20/03/2013 - 12:42

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Casos reais em varas de família viram ficção em livro

20/03/2013 - 12:42

Casos reais em varas de família viram ficção em livro

Histórias de amor, rompimentos e recomeços são tão corriqueiros que passam como banais no dia a dia. A realidade, diferentemente do amor idealizado que faz sucesso nos romances, é carregada de responsabilidades e de expectativas não realizadas e muitas vezes perde o brilho aos olhos de seus próprios protagonistas.
 
As novelas da vida real, porém, podem conter dramas e comédias surpreendentes, escondidas pelo cotidiano mas observadas todos os dias em varas de Família. E é por intermédio do olhar pouco conhecido do magistrado que a juíza Andréa Pachá mostra algumas delas no livro A vida não é justa.
 
Trechos do livro
 
Lançada em novembro do ano passado pela editora Agir, a publicação reúne crônicas sobre histórias colhidas das cerca de 18 mil audiências que Andréa conduziu durante os 15 anos em que atuou como juíza da 1ª Vara de Família de Petrópolis e os quatro em que trabalhou em outras comarcas do Rio de Janeiro. Os casos são narrados ficcionalmente.
 
"Assisto, pacientemente, aos rompantes de desespero que desfilam na minha frente há tantos anos, como espectadora privilegiada das contradições humanas. Sinto um profundo respeito pelas tragédias que se abatem sobre as famílias que procuram a Justiça", relata ela em um dos textos do livro.
 
O projeto começou com a divulgação das curtas histórias nas redes sociais, que gerou surpreendente repercussão. "De amigos para amigos de amigos, foi formada uma rede de leitores que começou a entrar em contato comigo pedindo mais. Assim, percebi o interesse de pessoas de fora do meio jurídico nessas histórias de família", diz a juíza.
 
Entre as tragédias cotidianas, são contados casos como o da moça de 34 anos que somente após perder os pais descobre que era adotada e não usava seu nome verdadeiro. Outro texto trata de um bebê morto que ficou um mês no Instituto Médico Legal sem que os jovens pais soubessem da necessidade de liberar o corpo. Há também crônicas que mostram a dor quase sempre inevitável pelo fim do amor.
 
Sinto um profundo respeito pelas tragédias que se abatem sobre as famílias que procuram a Justiça 
Andréa Pachá
juíza da Família
Entre as histórias mais curiosas e tratadas com bom humor, a de uma mulher que procura a Justiça para resolver o vício de seu marido em assistir ao futebol na TV e a de uma senhora que, no desejo de experimentar fantasias eróticas nunca realizadas com o marido, encontra por meio de um perfil falso na internet sua válvula de escape.
 
"Essa é uma das mais inusitadas do livro e tive dificuldade em lidar com o caso pois, na época, nunca tinha julgado traição virtual em uma separação. E me chamou a atenção porque, ao vivo, aquela pessoa não tinha o menor perfil de quem fosse realizar as fantasias", diz Andréa, que, com formação em dramaturgia e tendo atuado como produtora teatral e roteirista, utilizou uma linguagem leve para contar os casos, fugindo do "juridiquês".
 
Ao traçar um perfil psicológico das partes, a autora foi acompanhando as mudanças que a sociedade sofreu ao longo dos anos, tanto positivas, como a adoção de modelos de família que priorizam o afeto, como negativas: "Ocorreu um processo lamentável de transformação das relações em patrimônios e de terceirização de responsabilidades para o Estado", observa ela, citando como exemplos os casos, relatados na publicação, da mulher que queria ser indenizada pelo fim do casamento e do casal divorciado que vai à Justiça para decidir em que escola matricular o filho.
 
O processo de exposição pessoal das partes na sala de um fórum é outro ponto abordado por Andréa na narrativa: "Num processo de terapia a pessoa leva anos para se expor. Mas diante de um juiz que ela nunca viu na vida é capaz de despejar tudo", observa. Segundo a juíza, esse comportamento é fruto do desespero pelo momento crucial que vivem: "Nas varas de família, percebemos as reações mais impulsivas e passionais. E muitas vezes a sala de audiências é o único ambiente possível para comunicação entre as partes".
 
Com a abertura de sua própria personalidade para o público, Andréa nos conduz pelos caminhos percorridos até a sentença e promove um estudo sobre a alma humana e os relacionamentos.
 
'Precisamos nos identificar com a dor do outro'
 
Em conversa com a Tribuna do Advogado, Andréa Pachá afirma que histórias marcantes brotam continuamente: Não houve um dia, nesses anos todos que passei em Vara de Família, sem um caso que rendesse uma história emocionante para contar". Para ela, a parte mais prazerosa do trabalho é a aproximação humana: "Temos contato com o que as pessoas têm de mais vivo, seus conflitos de amor".
 

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