03/08/2018 - 21:04

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Absolvição, pelo STJ, de homem que teve relação sexual com três meninas

03/08/2018 - 21:04

Absolvição, pelo STJ, de homem que teve relação sexual com três meninas

Ministros cumpriram mister do juiz, afastando-se de sentimentos pessoais e reclamos populares
 
Alexandre Lopes*
 
O juiz de Direito não julga de acordo com a sua convicção íntima. Não decide levando em consideração ideologias, valores morais ou religiosos. O juiz não se pode deixar influenciar pela paixão e suas decisões não são proferidas para agradar ou desagradar à opinião pública.

Os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), prolatores do deciso confirmatório da absolvição daquele acusado que manteve relações sexuais com três meninas de 12 anos, singularmente, cumpriram o mister do juiz, afastando-se de sentimentos pessoais e dos reclamos populares, aplicando ao caso concreto a lei e os princípios constitucionais.
O art. 224 do Código Penal – revogado pela Lei nº 12.015/09, mas em vigor na época do fato – preconizava haver presunção de violência na prática de relações sexuais com menores de 14 anos, sob o signo da falta de discernimento para entender a natureza das relações sexuais.

Perscrutando o referido tipo penal, em consonância com os dogmas constitucionais vigentes, conclui-se que se trata de presunção relativa, e não absoluta, pois “não há crime sem ofensa”, tampouco “aplicação de pena à mingua de culpa”.

Julgando o caso concreto, os ministros da Corte Superior depararam-se com hipótese em que, infelizmente, três meninas, aos 12 anos de idade, já se prostituíam, praticando sexo com adultos, sendo que um deles foi denunciado por estupro, presumindo-se a violência, em face da pouca idade, malgrado as relações terem sido consentidas.
Como se presumir a violência se violência alguma existiu? Como se presumir a violência se as três meninas não eram inscientes quanto à natureza das relações sexuais, prostituindo-se, alhures, anteriormente?

O bem jurídico protegido pela norma em testilha é a liberdade sexual. Tal bem jurídico não foi violado, uma vez que as jovens, que já praticavam sexo, possuíam consciência e dispunham livremente de suas sexualidades, excepcionalmente.

A questão, sob análise do Superior Tribunal de Justiça, não é moral, não é religiosa, não é ideológica, não diz respeito à abominável violência contra a mulher e nem aos invioláveis e sagrados direitos das crianças e adolescentes: é jurídica, de Direito Penal e Constitucional.
Há que se observar o postulado de Piero Calamandrei, de que “há mais coragem em ser justo, parecendo ser injusto, do que injusto, para salvaguardar as aparências da Justiça”.

* Advogado criminalista
 
Repúdio nacional e internacional deveria ter dado aos juízes a medida do seu equívoco
 
Rosiska Darcy de Oliveira*
 
Juízes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveram do crime de estupro um homem que teve relações sexuais com três meninas de 12 anos. O tribunal alegou que elas não eram “ingênuas, inocentes, inconscientes a respeito de sexo”. As meninas se prostituíam, ergo, a atitude do réu, “imoral e reprovável”, não configurava esse crime.
Defendendo-se das críticas suscitadas pela decisão, o tribunal informou ter permitido ao acusado produzir provas de que o ato sexual se deu com o consentimento da ‘suposta vítima’.
 
A sociedade tem o dever de se perguntar que valores informaram essa interpretação jurídica. O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos e as instâncias que, no Executivo e no Legislativo, protegem esses direitos deploraram a decisão. A opinião pública condenou os juízes por insensibilidade.
 
Não lhes comoveu o destino dessas órfãs de tudo, que, por descaso, o Brasil não conseguiu perfilhar. Contra elas nada é crime. Despojadas de direitos, vegetam nas esquinas das grandes cidades como restos humanos.
O tribunal salientou que a “educação sexual das jovens certamente não é igual, haja vista as diferenças sociais e culturais”. Essas diferenças, que lhes tiraram a “inocência” e a ”ingenuidade” requeridas pela juíza relatora para enquadrá-las como vítimas, são culpa delas? Por que se prostituem – e o que quer dizer isso quando se trata de crianças – não há violência contra elas?
 
Em hipótese alguma a relação sexual com uma menina de 12 anos deixa de ser violência. Quem, em sã consciência, chamaria de consentimento o ato de se prostituir na infância? Teriam elas consentido do alto de sua maturidade, do amplo domínio de suas emoções?
Quem vê meninas se prostituindo busca uma autoridade que as tire da rua e se ocupe delas ou, pelo menos, indignado, lamenta sua sorte. Não vai se deitar com elas. Se o faz, aproveita-se não da ingenuidade, exigida pelo tribunal para condenar o acusado, mas da vulnerabilidade, de que fala o Código Penal, ao capitular como estupro de vulnerável a relação com menor de 14 anos.
 
Decisões assim, que vão contra o bom senso mais elementar, provocam inconformidade por parte de uma sociedade cada vez mais alerta na defesa de direitos. O repúdio nacional e internacional que a decisão colheu deveria ter dado aos juízes a medida do seu equívoco. Mas não. Investindo-se no papel de Tribunal da Cidadania, repeliram as críticas que definiram como levianas. Enganam-se mais uma vez. No verdadeiro tribunal da cidadania, os juízes somos todos nós.

* Escritora e jornalista


 

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