/2018 - 21:03

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Disparidade de custas judiciais favorece os ricos

03/08/2018 - 21:03

Disparidade de custas judiciais favorece os ricos

CNJ quer elaborar anteprojeto de lei federal que organize e dê parâmetros à cobrança

No Distrito Federal, numa hipotética ação de cobrança no valor de R$ 100 mil, o cidadão paga de custas judiciais R$ 372 iniciais. Na Paraíba, precisa desembolsar quase 20 vezes mais: R$ 7.157,74. O Rio de Janeiro, com R$ 2.271,11, ocupa um desconfortável 21º lugar entre os 27 estados, em ordem decrescente de valores. A discrepância foi registrada em pesquisa do site Migalhas, e é a mais recente mostra da desigualdade de condições no acesso à Justiça estadual nos tribunais do país, em prejuízo de quem tem menos recursos.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que publicou uma ampla análise do problema em julho de 2010 (veja, abaixo, um dos quadros), estuda a elaboração de um anteprojeto de lei federal que organize e dê parâmetros para o sistema de cobrança.

Representante da OAB no conselho, o conselheiro Jefferson Kravchychyn. coordena o grupo de trabalho formado para tratar do tema no âmbito da Comissão de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas do CNJ. Com base no estudo, no qual foi verificado que as custas processuais são mais altas exatamente nos estados com menores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e renda per capita. Kravchychyn diz que a situação atual “impede que se faça justiça, obstaculizando o acesso dos pobres ao Judiciário”. Nas unidades da Federação mais desenvolvidas social e economicamente, as custas são mais baixas.

“Os tribunais nos estados que cobram mais buscam suprir suas necessidades sem levar em conta outros critérios”, pondera o conselheiro. Além do desequilíbrio de valores, Kravchychyn aponta outra distorção a ser corrigida. “As custas são mais altas no primeiro grau, e mais baixas no segundo”, diz, defendendo a inversão desta lógica, que segundo ele também contribui para a morosidade da Justiça: “Na forma atual, são favorecidos os ricos, grandes litigantes, como bancos e fornecedores de serviços, para quem é mais vantajoso recorrer do que pagar seus débitos de imediato”.

Outro integrante do grupo de trabalho, que prefere não ser identificado, acrescenta que os governos também se valem da distorção para não pagar o que devem, recorrendo sistematicamente das decisões da primeira instância.

Para Kravchychyn, o sistema é perverso. “Cobra-se muito de poucos, é justiça para quem tem mais dinheiro”. No que se refere à concessão de justiça gratuita, mais desvios: basta a declaração de hipossuficiência. “É preciso incluir, no projeto, a necessidade de apresentação de provas para obtenção de gratuidade. Hoje, isso ocorre indiscriminamente”, enfatiza ele.

O procurador-geral da OAB/RJ, Ronaldo Cramer, defende a padronização das custas processuais e sua redução. “Os valores atuais são, muitas vezes, um impedimento para o cidadão ter acesso ao Judiciário”, afirma. Para os advogados, justiça mais barata significaria também mais clientes, observa.

Cramer considera “um absurdo que justamente nos estados mais pobres seja mais caro ajuizar uma ação”, e lembra que, se é possível às pessoas em estado de miserabilidade pedir gratuidade, outras tantas, embora em situação um pouco melhor, se veem obrigadas a comprometer seu orçamento para pagar pelas custas.

O procurador acrescenta que os juizados especiais cíveis, que poderiam suprir parte da demanda da população no atendimento de ações com valor mais baixo, estão se inviabilizando pela falta de estrutura para atender a procura crescente. “Os JECs estão deixando de cumprir sua função de garantir justiça célere e barata, prejudicando justamente aqueles que mais necessitam”. Tantas distorções fazem, segundo Cramer, com que o sentido social da Justiça se desvirtue.

A TRIBUNA procurou a direção do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mas, segundo sua assessoria de imprensa, o presidente, Manoel Alberto dos Santos, não pôde atender por impossibilidade de agenda.

O grupo de trabalho do CNJ é integrado por conselheiros, magistrados, servidores e representantes da OAB, do Ministério Público e da Defensoria Pública. O texto do anteprojeto será enviado aos 27 tribunais, antes de ser submetido ao plenário do CNJ e, posteriormente, ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Como é na Europa

O estudo realizado pelo CNJ no ano passado trouxe um comparativo dos sistemas de custas entre o Brasil e países europeus. Ressalvando a heterogeneidade existente entre estes, observou, de modo geral, que os valores cobrados não são considerados elevados mesmo nas nações de IDH alto. Situam-se, na maioria das vezes, abaixo de 150 euros (R$ 380). “Na França, inclusive, não existe cobrança de custas, com exceção de processos na área de Direito Comercial”, diz a pesquisa. Geralmente existem limites mínimos e máximos, assim como é frequente o critério de cobrança proporcional em relação ao valor da causa. Em vários países, segundo o estudo, os valores para as apelações são o dobro dos estipulados para a ação inicial. Também vigoram isenções para pessoas de baixa renda. Vários países discutem o tema e procuram adotar sistemas que levem em conta a complexidade dos processos e dos custos operacionais para a fixação do valores. Na Alemanha e na Finlândia, há mecanismos de incentivo para os litigantes finalizarem rapidamente a lide, com a respectiva redução de custas, mostra a pesquisa.


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