07/05/2013 - 17:44

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A PEC das domésticas

07/05/2013 - 17:44

A PEC das domésticas

EDUARDO VALENÇA*
 
Promulgada no dia 2 de abril de 2013, em tempo recorde, a Emenda Constitucional nº 72 (EC 72) estendeu aos empregados domésticos os mesmos direitos assegurados aos demais trabalhadores, o que vem gerando calorosos debates nos mais diversos e inusitados foros.
 
Mais do que seus efeitos legais, tal alteração representa avanço histórico em um país que ainda luta contra o resquício escravocrata entranhado em seus costumes. Os trabalhadores domésticos, originariamente escravos e depois escravos alforriados, sempre foram tratados como cidadãos de segunda classe, sem que jamais tivessem os direitos dos quais gozavam os demais trabalhadores. Por isso, ainda que em nada tenha inovado e apenas estendido as garantias constitucionais já existentes, a EC 72 possui enorme valor simbólico.
 
Muito se fala que a alteração constitucional traria imediato aumento nos índices de desemprego e precarização na relação de trabalho em razão de uma massa de trabalhadores que seria levada à informalidade. Tais argumentos não se sustentam diante dos atuais índices de emprego no país, que batem recordes históricos, sem que exista qualquer sinal de reversão dessa tendência no médio prazo.
 
Ao contrário, a redução da quantidade de trabalhadores domésticos já ocorre e não tem como consequência o aumento de seu custo para o empregador. Tal fato se dá pelas novas oportunidades de trabalho, com melhores condições, melhor remuneração e maior reconhecimento social. E o Brasil, que possui o maior número de empregados domésticos do mundo, representando quase 13% do total global, deve continuar reduzindo esse tipo de emprego, aproximando-se dos índices dos países socialmente mais justos.
 
Contudo, deve ser levado em consideração que o empregador doméstico em muito se diferencia do empregador tradicional, cuja atividade tem fins lucrativos. Atento a tal peculiaridade, o constituinte derivado estabeleceu expressamente a regulamentação da PEC deve buscar a “simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias”. Quanto a este ponto, mais do que simplificadas, tais obrigações devem ser reduzidas, já tendo o governo dado sinais de que o fará em breve.
 
Aos advogados e juízes, resta se preparar para as novas demandas que surgirão com tão profundas mudanças. E os empregadores, cientes de que os processos não mais serão resolvidos com irrisórios acordos na Justiça do Trabalho, devem entender que esse vínculo de emprego vai exigir atenção maior e informalidade menor.
 
Os direitos assegurados de imediato e já vigentes são os contidos na Constituição Federal, artigo 7º, incisos X (proteção ao salário, constituindo crime a retenção dolosa), XIII (jornada máxima diária de oito horas e de 44 horas semanais, facultada compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho), XVI (adicional mínimo de 50% para as horas extraordinárias de trabalho), XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho), XXVI (reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho), XXX (proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivos discriminatórios – sexo, idade, cor ou estado civil) e XXXIII (proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo, a partir de 14 anos, como aprendizes).
 
Restam ser regulamentados os seguintes direitos assegurados pelo artigo 7º, incisos II (seguro-desemprego em caso de desemprego involuntário), III (FGTS), IX (remuneração de trabalho noturno superior ao trabalho diurno), XII (salário-família aos dependentes, sendo o trabalhador de baixa renda), XXV (assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até cinco anos de idade em creches e pré-escolas) e XXVIII (seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, para permitir o benefício previdenciário correspondente, sem prejuízo da indenização patronal quando o empregador incorrer em culpa ou dolo).
 
Dentre as alterações já vigentes, o maior desafio prático será o controle de jornada. Como se pode fazer o controle de jornada em uma atividade que é desempenhada dentro do lar, onde, em regra, os empregadores não estão presentes? Muito se fala na necessidade do registro de ponto, o que não faz nenhum sentido, visto que tal obrigação existe apenas para os empregadores que possuem mais de dez empregados. Logo, na grande maioria dos casos o ônus da prova será do empregado, sendo esta feita majoritariamente através de testemunhas, como já ocorre.
 
Por fim, podemos concluir que a EC 72 é apenas o início de uma longa jornada durante a qual paradigmas terão que ser quebrados, costumes deverão ser revistos e preconceitos, superados.
 
* Conselheiro da OAB/RJ
 

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