19/12/2012 - 12:24

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Os tribunais superiores e os problemas deles - Ronaldo Cramer

19/12/2012 - 12:24

Os tribunais superiores e os problemas deles - Ronaldo Cramer

Já escrevi sobre esse assunto neste espaço (Crise de identidade do STF, publicado na Tribuna do Advogado em maio de 2007), mas volto ao tema, por conta de algumas preocupantes novidades.
 
Nosso Judiciário tem dois órgãos de cúpula, STF e STJ, em constante crise. Já se tornou lugar comum ler que é preciso diminuir a pauta dos tribunais superiores.
Devem-se retirar do STF todas as chamadas competências originárias

Os tribunais superiores já receberam ajuda. Depois da Emenda Constitucional (EC) nº 45, que introduziu a repercussão geral como requisito para a admissibilidade do recurso extraordinário, o STF não julga mais qualquer causa, mas apenas aquelas que interessam a toda a sociedade. O filtro da repercussão geral reduziu o número de processos no Supremo e tornou nosso maior tribunal parecido com uma corte constitucional.
 
O STJ, por sua vez, recebeu o auxílio do novo art. 543-C, inserido no Código de Processo Civil (CPC) em 2008. Essa norma permite ao STJ julgar, por meio de um único recurso especial, todos os especiais que contêm a mesma tese jurídica. Não há dúvida de que essa medida diminuiu a pauta de processos naquele tribunal.
 
No entanto, neste ano, mais uma vez, o STF e o STJ (leia-se: seus ministros) reclamaram do número de processos e fizeram pressão para mudanças no sistema processual. Dentre as propostas, chamam-me a atenção a que torna a jurisprudência do STF praticamente vinculante, cogitada pelas emendas em torno do novo CPC, e a adoção da repercussão geral para o recurso especial, objeto da PEC nº 209/2012.
 
Ambas as providências preocupam.
 
A primeira, porque precipita a introdução, em nosso ordenamento, de mecanismos do Common Law. Sei que a tendência do Direito Processual contemporâneo é aumentar a obediência às decisões dos tribunais superiores, prestigiando-se a previsibilidade das soluções judiciais. Todavia, não estamos ainda preparados para, da noite para o dia, respeitarmos a jurisprudência como se fosse a lei. Ouso dizer que não sabemos nem mesmo definir jurisprudência.

O STJ também deve ter competência para julgar, em sede de recurso especial, questões constitucionais
A ideia de repercussão geral no STJ me parece temerária. Prever esse filtro no STF faz sentido, a fim de equiparar nosso Supremo a uma corte constitucional. Porém, adotá-lo no STJ não encontra nenhuma explicação razoável. Aliás, o uso da repercussão geral fará com que o STJ deixe de uniformizar a interpretação da norma federal, passando essa tarefa para os tribunais de segunda instância, o que pode levar ao caos hermenêutico. 
 
A meu ver, por ora, nada deve mudar nos tribunais superiores. Entretanto, se a mudança for inevitável – e não duvido de que seja –, atrevo-me a propor algumas alternativas, que, aliás, não são apenas minhas. Algumas são do meu amigo, impecável constitucionalista, Cláudio Pereira de Souza Neto.
 
Em primeiro lugar, devem-se retirar do STF todas as chamadas competências originárias (isto é, as ações que podem ser diretamente propostas no Supremo ou que nele são julgadas em segundo grau de jurisdição), fazendo com que a nossa mais alta Corte apenas se ocupe da interpretação constitucional, seja em recursos extraordinários, seja em ações de controle concentrado. Essas competências originárias iriam para o STJ ou, até mesmo, para a Justiça Federal, a depender do assunto. Tal medida, efetivamente, transformaria o STF num tribunal responsável pelas grandes questões do país e, por consequência, reduziria sua pauta de processos, sem grandes efeitos colaterais.
 
Para que o STJ pudesse dar conta dessa nova competência, seria imprescindível aumentar os atuais 33 ministros. Tribunais de outros países, com tarefa similar à do STJ, têm muito mais magistrados. O aumento do número de ministros seria facilmente suportado pelo atual prédio do STJ, famoso pelo desperdício de espaço em seus corredores, salas e gabinetes.
 
O STJ também deve ter competência para julgar, em sede de recurso especial, questões constitucionais. Com isso, o recurso extraordinário seria cabível apenas contra as decisões do STJ, e não dos tribunais de segunda instância, como já ocorre com o TST e o TSE. Além de tornar o acesso ao STF mais cerimonioso (no bom sentido da palavra), tal proposta acabaria com a hipócrita crença de que é possível separar, no julgamento do recurso especial, a questão constitucional e a questão federal.
 
Caso a adoção da repercussão geral no STJ seja inexorável, deve-se criar uma exceção para o recurso especial com fundamento em divergência jurisprudencial. Entre as hipóteses de recurso especial, essa é a única que tem, exclusivamente, o objetivo de uniformizar a interpretação da norma federal.
 
Mas insisto: por ora, nada deve mudar em Brasília. O sistema processual tem outras prioridades, como a primeira instância e os juizados. O povo tem outras prioridades, ele quer mais, e não menos julgamentos. Já passou da hora de deixarmos de fazer mudanças processuais a partir da perspectiva dos tribunais superiores e de seus problemas.
 
Ronaldo Cramer é procurador-geral da OAB/RJ, professor da PUC-Rio e vice-presidente eleito da Seccional
 
Versão online da Tribuna do Advogado, dezembro de 2012.

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