07/04/2015 - 17:48

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Por que suspender o WhatsApp?

07/04/2015 - 17:48

Por que suspender o WhatsApp?

DIOGO DE SOUZA E MELLO*

Um magistrado da comarca de Teresina determinou a suspensão do aplicativo no Brasil. A notícia se espalhou instantaneamente em todas as mídias, jornais, redes sociais, e claro, no próprio “zap zap”, apavorando milhões de usuários da terra brasilis, que ficariam impedidos de se comunicar através da ferramenta. Argumenta-se que a WhatsApp Inc. não estaria colaborando com uma investigação policial que apura em sigilo o crime de pedofilia.
 
Tal decisão foi posteriormente revogada pelo Tribunal de Justiça piauiense, todavia, mantendo-se a determinação para que a empresa forneça as informações.

A WhatsApp Inc. não possui sede no Brasil e alega que não estaria sujeita às leis brasileiras. Assim a estratégia foi atuar contra as operadoras de infraestrutura e conexão móvel. As empresas (Claro, Oi, Tim e Vivo) receberam a ordem de bloqueio e se articularam com o SindiTelebrasil, que representa o setor, recorrendo sob os fundamentos de que a decisão desrespeita os direitos dos consumidores e causaria transtorno a milhões de usuários, e que as teles não têm responsabilidade sobre o conteúdo do aplicativo. A compreensão do caso impõe “navegar” em três questões: 1. O que é o WhatsApp, 2. O impacto da decisão, e 3. Judiciário e sociedade da informação.
 
O WhatsApp é uma ferramenta de comunicação.  É uma aplicação multiplataforma de mensagens instantâneas, também realizando chamadas de voz. Opera utilizando a conexão de internet e, uma vez instalado o programa, cria uma conta usando o número de telefone, caracterizando-se como um serviço de comunicação peer to peer.
 
Basicamente o usuário é ao mesmo tempo cliente e servidor. Embora tenha sido adquirida pelo Facebook, a WhatsApp Inc. sustenta que as empresas são autônomas, possuindo personalidades jurídicas distintas, e os serviços prestados por ela e pelo Facebook são independentes. A empresa desenvolveu um software, que é disponibilizado ao consumidor/usuário. Por sua vez, a internet no Brasil tem como característica ser “aberta”, reconhecendo-se entre outros fundamentos “a escala mundial da rede” conforme dispõe a Lei Federal 12.965/2014 – Marco Civil da Internet.

É inevitável, na análise da decisão de suspensão, a atração contextualizada do direito e acesso à informação e dos princípios da internet previstos no Marco Civil. Não podem ser ignorados também os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, e ainda as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Com esse lépido conjunto de normas pode-se afirmar que a decisão foi equivocada e merecidamente revogada diante do estouvamento do juízo monocrático.

A prática de crime de pedofilia, embora grave, ainda que através da internet, e por meio do aplicativo, não constitui fundamento para suspender o uso da ferramenta, bloqueando esse meio de comunicação. A solução proposta pelo Judiciário é suspender a comunicação? Como ficariam os milhões de usuários/consumidores que usam regularmente e licitamente o “zap zap” para trabalhar, se comunicar com filhos e parentes distantes, obter  informações sobre trânsito etc.? 

Se um pedófilo enviar fotos com conteúdo proibido através dos correios, em envelopes fechados, seria correto fechar a ECT ou suspender os serviços postais?  O que dizer então dos crimes e golpes praticados pelo telefone? Vamos bloquear ou suspender as linhas telefônicas dos consumidores? O uso do aplicativo é sustentado por três pilares constitucionais: acesso à informação, direito de comunicação e acesso ao lazer. A decisão é desproporcional e nada razoável. O próprio desembargador que revogou a medida reconheceu que “o juiz decidiu muito além do que ele poderia ir” fugindo inclusive “aos limites do território piauiense.”

Não se desconsidera que a internet, como uma rede mundial de computadores interligados, está sujeita, no que couber, ao Código Brasileiro de Telecomunicações, pois utiliza a estrutura que propicia o uso dessas novas ferramentas em âmbito nacional, atraindo o conceito de soberania. Nossa legislação não se aplica se o centro de informação ou telecomunicação estiver sediado em outro país.

Por fim, parece existir uma zona nebulosa entre o Judiciário e a chamada sociedade da informação, nas palavras de Sérgio Iglesias N. de Souza no livro Lesão nos contratos eletrônicos na sociedade da informação, assim entendida como a expressão que abrange o direito à interação e ao desenvolvimento humano seguro pela nova comunicação e telemática virtual, de troca de bens e serviços. Exemplos não faltam. Quem não se lembra do caso Cicarelli, quando um juiz mandou bloquear o acesso ao site do Youtube visando a impedir que o vídeo do casal na praia fosse visto pelos internautas? Por decisão da Justiça, o site foi bloqueado, ficando indisponível todo o seu conteúdo. Foi preciso cautela e paciência para o que o entendimento fosse revisto. A decisão era igualmente desproporcional e sem um mínimo de razoabilidade. Já foram censurados também o Tubby – aplicativo idealizado e criado para os homens avaliarem as mulheres, basicamente em resposta ao meteórico Lulu, igualmente criado para as mulheres darem notas e avaliarem os homens. Todos foram alvos de medidas de cerceamento total ou parcial. O Tubby foi “apresentado” à Lei Maria da Penha (11.340/06), argumentando-se que o aplicativo promovia a violência contra a mulher. O Lulu preferiu sair do Brasil. Atualmente, o número de comunicações, informações, fotos e documentos que circulam pela internet, incluindo aplicativos, é quase incalculável (dados digitais das atividades realizadas na internet Big Data). Tecnicamente, a responsabilidade dos provedores, das teles, dos aplicativos etc. ainda não pode ser absoluta nem ilimitada.

Portanto, é quase certo que o futuro dos negócios e relações sociais passará a se desenvolver quase que 100% através deste ambiente virtual, a exemplo do e-commerce regulado pelo Decreto 7.962/13, que alterou o Código de Defesa do Consumidor. A sociedade está mudando e cobra da ciência jurídica a devida proteção. Exemplo negativo dessa mudança social é a vingança pornô (revenge porn), que por sua vez também já desencadeou três projetos de lei específicos. Há outros exemplos, como a Lei 12.737, chamada Carolina Dieckmann.

Corroborando essas mudanças, o diretor e um dos fundadores do conceituado Instituto de Tecnologia de Massachusetts – MIT, Alex Pentland profetizou uma situação ímpar e irrefutável: “O Big Data terá para o estudo do comportamento humano a importância que teve o telescópio para os astrônomos.” E, ainda, que os dados pessoais dos indivíduos são “o novo petróleo da internet e a nova moeda do mundo digital”. Ninguém pode eludir os efeitos da internet sobre o comportamento humano. Mesmo aqueles que não têm acesso ou que não querem ter são afetados, pois passam a constituir exceção. A internet é o principal condutor e responsável pelas transformações sociais a que estamos assistindo, ou seja, é o novo fato social que nessa condição exige uma resposta jurídica apropriada. O Direito precisa se preparar e se adaptar visando o estudo e a regulamentação dessas novas relações sociais virtuais.
 
* Advogado, professor, membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/RJ, gerente jurídico Cível e de Defesa de Interesses Coletivos da Firjan

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