03/08/2018 - 20:58

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Extinção do Senado: sim ou não?

03/08/2018 - 20:58

Extinção do Senado: sim ou não?

Extinção do Senado: sim ou não?

 

 

Extinção poderia vir a enfraquecer a Federação

 

Eduardo Suplicy*

 

A tormenta que assola o Senado fez surgir um forte debate sobre a sua existência. Um dos mais respeitados juristas do Brasil, o professor Dalmo de Abreu Dallari, argumenta que o Brasil deve ter um parlamento com apenas uma Casa.

 

Dallari aponta que a Câmara dos Lordes, no Reino Unido e o Senado na França e nos Estados Unidos tiveram origens conservadoras. No caso britânico, a intenção dos nobres, no Século 17, foi controlar os burgueses. O Senado francês, criado em 1799, teve por propósito conter os excessos democratizantes da burguesia radical. E, nos Estados Unidos, o Senado foi criado com o objetivo de conter os abolicionistas, o que fez a escravatura durar mais 80 anos.

 

A primeira Constituição brasileira, de 1824, criou um sistema de eleição dos deputados pelos eleitores e uma lista tríplice de possíveis senadores, de qual o imperador escolhia um senador vitalício. À época, para ser senador, o cidadão precisava ter uma renda mínima anual de 800 mil réis. Portanto, o Senado nasceu de uma forma muito oligárquica. Em 1891, os senadores passaram a ser eleitos pelo povo, com o objetivo de representar os estados. Argumenta Dallari que não haveria sentido, uma vez que eles não são soberanos e dependem do Poder Central.

 

O Poder Legislativo incorpora a gênese da democracia de um país. O Senado funciona como a Casa do equilíbrio onde são debatidas as questões associadas aos Estados e os temas nacionais. Essa Casa é formada por três representantes eleitos por unidade da Federação; já a Câmara dos Deputados é composta por representantes eleitos de acordo com o número de habitantes de cada estado, no mínimo de oito e no máximo de 70.

 

No sistema federativo, os estados são entidades autônomas que precisam de representação para fazer valer seus direitos. Extinguir o Senado poderia enfraquecer a Federação.

 

O Senado tem cumprido papel importante no aperfeiçoamento de projetos aprovados pela Câmara. Tem também apresentado iniciativas fundamentais para o avanço social, como a da Renda Básica de Cidadania.

 

É necessário fazer do Senado uma Casa exemplar no que diz respeito à transparência e à probidade administrativa, fazer com que haja apenas senadores eleitos diretamente, bem como um sistema de eleições que não permita o predomínio de qualquer forma de oligarquia.

 

*Senador (PT/SP)

 

 

 

Legislativo unicameral não seria menos democrático

 

Dalmo Dallari*

 

Desde as origens das revoluções burguesas, no Século 18, fixou-se como ideal o impedimento de governos com poder absoluto. Pela impossibilidade de se ter o povo reunido em cada circunstância, admitiu-se que sua vontade fosse expressa por meio de representantes eleitos. A par disso, adicionou-se a separação de poderes como requisito de governo democrático. Assim, além da exigência de 'governo do povo pelo povo', houve a exigência de um Legislativo independente.

 

Com a independência das 13 colônias inglesas da América, veio a criação dos EUA e da primeira Constituição escrita. Proclamando-se independentes da Inglaterra em 1776, as colônias, transformadas em estados, realizaram uma convenção na Filadélfia, em 1787. Foi criada uma Casa Legislativa federal, com representantes eleitos nos estados, em número proporcional à quantidade de eleitores de cada estado. Mas o Norte baseava-se em comércio, pesca e industrialização nascente e não usava trabalho escravo, predominando nele a posição abolicionista. O Sul era escravista e sua população livre, pequena. Por isso, o número de representantes dos estados do Norte seria maior do que o dos estados do Sul, tornando certa a abolição da escravatura por via legal. Foi, então, negociada a criação de uma segunda Casa Legislativa, o Senado, na qual os estados teriam igual número de representantes. Graças a isso, as propostas de abolição aprovadas na Câmara foram barradas no Senado e a escravidão durou ainda 80 anos depois de vigorar a Constituição dita liberal.

 

Esse modelo exerceu influência sobre o Brasil, que em 1824 teve a primeira Constituição, com Legislativo bicameral. Desde 1891, quando adotou uma constituição republicana, o país aproximou-se ainda mais do modelo estadunidense. Deu-se a cada estado, as antigas províncias, o direito de eleger três senadores, diferentemente da Câmara, em que o número de deputados guarda certa proporcionalidade com a população do estado.

 

Na Carta de 1988 os princípios fundamentais da República estão no Título I, no qual figuram o governo pelo povo, diretamente ou por meio de representantes eleitos, e a separação dos poderes. São cláusulas pétreas, que só nova Constituinte pode mudar. O Título IV trata da organização dos poderes, ali estando o Legislativo bicameral, que não é, portanto, elemento essencial do Estado democrático brasileiro.

 

Um Legislativo unicameral daria maior representatividade e mais celeridade ao processo decisório, e não seria menos democrático do que o atual sistema bicameral.

 

*Jurista e professor emérito da USP


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