25/05/2016 - 17:19

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Patrícia Perrone Campos Mello – Advogada e pro fessora de Direito Constitucional: ‘Opinião pública tem poder de pressão sobre o Supremo’

25/05/2016 - 17:19

Patrícia Perrone Campos Mello – Advogada e pro fessora de Direito Constitucional: ‘Opinião pública tem poder de pressão sobre o Supremo’

Em seu livro Nos bastidores do STF, fruto da tese de doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a advogada Patrícia Perrone Campos Mello pesquisou como os ministros da corte formam sua convicção nos julgamentos, quais os dados da vida real e os argumentos que os motivam para além dos fundamentos jurídicos. Professora de Direito Constitucional, Campos Mello analisou o período compreendido entre a promulgação da Carta, em 1988, e o final do julgamento do Mensalão (Ação Penal 470). Nos casos inéditos e difíceis, escreve a autora, “fatores diversos e poderosos interferem sobre o comportamento do STF e precisam ser levados em conta pelos estudiosos para que se possa compreender, de forma adequada e realista, como o tribunal chega às suas conclusões”.
 
PATRÍCIA NOLASCO

A ampla compreensão das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, notadamente em casos de grande impacto sobre a vida pública, é difícil sem que sejam levados em conta modelos distintos de comportamento judicial – legalista, ideológico ou estratégico – e fatores subjetivos que podem influenciar fortemente o voto. A partir desta análise desenvolvida em seu livro, se as soluções não estão todas previstas em lei, como e por que os ministros votam?

Patrícia Perrone Campos Mello
– O estudo sobre o comportamento judicial demonstra que existem três modelos principais capazes de explicar (e, portanto, também de prever) o comportamento judicial. Os modelos legalista, ideológico e institucional.

Segundo o modelo legalista, o principal fator explicativo (e preditivo) do comportamento dos juízes é composto pelas normas, pelos precedentes e pelos métodos de interpretação e aplicação do Direito. No caso do Supremo Tribunal Federal, esse modelo tem um papel explicativo importante do comportamento dos ministros em matérias que sejam objeto de jurisprudência consolidada no STF, em que ocorre mera reiteração dos entendimentos da corte.

Os modelos ideológico e estratégico têm uma maior importância explicativa do comportamento dos ministros em casos de ruptura com a jurisprudência consolidada ou em casos inéditos e difíceis. Nessas situações, o texto da Constituição, os precedentes e os métodos de interpretação e aplicação do Direito são insuficientes para determinar o desfecho e, geralmente, há argumentos consistentes para julgar de formas antagônicas.

De acordo com o modelo ideológico, o elemento que orienta o voto dos juízes nos casos difíceis é o desejo de influenciar o desenvolvimento do Direito de forma convergente com as suas convicções pessoais. Esse é o comportamento ideológico simples ou sincero. Quando os critérios objetivos falham, o papel da subjetividade na explicação das decisões torna-se mais relevante. Nessa situação, é natural que os magistrados recorram às suas percepções pessoais. Geralmente, pode-se pesquisar as convicções de cada um com base em seu background. Religião, gênero, tendências ideológicas, vinculação a movimentos sociais, preocupação com a imprensa ou com a opinião pública são possíveis indicadores de como decidirão.

Já o modelo estratégico de comportamento judicial estará presente quando o juiz que integra um colegiado compreender que, para influenciar o desenvolvimento do Direito no sentido que considera o melhor, precisa obter a adesão dos demais colegas, de modo a alcançar uma decisão majoritária. Se este juiz percebe que precisa moderar seu entendimento para conseguir tal adesão, é possível que ele opte por não votar como gostaria idealmente e que se manifeste de forma mais moderada, para defender a decisão que seja a mais próxima possível das suas preferências, mas que tenha mais chances de conquistar o voto da maioria.

Como se dá a interação do STF com o Executivo e com o Legislativo, segundo seu estudo?

Campos Mello – Os casos analisados no livro indicam que há uma tendência do Supremo a ser muito sensível aos argumentos relacionados a riscos para a “governabilidade” e às “consequências econômicas” das suas decisões. Esse fator talvez explique o alinhamento do tribunal com o Poder Executivo em diversas circunstâncias. É importante observar, contudo, que tais análises não consideram situações de crises agudas, como pode ser o caso atual.

Quanto ao Legislativo, os casos examinados sugerem que eventual avanço do STF sobre este poder, muitas vezes criticado, é, em alguma medida, consequência da inação do próprio legislador, que deixa de legislar sobre temas essenciais para o cumprimento da Constituição e para o processo democrático. Esse é o caso da atuação do Supremo para afirmar a fidelidade partidária, para limitar o financiamento privado de campanha, para regular a greve no serviço público. A inércia do legislador e a contínua provocação da corte pelos cidadãos acabam fazendo com o tribunal responda aos seus anseios. 

Questões envolvendo governabilidade, impacto no erário ou alcance social têm influência decisiva nos votos dos ministros? O que revelou a pesquisa? 

Campos Mello – Certamente. Os ministros manifestam expressamente sua preocupação com as consequências econômicas e sociais das suas decisões. A própria legislação permite que o Supremo module os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para minimizar seus impactos sobre a segurança jurídica ou sobre outros interesses sociais que possam ser atingidos (art. 21 da Lei 9.868/1999). Preocupações de tal ordem foram verbalizadas, por exemplo, em julgamento que evitou deferir liminar contra o Plano Collor, em diversas decisões sobre matéria tributária (que geram impacto sobre o erário público) e em julgado sobre o devido processo legislativo para conversão de medidas provisórias em lei pelo Congresso.

Que comportamentos foi possível identificar nos votos dos ministros sobre os quais o trabalho se deteve no período estudado – Gilmar Mendes, Ayres Britto e Joaquim Barbosa?

Campos Mello – Os casos analisados confirmam que o background dos ministros influencia a forma como julgam e as matérias sobre as quais desejam colocar maior energia. O ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, em entrevista após a sua aprovação pelo Senado, declarou que pretendia levar ao STF sua visão de mundo, marcada por uma infância pobre e por sua passagem pelo Ministério Público, entre outros aspectos. E, de fato, seus votos, em matérias muito diversas, reconduziam-se a discussões sobre a importância de não produzir interpretações que favoreçam a preservação do status quo, à não elitização da Justiça, ao combate à impunidade e à defesa da moralidade administrativa. Sua atuação em casos difíceis buscava desenvolver o Direito em tal direção.

As sessões públicas e televisionadas, principalmente em julgamentos de casos de grande repercussão, tornam os ministros vulneráveis a pressões por parte da opinião pública e dos meios de comunicação de massa?

Campos Mello – Acredito que a opinião pública tem poder de pressão com ou sem sessão televisionada. O STF não é composto de juízes eleitos, seus membros não dependem do voto popular para se manter na corte, mas nenhum poder é capaz de se preservar institucionalmente se atuar, de forma permanente, em desacordo com a opinião pública. De todo modo, a sessão televisionada e o destaque dado pela mídia a alguns casos tornam os ministros ainda mais expostos. Por outro lado, a sessão televisionada cumpre um papel muito importante. Permite que a sociedade acompanhe e compreenda como funciona o STF. E promoveu uma aproximação positiva entre a corte e seus jurisdicionados. 

Isso não significa que o Supremo não tomará decisões impopulares ou que deva ser refém da opinião pública. Pode ser que o tribunal precise tomar tais decisões para proteger a Constituição contra maiorias eventuais. Quando o STF decide assim, ele gasta parte do capital político conquistado em outros casos. É um capital limitado, a ser gasto com parcimônia. Mas essa é a missão de uma corte constitucional.

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