25/05/2016 - 17:50

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Jogos de azar devem ser liberados?

25/05/2016 - 17:50

Jogos de azar devem ser liberados?

Não há proibição expressa na Carta

IVES GANDRA MARTINS*

 
Em 1982, defendi minha tese de doutoramento na Universidade Mackenzie. O livro, que dela resultou, recebeu, em 1983, o título de Teoria da imposição tributária. Toda a linha de minha argumentação fora no sentido de utilização da tributação como forma de controlar determinadas atividades situadas nos limites da licitude.

Advoguei, então, o princípio de que seria preferível o Estado permitir e controlar os jogos de azar, visto que a proibição, sobre não eliminar a sua prática, faz com que parcela substancial de receita tributável permaneça na informalidade, gerando evasão de receitas.

Mais do que isto, salientei que o fato de os países limítrofes ao Brasil permitirem jogos desta natureza, à evidência, levava cidadãos brasileiros e os residentes no país a dispenderem seus recursos no exterior, com prejuízos notórios à arrecadação do fisco brasileiro.

O Principado de Mônaco vive do jogo praticado em seu famoso cassino, sendo a família real por ele sustentada.
Grande parte dos brasileiros que vão aos Estados Unidos passa pela cidade de Las Vegas, em que o jogo não só a mantém como permite ao poder público usufruír de apreciável receita fiscal, além dos benefícios indiretos de gastos dos turistas estrangeiros que se transformam em divisas no país.

Sob controle, o jogo não é danoso. Sem controle, transforma-se em instrumento de lavagem de dinheiro, de suporte à criminalidade e evasão de divisas e negócios.

Não vislumbro, pois, nenhuma proibição expressa ao jogo na Carta Magna. Desta forma, a loteria esportiva, a quina, a sena, as corridas de cavalos – há uma justificativa teórica, de aprimoramento de raças, para este tipo de jogo –  têm sido admitidas pela ordem jurídica nacional, sem contestação.

Mais do que isto, o constituinte, em matéria tributária, previu especialmente a possibilidade de se tributar a receita proveniente de concursos de prognósticos por contribuições sociais. O que, vale dizer, hospedou a tese que defendi no meu livro e que apresentei, em audiência pública a que fui convidado a participar, na Constituinte, sobre o sistema tributário, como sugestão sobre a forma de melhor controle de tais atividades.
Com efeito, está o artigo 195, inciso III da CF, assim redigido:
 
“A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

...

III. sobre a receita de concursos de prognósticos”.
Qual o alcance da expressão “concursos de prognósticos”? De rigor, sua abrangência é absoluta. É mais do que o mero jogo de azar. Em verdade, por ela se admite que toda a espécie de jogos – em que ou só a sorte, ou a sorte e uma certa previsão de probabilidades, ou esta previsão como fator preponderante e a sorte em menor extensão determinam o resultado – seja criada e tributada pelo legislador.

Desta forma, não só não é proibido, como é claramente permitido o jogo na Constituição brasileira.
 
*Jurista, professor emérito pela Universidade Mackenzie, especializado em Direito Tributário

A favor ou contra? Eis a questão

HUGO LEAL*
A proibição dos jogos de azar no Brasil foi estabelecida por força do Decreto Lei 9.215/1946, assinado pelo então presidente [Eurico Gaspar] Dutra, com fundamento no paradigma de “bem estar” social que vigia à época. Pelo referido decreto, foram restaurados os efeitos, em todo o território nacional, da vigência do art. 50 e parágrafos da Lei de Contravenções Penais e declaradas nulas todas as licenças, concessões ou autorizações dadas pelas autoridades em contrariedade a essas normas. No momento da edição do ato, existiam 71 cassinos no Brasil, que empregavam mais de 53 mil pessoas.

Hodiernamente, a legalização dos jogos volta à pauta do Congresso Nacional. Os argumentos favoráveis e contrários ainda são os mesmos de 1946, quais sejam: a geração de emprego e a degradação do ser humano em virtude da perda de todo o seu patrimônio. Surge também como fundamento o combate à sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção, consoante mencionado na Medida Provisória 168/2004, que proibiu todas as modalidades de bingo e jogos caça-níqueis no Brasil.

Pelo projeto de lei em tramitação (PLS 186/2014), o credenciamento para exploração de jogo do bicho deverá ser circunscrito ao limite territorial dos municípios, com no máximo uma casa a cada 150 mil habitantes. O bingo será explorado em caráter permanente por casas do gênero e, eventualmente, em estádios ou outros locais permitidos. Já os “resorts integrados” deverão funcionar junto a complexos de lazer construídos especificamente para esse fim. Esses centros deverão ter acomodações hoteleiras de alto padrão, locais para reuniões e eventos sociais, culturais ou artísticos de grande porte, restaurantes e bares e centros de compras.
Temos exemplos, alhures, de sucessos e fracassos na legalização dos jogos. Na Argentina, os jogos foram liberados sem maiores exigências, resultando em mais de 150 pequenas casas, sem grandes investimentos. Já Bahamas e África do Sul optaram pelos chamados resorts integrados.

Cingapura aprovou a exploração nestes últimos, mas concedeu apenas duas licenças, a partir de processo público transparente. Todos os outros jogos continuam sendo ilegais e combatidos ferozmente. A referida experiência é considerada vitoriosa. Gerou milhares de empregos diretos e indiretos e um aumento de 40% do número de visitantes estrangeiros no país. O cassino ocupa apenas 10% de toda a área do complexo turístico. Essa pode ser uma oportunidade interessante para o Brasil.

Não tenho dúvidas de que os jogos só deverão ser liberados em um ambiente altamente regulado e com regras rígidas, de maneira a prevenir a sonegação fiscal, a lavagem de dinheiro e o crime organizado, sob pena de colocarmos o Brasil na idade média, época de uma jogatina irresponsável.

A sociedade deve se manifestar, fazendo valer o princípio da representatividade popular. É fundamental que prevaleça a vontade da maioria, que pode optar pela legalização de todos os jogos, pela legalização dos “resorts integrados”, de ambos ou nenhum.
 
*Deputado federal pelo PSB/RJ

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