10/09/2012 - 15:59

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Justiça ficou de segunda época, diz representante da OAB no CNJ

10/09/2012 - 15:59

Justiça ficou de segunda época, diz representante da OAB no CNJ

Um dos representantes da Ordem no Conselho Nacional de Justiça e destaque na recente reunião do Colégio de Presidentes de Subseções, em Vassouras, Jorge Hélio Chaves de Oliveira analisa Judiciário brasileiro e faz balanço do trabalho do CNJ. Leia a íntegra da entrevista, feita pelo jornalista Cid Benjamin.
 
Qual a sua visão do Judiciário brasileiro? De zero a dez, que nota mereceria?
A Justiça, no Brasil, sempre foi fortemente hierarquizada e hermética, o que não se coaduna com os tempos atuais, com o Estado democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil, segundo os postulados trazidos pela Constituição e, mais especialmente, após o advento da Emenda Constitucional nº 45 – a chamada Reforma do Poder Judiciário. Ocorre que transformações infraestruturais, não meras mudanças reformistas, demandam tempo e uma conjunção de esforços e fatores.

A sociedade civil organizada vem protagonizando a repaginação do país, e sua Justiça foi, por último, incluída na agenda. O Judiciário melhorou muito com a criação do CNJ, concebido para cumprir funções até então lacunosas, como o planejamento estratégico e o estabelecimento de metas para os órgãos judiciários, além de outras que, na média, não vinham sendo cumpridas a contento, como é o emblemático caso do papel correicional que, depois de longos e calorosos debates, o STF, ainda que em sede de medida liminar, decidiu possuir o CNJ em concorrência com os as corregedorias locais.
 
A falta de celeridade no curso dos processos judiciais é fragorosamente inconstitucional
Mas muito ainda há por fazer. O cancerígeno processo de letargia no andamento dos feitos – cada vez mais em maior número e mais complexos, como consequência, entre outros aspectos, do processo histórico de aprofundamento da democracia entre nós e do consequente esclarecimento de nossa gente sobre seus direitos – é pai da impunidade dos poderosos e mãe da corrupção e do obscurantismo, gêmeos univitelinos, e precisa ser extirpado da jurisdição. A falta de celeridade no curso dos processos judiciais é fragorosamente inconstitucional, pois ofende vários princípios destacados no Estatuto Republicano, como o da isonomia, o do acesso à justiça material, o do devido processo legal, o da razoável duração dos processos. É como se o Estado, que existe para prestar o bem estar social, estivesse negando sua razão de ser, seu motivo existencial, tivesse desertado.
 
Não se pode falar de dignidade da pessoa humana – outro princípio positivado na Constituição de 88 – sem atrelá-lo diretamente a uma Justiça efetiva e célere, que reconheça o direito a seu legítimo possuidor, e puna, na forma da lei, os que infringirem as normas civilizatórias de convivência. E no tempo pedagogicamente hábil. A figura da prescrição me lembra o Estado pedindo concordata, em situação de déficit quase incorrigível diante de seus credores. Não vou atribuir uma nota. Seria reducionista em nossa análise. Mas a Justiça brasileira, se não foi reprovada, está seguramente em recuperação, ficou de segunda época. E nesse panorama, é inaceitável falar-se em ingresso no chamado primeiro mundo, seja lá o que isso signifique.
 
O conselheiro Jorge Hélio  |  Foto: Lula Aparício
Como o Judiciário vê o CNJ, criado para, entre outras coisas, fiscalizá-lo?
A recalcitrância inicial com que o CNJ foi encarado pelo Judiciário, inclusive por juízes de primeiro grau (mas principalmente pelos tribunais, em especial os tribunais superiores, o grande desafio ontológico do Conselho), vem sendo superada com o passar dos anos, porque o próprio órgão está desenvolvendo uma identidade republicana na melhor lógica das "mãos dadas" visualizada por Drummond, afirmando-se como ente administrativo sui generis, de natureza pendular, que oscila entre o dever institucional de zelar pela efetivação, no âmbito do Judiciário, dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, inscritos no art. 37 da Constituição, e o controle da atuação administrativa e financeira dos órgãos desse Poder, além dos deveres funcionais dos magistrados. Afinal, são apenas sete anos de vida.
 
Ainda não se estabeleceu uma tradição decorrente do Conselho, embora se possa tranquilamente afirmar revolucionária sua incipiente obra. Diríamos que o CNJ é um caso de sucesso de público e de crítica. Contribuir com os órgãos do Poder Judiciário é o papel nucleico do Conselho, na efetivação de sua autonomia e em sua afirmação como Poder nacional, estatal e uno, detentor de poderes disciplinares (em relação ao controle dos deveres funcionais dos juízes) de forma a promover os bons magistrados, sancionando aqueles que destoem de sua missão, de seus deveres. Penso que, passada essa quadra inicial, as incompreensões estão esmaecendo, mesmo porque parece ser sentimento geral que CNJ veio para ficar. E a todos é cometida uma grave atribuição: fiscalizar os órgãos da magistratura, do Legislativo, o Ministério Público e a OAB, quando da escolha dos integrantes do Conselho.
 
O CNJ é um caso de sucesso de público e de crítica
 
O CNJ tem que manter-se ereto para cumprir os deveres patrióticos que a Carta Política Nacional lhe impõe e, em casos de eventuais erros do órgão, o STF tem a competência constitucional para corrigi-los, para retificar suas distorções, seus desvios de rota.
 
Como tem funcionado o CNJ? Ainda corre o risco de ter seu trabalho coibido?
Estamos na quarta composição de sua curta história, a segunda de que participo. O avanço no diagnóstico e na solução para os problemas estruturais dos órgãos da Justiça é notório. Sem dúvida, o Judiciário brasileiro é um antes e outro depois do CNJ. Os princípios da publicidade e da eficiência têm sido concretizados como nunca antes, fundamentalmente graças à atuação do Conselho. Sua simples existência, por exemplo, já fez com que as corregedorias dos tribunais se reformulassem e atuassem melhor.
 
Afora os julgamentos plenários quinzenais, os mais diversos projetos realizados pelas tantas comissões temáticas instituídas no seio do Conselho e a aproximação da Justiça do jurisdicionado – tarefa contínua e incansável do CNJ – constituem nossos principais desafios, diuturnamente perseguidos.Como todo órgão de controle, o CNJ jamais se livrará de resistências e reações à sua existência. Quem tem poder de mando dele não admite livrar-se facilmente, sem confronto.
 
É de notar, entretanto, que a chamada opinião pública o acolheu e absorveu, com inconteste aprovação, suas tarefas institucionais.  Assim, o Conselho vem-se legitimando a cada decisão que toma, seja nos processos que julga, seja nos atos normativos (resoluções, recomendações e enunciados) que edita. Trata-se da republicanização da Justiça pátria, nem mais nem menos. Preservá-lo é uma tarefa plúrima por que todos os homens e mulheres de bem desta nação, tão encontrada em desencontros, somos responsáveis, na condição de sujeitos ativos.
 
Apesar de estar hoje no CNJ, o senhor é advogado. Como tal, apoia as eleições diretas para o Conselho Federal da Ordem? 
Sou representante dos advogados brasileiros no CNJ, alçado a essa honrosa condição por delegação do Conselho Federal da OAB, por cujos 81 membros fui eleito – para o primeiro mandato, por maioria simples; para o segundo, por unanimidade. Como tal, defendo os pleitos republicanos que a Ordem propõe para o Poder Judiciário, como o faço, por igual e com o mesmo denodo, para as propostas da mesma natureza trazidas pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pelos advogados públicos e privados e pelos membros e órgãos da magistratura nacional, além dos cidadãos, no que couber.
 
É minha obrigação, a que me tenho dedicado no limite de minhas forças, aprendendo a lógica especial e desafiadora da convivência em um colegiado extraordinário, sem similar em nossa Justiça, dotado de rara pluralidade técnica e política (no sentido substancial do termo). Entendo que todos esses protagonistas de justiça, que gravitam em torno do Judiciário, são tão medulares quanto ele e exercem funções essenciais à justiça entre as quais - e também com relação a ele e seus membros – não há qualquer sorte de hierarquia, senão o cumprimento de deveres complementares, visando à prestação da mais nobre das tarefas metafísicas do Estado: a justiça social, a felicidade geral, no dizer de Kelsen.
 
Todas essas atividades, entendo, sem embargo de quem pense a diverso, passam atualmente por uma revisão de valores, numa espécie de choque civilizatório, verticalizando seu papel no contexto geral da nova sociedade brasileira que se está construindo. Nesse sentido, tenho-me posicionado favoravelmente às eleições diretas para a direção nacional da OAB, em moldes distritais, preservado o pacto federativo.
 
Penso em discutir as eleições locais e os projetos nacionais da Ordem no mesmo processo eleitoral, cada Estado Federado tendo direito a um voto no pleito federal. Isso não significa desaprovação, de minha parte, das gestões federais que têm encabeçado a OAB. Muito ao contrário, vejo a Ordem como ícone da moderna cidadania brasileira e legítima representante das melhores aspirações republicanas e democráticas nacionais. Não fosse assim e não teríamos uma OAB tão respeitada e respaldada como temos.
 
A história da Ordem é gloriosa e isso precisa ser registrado. Mais: precisa ser enfatizado. Foi ela a maior militante em defesa da lei da ficha limpa, da moralização no trato da coisa pública, da manutenção dos poderes do CNJ, só para citar episódios recentes que a todos nos enchem de orgulho e alegria cívica. Mas acho que dar esse passo à frente engrandeceria nossa história e acompanharia as boas práticas de cidadania que defendemos para outras instituições. Acho que a Ordem ainda se definirá por eleições diretas, mais cedo ou mais tarde, para a presidência do Conselho Federal, após um amplo processo de debate com a imensa comunidade advocatícia nacional, com todo o cuidado de manter-se isenta, forte, livre de amarras políticas e econômico - financeiras e altaneira – como registra sua invejável biografia.
 
Versão online da Tribuna do Advogado, edição de setembro.
 

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