03/08/2018 - 21:05

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OAB/RJ e Comissão Nacional da Verdade ouvem vítimas da ditadura e firmam cooperação

03/08/2018 - 21:05

OAB/RJ e Comissão Nacional da Verdade ouvem vítimas da ditadura e firmam cooperação

Sede da primeira série de audiências públicas da Comissão Nacional da Verdade (CNV) no Rio de Janeiro, a OAB/RJ firmou com seus integrantes termo de cooperação para o esclarecimento de violações aos direitos humanos praticadas durante a ditadura. Cabe à Seccional repassar os depoimentos e as informações que resultarem do trabalho de sua própria comissão, criada com o escopo de investigar a atuação da Justiça Militar no período entre 1964 e 1985.
 
“Oficializamos aqui o compromisso de repassar à CNV tudo o que apurarmos sobre as arbitrariedades cometidas pela Justiça Militar e pelo Ministério Público Militar naquele período”, afirmou o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, ao assinar o termo, no dia 14 de agosto, após a audiência pública com vítimas e familiares e as mesas redondas realizadas pela manhã e à tarde, na véspera.
 
Os três membros do grupo nacional presentes à assinatura, Rosa Cardoso, Paulo Sérgio Pinheiro e José Paulo Cavalcanti Filho, destacaram a importância da tarefa em conjunto. “O simbolismo dessa cooperação é imenso, tendo em vista a história da Ordem na luta pela democracia”, disse Pinheiro.
 
De acordo com Rosa, que foi advogada da então ativista e agora presidente Dilma Rousseff, deve ser discutida conjuntamente pela Ordem e o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) a reforma do Código Penal: “Há novos pontos inseridos no texto que muito têm a ver com a problemática de que tratamos, como a questão dos desaparecimentos forçados. Além disso, não haverá prescrição de alguns crimes, o que nos leva a repensar a relação com alguns protegidos pela Lei da Anistia”.
 
Nas audiências realizadas no dia 13 de agosto, a Seccional entregou à comissão os primeiros depoimentos colhidos. Além disso, foram apresentadas propostas da Ordem que dizem respeito ao tema, como o tombamento dos locais que funcionaram como centros de tortura – os prédios do Doi-Codi na Rua Barão de Mesquita, do Dops na Rua da Relação e a Casa da Morte (esta, no fechamento desta edição, teve o processo de tombamento iniciado pela Prefeitura de Petrópolis)  –  e sua transformação em memoriais e espaços de debates para o fortalecimento da democracia. A OAB/RJ também quer que o futuro prefeito do Rio se comprometa com a instalação de placas e marcos de sinalização urbana em locais onde aconteceram episódios de violação dos direitos humanos na ditadura.
 
A audiência pública do dia 13 lotou o auditório da Seccional com vítimas de torturas e parentes de mortos e desaparecidos, além de entidades de defesa dos direitos humanos. Travou-se intenso debate entre boa parte da assistência, reivindicando acesso aos depoimentos e documentos produzidos no âmbito da comissão, e a mesa integrada por seis dos sete componentes designados pela Presidência da República.
 
O ex-ministro da Justiça José Carlos Dias disse que dar publicidade aos depoimentos significaria prejudicar a apuração dos fatos. “Este trabalho tem características de investigação criminal. A comissão tem autonomia e poderes para processar quem não atender à convocação, e se alguém falsear o depoimento cometerá perjúrio”, explicou Dias, tentando tranquilizar a plateia. O cientista político Paulo Sérgio Pinheiro salientou o fato de a CNV não funcionar como tribunal de justiça, tendo como missão apurar os crimes e violações cometidos por agentes do Estado, produzindo relatório a ser entregue ao Congresso Nacional em maio de 2014.
 
Entre as dezenas de vítimas de torturas estavam presentes Inês Etienne Romeu, que apesar de muito debilitada pelas sequelas já havia prestado depoimento à Ordem sobre o período em que foi prisioneira na Casa da Morte, e José Maria de Oliveira, sequestrado e torturado com a mulher e a filha de apenas 12 anos, segundo seu relato. Muito emocionado, ele – defendido por Modesto da Silveira na época – disse aos membros da comissão que estava “nas mãos deles” se o passo dado em direção ao resgate da verdade seria “ilusório ou não”.
 
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e coordenador do grupo, Gilson Dipp, prometeu que “o passado será passado a limpo” com a colaboração das comissões estaduais e comitês instituídos. “Depois dessa Comissão da Verdade o Brasil não será mais o mesmo”, prometeu. Rosa Cardoso associou a realidade atual das prisões brasileiras, “com genocídio de negros e pobres”, à lógica da violência que imperou durante o regime militar. A psicanalista Maria Rita Kehl e o jurista José Paulo Cavalcanti Filho, que também integram a comissão, participaram da abertura.
 
Anfitrião da audiência pública,  Wadih Damous lembrou que o Rio foi “talvez o maior centro de repressão política na ditadura”, e destacou o empenho da Seccional no resgate da história, com a Campanha pela Memória e pela Verdade deflagrada em 2010 . “Inclusive, acho que é tarefa desta Comissão da Verdade saber quem pôs a bomba endere-çada a Eduardo Seabra Fagundes e que matou dona Lyda Monteiro”, afirmou.
 

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