03/08/2018 - 21:04

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‘O que aconteceu no Brasil foi uma auto-anistia’

03/08/2018 - 21:04

‘O que aconteceu no Brasil foi uma auto-anistia’

Guilherme Madeira
 
Em decisão inédita, o juiz Guilherme Madeira determinou a alteração no atestado de óbito do ex-dirigente do PCdoB João Batista Drumond, assassinado por agentes da ditadura militar em 1976. O documento passará a registrar a morte nas dependências do DOI-Codi, devido a torturas físicas. Antes, informava como causa traumatismo craniano devido a um atropelamento na Avenida 9 de Julho, após fuga da polícia. A sentença decorreu de ação movida pela viúva da vítima, Maria Ester Cristelli Drumond. Titular da 2ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, o magistrado fundamentou-se em julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia), que deliberou a efetivação de medidas, por parte do Brasil, para o reconhecimento do direito à memória e à verdade. Na entrevista que segue, Madeira afirma que a visão do sistema internacional de proteção dos direitos humanos ainda não é comum entre os atores da Justiça brasileira e critica a aplicação da Lei de Anistia hoje. “Auto-anistias são impossíveis de serem aceitas pelo ordenamento jurídico. Foi o que aconteceu no Brasil, uma auto-anistia”, salienta.
 
 MARCELO MOUTINHO
 
Sua sentença, mudando o local e a causa da morte no atestado de óbito de um militante assassinato durante a ditadura militar, foi classificada como inédita pelas organizações de direitos humanos. A redemocratização do país se deu na década de 1980. Por que esperamos tanto tempo até que a Justiça brasileira tomasse uma decisão dessa natureza?
 
Guilherme Madeira - O Poder Judiciário tem por característica a inércia, o que significa dizer que somente julga as demandas que lhe são apresentadas. A sentença foi inédita porque a ação também era inédita.

Que tipo de colaboração o Judiciário pode dar para que seja tirado o véu que até hoje cobre boa parte do que aconteceu durante a ditadura militar?
 
Guilherme Madeira - Minha forma de leitura do Direito, por força de minha formação jurídica, entende o sistema internacional de proteção dos direitos humanos como um dos componentes indispensáveis de análise em qualquer caso. Assim, não acredito que se trate propriamente de colaboração do Poder Judiciário, mas de cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund.

A Justiça brasileira tem recepcionado as decisões tomadas pelas cortes internacionais?

Guilherme Madeira - A visão do sistema internacional de proteção dos direitos humanos ainda não é comum entre os atores do processo. Juízes, promotores, advogados, defensores públicos, enfim, a comunidade jurídica ainda não tem esta visão de maneira natural no sistema jurídico nacional. Precisamos todos nos preparar melhor para esta nova realidade jurídica

O senhor acredita que a recém-criada Comissão da Verdade pode enfim trazer à luz os crimes cometidos durante a ditadura?
 
Guilherme Madeira - Depende do papel que a própria comissão decidir desempenhar e também da extensão de seus poderes. Observo que não se trata de fazer um favor para as famílias das vítimas, de vingança ou de revisionismo. Na verdade, insisto que a Comissão da Verdade é mais um desdobramento do caso Gomes Lund.

Que avaliação o senhor faz de nossa Lei de Anistia?
Guilherme Madeira - Compartilho da posição pacífica da Corte Interamericana de Direitos Humanos: auto-anistias são impossíveis de serem aceitas pelo ordenamento jurídico. Foi o que aconteceu no Brasil, uma auto-anistia. Daí porque não posso concordar com sua aplicação nos dias de hoje, especialmente quando levo em consideração que a corte determinou que o Brasil revogasse a Lei de Anistia.
 

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