03/08/2018 - 21:02

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Leis de acesso a informação e de punição para divulgação suscitam controvérsia

03/08/2018 - 21:02

Leis de acesso a informação e de punição para divulgação suscitam controvérsia

Leis de acesso a informação e de punição para divulgação suscitam controvérsia


Um dos projetos fixa prazo para liberação a público de documentos oficiais; o outro criminaliza a veiculação de dados relacionados a processos criminais sob sigilo. Advogados, professores e jornalistas opinam sobre as duas propostas

Dois projetos de lei mobilizaram a opinião pública no último mês, preocupando, sobretudo, jornalistas, historiadores, professores e demais profissionais da informação. No entanto, seu alcance, dependendo dos termos em que forem aprovados, pode significar avanço ou retrocesso no direito de toda a sociedade à informação pública, avaliam os envolvidos na discussão. Um dos textos, o PLC 41/2010, do deputado Reginaldo Lopes (PT/GO), passou na Câmara e segue em tramitação no Senado. Regulamenta o acesso público aos documentos oficiais e limita o prazo em que podem ser mantidos em segredo pelo governo. O segundo, apelidado de Lei da Mordaça, é o PL 1.947/2007, de autoria do deputado federal Sandro Mabel (PR/GO), e tipifica o crime de violação de sigilo investigatório.

Quando foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o projeto de Mabel provocou o repúdio imediato da Federação Nacional de Jornalistas e de entidades como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e da Associação Nacional de Jornais (ANJ). As instituições entenderam que o texto, que altera o Código Penal, abre a possibilidade de criminalizar a divulgação de informações confidenciais relacionadas a processos criminais sob sigilo e de punir, com reclusão de dois a quatro anos, jornalistas que as publicarem.

A forte reação negativa levou Mabel a enviar nota à Abraji afirmando que o projeto refere-se apenas a funcionários públicos, e não aos profissionais de imprensa em geral. A Abraji, no entanto, assim como a Fenaj, considerou o texto pouco claro e se mobiliza no acompanhamento da tramitação. Em nota, a Associação lembrou que a confidencialidade de documentos reservados ou secretos da Justiça, da polícia ou do Ministério Público deve ser mantida pelo agente responsável no âmbito do Estado. "O jornalista que recebe uma informação de interesse público, sigilosa ou não, tem o dever de publicá-la", diz o texto, que aponta uma tentativa de cerceamento da liberdade de expressão garantida na Constituição.

Conselheiro federal da OAB pelo Rio de Janeiro, o constitucionalista Cláudio Pereira de Souza Neto acredita que, se o objetivo do projeto de lei foi criminalizar a divulgação de fato sigiloso por jornalistas, dificilmente sobreviveria a um possível crivo do Supremo Tribunal Federal. "O STF é um tribunal especialmente comprometido com a garantia da liberdade de expressão. O servidor público, sim, tem o dever de não revelar fato de que tenha ciência em virtude do cargo que ocupa, segundo o artigo 325 do Código Penal. A Carta de 88 já contém mecanismos de contenção de ações abusivas por parte da imprensa, como o direito de resposta e a indenização proporcional ao agravo feito. O Direito Penal não é solução para tudo", observa Cláudio, advertindo que "a criminalização da liberdade de expressão tem uma história triste em nosso país, que não pode ser esquecida, para não ser repetida".

Já o PLC 41/2010, objeto de preocupação ainda maior, tem ocupado as manchetes do noticiário especialmente no que se refere ao tempo em que documentos oficiais podem ser mantidos fora de acesso por qualquer cidadão interessado.

O professor de jornalismo da UnB e coordenador do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas – que reúne 25 entidades, entre as quais a OAB Federal –, Fernando Oliveira Paulino, tem a expectativa de que ele seja aprovado no Senado com o mesmo texto votado na Câmara. Ou seja, limitando a 50 anos, no máximo, o tempo de segredo para documentos classificados como ultrassecretos e relacionados à preservação da soberania nacional. Seria o fim da possibilidade do sigilo eterno em vigor (pelas sucessivas renovações), defendido pelos ex-presidentes Fernando Collor e José Sarney . E também, em determinado momento, pela presidente Dilma Rousseff, que mudou de ideia recentemente, voltando a defender o prazo máximo de meio século. Ela ressalvara, no entanto, que os documentos relacionados aos direitos humanos não seriam resguardados.

A aprovação da lei que regulamenta o acesso às informações públicas, segundo Fernando Paulino, representará muito para o país. "Primeiro, com o resgate de nosso passivo histórico. Segundo, com a possibilidade de qualquer pessoa acessar dados públicos de forma célere e sem ter que recorrer à Justiça, como às vezes é preciso hoje, haverá mais transparência, e menos brechas para a corrupção", diz o jornalista, lembrando também que "a transparência dos dados oficiais poderá significar mais investimentos para a economia, já que as empresas tendem a apostar seu dinheiro onde as informações, os números e as tarifas estão acessíveis de forma clara".

Coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Informação, presidente da Fenaj e da Federação dos Jornalistas da América Latina e Caribe, Celso Schröder afirma que o PLC 41/2010 segue os padrões internacionais de acesso a informações em países democráticos, e sustenta que a importância da regulação está em não deixar ao "governante de ocasião a decisão de ocultar, ou não, fatos da história do país". Isso, lembra, "é ruim para o Brasil, para os pesquisadores, os historiadores, os jornalistas, os advogados. É também autoritário e revela um olhar obscurantista."

Na opinião do diretor da sucursal fluminense do jornal O Estado de S. Paulo e da Abaji, Marcelo Beraba, os órgãos públicos cultivam, ainda hoje, uma "cultura de opacidade, considerando como privadas do gestor informações que são públicas". A professora de Ciência da Informação da UnB Georgete Medleg Rodrigues explica que cerca de 100 países têm o acesso a informações públicas regulado em lei, e que o movimento foi impulsionado a partir dos anos 1980, no Leste europeu, com a queda do muro de Berlim. Na América Latina, o Brasil é um dos últimos países a não dispor de uma lei abrangente para esse fim, além da Venezuela, da Argentina, da Bolívia e do Paraguai.

Para Georgete, o PLC 41 traz avanços – como o de enfrentar a questão dos documentos secretos, limitando prazos para o sigilo de acordo com a classificação: ultrassecretos (25 anos renováveis, uma única vez, por mais 25), secretos (15 anos) e reservados (cinco anos). Mas a lei, aponta ela, tem problemas, como o de não ter "criado uma instância recursal independente, permanecendo a tutela do Estado sem a participação da sociedade". De acordo com o texto, quem tiver negado o acesso a uma informação deverá recorrer à Controladoria Geral da União, ligada ao governo.

Ela assinala também a repetição de termos que denotam ranço do passado. A professora registrou que a palavra "sigilo" e suas variantes aparecem 45 vezes no texto, contra quatro para "transparente". "Segurança" aparece 15 vezes, mas uma única delas associada a "segurança da informação". E todas as outras, vincula-se à "sociedade" e "Estado"; às figuras do presidente e do vice-presidente e seus familiares; à saúde da população; e à segurança das instituições e a altas autoridades internacionais.


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