25/05/2016 - 17:47

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Dança das cadeiras

25/05/2016 - 17:47

Dança das cadeiras

“Janelas” partidárias criadas por minirreforma política e emenda constitucional dividem especialistas sobre possíveis efeitos no sistema político eleitoral brasileiro

VITOR FRAGA
A minirreforma eleitoral, aprovada pela Lei 13.165, em 2015, consolidou algumas normas relativas à possibilidade de parlamentares mudarem de partido – entre elas a chamada “janela” partidária, que a partir de agora acontecerá a cada dois anos. Desde 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os mandatos pertencem às agremiações, e o deputado ou o vereador só pode sair de uma e filiar-se a outra em casos de exceção previstos (outra resolução do STF, de maio de 2015, veda a possibilidade para os cargos majoritários).
 
Com a “janela”, a cada dois anos a troca poderá ser feita sem necessidade de justificativa nem perda de mandato. Além disso, em fevereiro deste ano o Congresso promulgou a Emenda Constitucional (EC) 91, que abriu uma “janela partidária extra”, apenas em 2016. Em tese, a emenda regularia a migração de todos os “detentores de mandato eletivo”, enquanto a minirreforma definiria prazos apenas para os vereadores. Essa possibilidade de troca de legenda sem justificativa enfraqueceria a fidelidade, o programa partidário, e o próprio sistema eleitoral brasileiro ou, ao contrário, os fortaleceria? A TRIBUNA ouviu alguns especialistas, que têm opiniões diferentes sobre a questão.
 
A minirreforma

Aprovada em setembro de 2015, a Lei 13.165, conhecida como minirreforma política, alterou regras das eleições ao introduzir mudanças nas leis que regem as eleições (9.504/1997) e os partidos políticos (9.096/1995) e o Código Eleitoral (Lei 4.737/1965). Entre outras, criou um período permanente para parlamentares trocarem de agremiação sem justificativa e sem perda de mandato por infidelidade partidária – o STF consolidou o entendimento de que mandatos conquistados em eleições proporcionais pertencem às legendas e não aos eleitos. No entanto, de acordo com a nova lei, será permitida a troca livre a cada dois anos, durante 30 dias, sete meses antes da data do pleito, ou seja, um mês antes da data final para filiação exigida para alguém poder se candidatar.

A medida favorece apenas deputados federais, estaduais ou distritais e vereadores. Em maio de 2015, o plenário do STF julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada contra a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que trata da perda de mandato por desfiliação partidária. Na ocasião, a corte, de forma unânime, seguiu o voto do relator, ministro Luis Roberto Barroso, cuja tese foi a de que, se para cargos proporcionais a perda de mandato “significa o corolário da vontade popular”, nos casos de cargos majoritários a fidelidade partidária seria uma violação a esta. “O sistema majoritário tem lógica e dinâmica diversas da do sistema proporcional. As características do sistema majoritário, com sua ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular”, definiu Barroso em seu voto.

A minirreforma introduziu na Lei dos Partidos Políticos o artigo 22-A, que trata da possibilidade de perda do mandato no caso de desfiliação partidária sem justa causa, e define os casos que serão assim considerados. A Resolução 22.610/2007 do TSE havia estabelecido quatro hipóteses: incorporação ou fusão do partido; criação de nova agremiação; mudança substancial ou desvio reiterado do programa; e grave discriminação pessoal. Com a Lei 13.165, as situações definidas para a legalidade da desfiliação passam a ser: mudança substancial ou desvio reiterado do programa da legenda; grave discriminação política pessoal; e mudança de partido efetuada durante a “janela” bienal.

Especialista em Direito Eleitoral, o conselheiro federal pela OAB/RJ Jonas Lopes considera que a nova lei reforça a fidelidade partidária. “A minirreforma alterou uma série de artigos da Lei das Eleições, mantendo a ideia de que a regra é a fidelidade, com um artigo que elenca as exceções para que se possa trocar de legenda. A chamada ‘janela’ foi uma maneira de impedir que ocorram manobras na mudança para um partido recém-criado em prejuízo da verdadeira plataforma e dos ideais político-partidários das agremiações”, defende. Para Lopes, a mudança na legislação vai evitar a criação de novas siglas sem ideologia, que possam ser utilizadas apenas como “legendas de aluguel”.

Em relação a essa questão, o cientista político Paulo Baía, da UFRJ, avalia que mais que “aluguel” de partidos, temos no Brasil uma “orgia de compra e venda de posições partidárias e cargos” em governos municipais, estaduais e federal. “Mantêm-se as condições para que o clientelismo e os ilícitos se perpetuem nos poderes executivos e legislativos. A fidelidade partidária é fundamental para a estabilidade e a legitimidade do sistema político eleitoral. Sem fidelidade temos um descompromisso programático dos partidos políticos para com a sociedade brasileira”, critica.

Já para o membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/RJ e coordenador do curso da Escola Superior de Advocacia (ESA) que trata da matéria, Eduardo Damian, o dispositivo “retrata o pragmatismo político na proteção do mandato eletivo”. Segundo ele, a fidelidade partidária é apenas teórica: “Desde a inovação jurisprudencial que trouxe esse tema, houve um crescimento de 30% no número de partidos políticos registrados, sendo certo que muitas das novas agremiações apenas como válvula de escape para os insatisfeitos. A fidelidade partidária é uma ficção jurídica, contornada pela criação de novos partidos para conseguir a desfiliação, ou por dispositivos inovadores aprovados pela classe política”.

Sua opinião, nesse ponto, é reforçada pelo professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e especialista em Direito do Estado Daniel Falcão: “Tenho uma abordagem bastante pragmática da questão. No Brasil, são poucos os partidos que têm um programa sério. Ou seja, vai se cobrar fidelidade a algo que não existe?”, questiona.

Para Falcão, a EC 91 está deturpando o espírito da decisão do TSE em 2007, de que os mandatos pertencem aos partidos. “O que não quer dizer que a decisão foi correta. Na minha opinião, não foi. Diante do quadro brasileiro, não faz sentido exigir que os mandatos sejam dos partidos. Foi uma medida artificial que só piorou a situação. São hoje quase 30 legendas com representação no Congresso, ficou ainda mais fragmentado”, analisa Falcão, que acredita que a fidelidade partidária não acabou, mas ficou muito frágil. “Nada impede que haja outra emenda constitucional que permita migração em 2017, para não esperar 2018. Não se tem coragem de colocar o dedo na ferida, mudar definitivamente a Constituição e dizer que não existe fidelidade partidária. Então, muda-se aos poucos, caminhos vão sendo criados”, completa.

Segundo Lopes, a nova lei dificulta as mudanças. “Essa troca marginalizada de agremiações com certeza descaracteriza a questão programática dos partidos. A maior rigidez para as ‘justas causas’ e, ao mesmo tempo, a possibilidade oferecida pela ‘janela’ partidária, instituída pela minirreforma eleitoral, fazem com que políticos que exerçam cargos eletivos não se utilizem da mudança de legenda para satisfazerem interesses pessoais”, argumenta.
 
A Emenda Constitucional 91
 
A migração de parlamentares com a EC 91 deixou a composição das bancadas em caráter de permanente possibilidade de mudança. Aprovada em dezembro do ano passado, após a minirreforma, a emenda criou uma “janela” extraordinária apenas este ano, cujo prazo iniciou-se no dia seguinte à sua promulgação, em 18 de fevereiro, e encerrou-se em 19 de março. Um relatório disponível no site da Câmara dos Deputados aponta que, entre 27 de fevereiro e 28 de março, 84 (de 513) deputados federais mudaram de partido 93 vezes (alguns, mais de uma vez). As mudanças partidárias feitas nesses 30 dias não valerão para o cálculo do Fundo Partidário e do tempo gratuito de rádio e televisão.

Como o último dia do prazo caiu num sábado, as mudanças de partidos registradas até o primeiro dia útil seguinte serão consideradas pela Câmara. E como as notificações registradas na Justiça Eleitoral continuam chegando, o número final de migrações na casa ainda pode subir.

Damian explica que a EC 91 viabilizou estender a “janela” criada pela minirreforma aos deputados: “Eles não disputariam cargo este ano e por tal razão não estariam protegidos pela ‘janela’ criada na lei ordinária”.

Para Jonas Lopes, foi um ajuste necessário antes de um período de maior rigor. “A ‘janela’ criada com a emenda visou justamente a permitir uma última possibilidade, porque a troca ficou mais difícil. Foi um aviso para que ‘quem quiser trocar faça agora’, porque daqui em diante aquele que sair para um novo partido, por exemplo, perderá o mandato”, diz.

Já Paulo Baía condena a emenda: “A ‘janela’ estimulou os novos partidos assim como os consolidou. Com a permanência das coligações, têm um capital político valioso no mercado eleitoral. A ‘janela’ para saída de parlamentares dos partidos existentes e as coligações criam um artificialismo no multipartidarismo brasileiro”.

Daniel Falcão considera que o fim da possibilidade de mudança para um nova legenda não muda muito o cenário. “Não acredito que isso vá trazer mais compromisso com a fidelidade partidária, porque de quatro em quatro anos poderá haver troca sem justificativa para qualquer sigla, então nem seria mais necessário criar uma para atender a esse interesse. Fechou-se uma grande porta, mas abriram-se janelas”, resume. Ele afirma que a EC 91 foi criada para abrir mais exceções. “Pela Lei 13.165, agora em 2016 haveria a possibilidade para que vereadores trocassem de partido. A ‘janela’ para deputados federais, estaduais e distritais seria apenas em 2018, e assim sucessivamente, de dois em dois anos. A EC 91 nasceu para permitir que quem não está incluído na eleição municipal, como os deputados, pudesse mudar agora. É a exceção da exceção”, critica.

Partidos
 
Dados divulgados pela Agência Câmara indicam que, até agora, três partidos receberam maior número de deputados: o PP, nove; o PTN, sete; e o DEM, sete. Os dois primeiros são da base do governo, enquanto o último é da oposição. O PR, também da base, recebeu seis; o PDT e o PHS, três cada um; o PRB, dois; e PSD, PV, PSOL e PSL passaram a contar com mais um parlamentar, cada. Entre os que tiveram redução nas bancadas, o recém-criado Partido da Mulher Brasileira (PMB), que obteve registro no TSE em setembro do ano passado (e portanto, ainda não participou de nenhuma eleição), foi o exemplo mais emblemático. Antes da promulgação da emenda, tinha 19 deputados; agora, tem apenas um. 

O Pros, por sua vez, perdeu quatro integrantes; o PSDB, maior partido da oposição, três, assim como o PSB e o PSC. O PMDB e o PTB tiveram redução de dois parlamentares nas bancadas, e PT, Solidariedade e PPS perderam cada qual um deputado. PCdoB, Rede e PTdoB mantiveram suas bancadas, e PMN e PTC deixaram de ter representantes na Câmara. O PMDB permanece com a maior bancada, com 68 parlamentares, seguido do PT, com 58 (veja quadro). Essas mudanças alteram, por exemplo, a formação das comissões no Congresso Nacional, que necessitam de ajuste para respeitar o tamanho de cada partido. Com isso, as bancadas formadas pelo voto na eleição de 2014 serão bastante alteradas.

Na opinião de Jonas Lopes, a legenda influencia pouco nas eleições majoritárias. “Um prefeito não se elege por causa do partido. Pode haver algum problema específico, como o do PT agora, que acaba se refletindo na eleição municipal. Mas isso tem mais importância para deputados e vereadores. Tanto que a lei de fidelidade vale apenas para cargos proporcionais. A figura do candidato, para o Executivo, importa muito mais. Pergunte a dez pessoas qual o partido do Eduardo Paes, a maioria não vai saber. São 35 agremiações ativas atualmente, é uma sopa de letrinhas”, acrescenta.

O cientista político Paulo Baía afirma que se trata de desvalorizar o voto. “Descaracteriza os cenários sociais e políticos que fizeram os eleitores tomarem uma decisão e delegarem poder a um representante que se tornou parlamentar pela sigla de um partido. Com a troca de partidos, as condições de legitimidade da escolha e da representação foram fraudadas, fazendo com que o eleitor tenha sido traído e vilipendiado em sua autonomia constituinte”, analisa. Segundo ele, a maioria das mudanças verificadas tinha a intenção de “fugir de disputas internas” nos partidos. “Isso tira um estado de democracia interna, e facilita a compra e venda de posições nas novas siglas”, completa Baía. 

Para Daniel Falcão, as mudanças de partido geralmente têm a ver com conseguir mais espaço político. “Claro, pode haver interesse em estar na direção local e gerir o fundo partidário, mas a busca quase sempre é por mais espaço. Com as ‘janelas’, essa busca sempre vai acontecer, ela está sendo incentivada”, aponta.

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